Ricardo Reis
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Os deuses desterrados, [1]

Os deuses desterrados, [1]

Mil-Frases

1 year ago
Um poema de Ricardo Reis

Os deuses desterrados,

Os irmãos de Saturno,

Às vezes, no crepúsculo

Vêm espreitar a vida.

Vêm então ter connosco

Remorsos e saudades

E sentimentos falsos.

É a Presença deles,

Deuses que o destroná-los

Tornou espirituais,

De matéria vencida,

Longínqua e inactiva.

Vêm, inúteis forças,

Solicitar em nós

As dores e os cansaços,

Que nos tiram da mão,

Como a um bêbedo mole,

A taça da alegria.

Vêm fazer-nos crer,

Despeitadas ruínas

De primitivas forças,

Que o mundo é mais extenso

Que o que se vê e palpa,

Para que ofendamos

A Júpiter e a Apolo.

Assim até à beira

Terrena do horizonte

Hipérion no crepúsculo

Vem chorar pelo carro

Que Apolo lhe roubou.

E o poente tem cores

Da dor dum deus longínquo

E ouve-se soluçar

Para além das esferas...

Assim choram os deuses.

12/06/1914


Este poema de Ricardo Reis, intitulado "Os deuses desterrados, [1]", retrata a presença dos deuses desterrados que, ocasionalmente, espreitam a vida no crepúsculo. Com remorsos, saudades e sentimentos falsos, eles vêm até nós, solicitando em nós as dores