Poemas de Gratidão
Poemas que expressam a gratidão pelos momentos, pessoas e experiências que enriquecem nossas vidas.
Manuel Bandeira
De Ely e Lorita, brandos, nasce a branda (Vede da natureza o ideal concerto!), Bonita e sem pecado algum Fernanda, Que alegria dos pais será decerto. E faça quem sobre o Universo manda O mundo para ela um céu aberto, Onde continuamente, como um dia De claro sol, a vida lhe sorria.
Manuel Bandeira
Você chamou Maria Helena "o anjo lindo de Tuquinha". Na realidade você é que é o anjo lindo de Maria Helena, O anjo lindo de Branca, O anjo lindo de Branquinha, O anjo lindo de Isabel, O anjo lindo de Manuel, O anjo lindo de nós todos. Reze a Deus por nós, anjo lindo: aos anjos ele atende.
Manuel Bandeira
Tu que me deste o teu carinho E que me deste o teu cuidado, Acolhe ao peito, como o ninho Acolhe o pássaro cansado, O meu desejo incontentado. Há longos anos ele arqueja Em aflitiva escuridão. Sê compassiva e benfazeja. Dá-lhe o melhor que ele deseja: — Teu grave e meigo coração. Sé compassiva. Se algum dia Te vier do pobre agravo e mágoa, Atende, à sua dor sombria: Perdoa o mau que desvaria E traz os olhos rasos de água. Não te retires ofendida. Pensa que nesse grito vem O mal de toda a minha vida: Ternura inquieta e malferida Que, antes, não dei nunca a ninguém. E foi melhor nunca a ter dado: Em te pungindo algum espinho, Cinge-a ao teu seio angustiado. E sentirás o meu carinho. E sentirás o meu cuidado.
Manuel Bandeira
O que eu adoro em ti, Não é a tua beleza. A beleza, é em nós que ela existe. A beleza é um conceito. E a beleza é triste. Não é triste em si, Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza. O que eu adoro em ti, Não é a tua inteligência. Não é o teu espírito sutil, Tão ágil, tão luminoso, — Ave solta no céu matinal da montanha. Nem é a tua ciência Do coração dos homens e das coisas. O que eu adoro em ti, Não é a tua graça musical, Sucessiva e renovada a cada momento, Graça aérea como o teu próprio pensamento. Graça que perturba e que satisfaz. O que eu adoro em ti, Não é a mãe que já perdi. Não é a irmã que já perdi. E meu pai. O que eu adoro em tua natureza, Não é o profundo instinto maternal Em teu flanco aberto como uma ferida. Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. O que eu adoro em ti — lastima-me e consola-me! O que eu adoro em ti, é a vida. 11 de junho de 1920
Manuel Bandeira
Minha grande ternura Pelos passarinhos mortos, Pelas pequeninas aranhas. Minha grande ternura Pelas mulheres que foram meninas bonitas E ficaram mulheres feias; Pelas mulheres que foram desejáveis E deixaram de o ser; Pelas mulheres que me amaram E que eu não pude amar. Minha grande ternura Pelos poemas que Não consegui realizar. Minha grande ternura Pelas amadas que Envelheceram sem maldade. Minha grande ternura Pelas gotas de orvalho que São o único enfeite De um túmulo.
Manuel Bandeira
Quando n'alma pesar de tua raça A névoa da apagada e vil tristeza, Busque ela sempre a glória que não passa, Em teu poema de heroísmo e de beleza. Gênio purificado na desgraça, Tu resumiste em ti toda a grandeza: Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça O amor da grande pátria portuguesa. E enquanto o fero canto ecoar na mente Da estirpe que em perigos sublimados Plantou a cruz em cada continente, Não morrerá sem poetas nem soldados A língua em que cantaste rudemente As armas e os barões assinalados.
Manuel Bandeira
Querem outros muito dinheiro; Outros, muito amor; outros, mais Precavidos, querem inteiro Sossego, paz, dias iguais. Mas eu, que sei que nesta vida O que mais se mostra é ouropel, Quero coisa muito escondida: — O sorriso azul de Isabel. Um mistério tão sorrateiro Nunca o mundo não viu jamais. Ah que sorriso! Verdadeiro Céu na terra (o céu que sonhais...) Por isso, em minha ingrata lida De viver, é a sopa no mel Se de súbito translucida O sorriso azul de Isabel. Quando rompe o sol, e fagueiro O homem acorda, e em matinais Hosanas louva o justiceiro Deus de bondade — o que pensais Que é a coisa mais apetecida Do mau bardo de alma revel, Envelhecida, envilecida? — O sorriso azul de Isabel. OFERTA Não quero o sorriso de Armida: O sorriso de Armida é fel Junto ao desta Isabel querida. — Quero é o teu sorriso, Isabel.
Manuel Bandeira
Tu que penaste tanto e em cujo canto Há a ingenuidade santa do menino; Que amaste os choupos, o dobrar do sino, E cujo pranto faz correr o pranto: Com que magoado olhar, magoado espanto Revejo em teu destino o meu destino! Essa dor de tossir bebendo o ar fino, A esmorecer e desejando tanto... Mas tu dormiste em paz como as crianças. Sorriu a Glória às tuas esperanças E beijou-te na boca... O lindo som! Quem me dará o beijo que cobiço? Foste conde aos vinte anos... Eu, nem isso... Eu, não terei a Glória... nem fui bom. Petrópolis, 3.2.1916
Manuel Bandeira
Que é de ti, melancolia?... Onde estais, cuidados meus?... Sabei que a minha alegria É toda vinda de Deus... Deitei-me triste e sombria, E amanheci como estou... Tão contente! Todavia Minha vida não mudou. Acaso enquanto dormia Esquecida de meus ais, Um sonho bom me envolvia? Se foi, não me lembro mais... Mas se foi sonho, devia Ser bom demais para mim... Senão, não me sentiria Tão maravilhada assim. Ó minha linda alegria, Trégua dos cuidados meus, Por que não vens todo dia, Se és toda vinda de Deus? Clavadel, 1913
Manuel Bandeira
Ser de eleição em cujo olhar a natureza Acendeu a fagulha altiva que fascina, Tu trazias aquela aspiração divina De realizar na vida a perfeita beleza. Creste achá-la no amor, na indizível surpresa Da posse — o sonho mau que desvaira e ilumina. Vencido, escarneceste a virtude mofina... Tua moral não foi a da massa burguesa. Morreste incontentado, e cada seduzida Foi um ludíbrio à tua essência. Em tais amores Não encontraste nunca o sentido da vida. Tua alma era do céu e perdeu-se no inferno... Para os poetas e para os graves pensadores Da imortal ânsia humana és o símbolo eterno. 1907
Manuel Bandeira
Para reproduzir o donaire sem par Desse alvo rosto e desse irônico sorriso Que desconcerta e prende e atrai, fora preciso A mestria de Helleu, de Boldini ou Besnard. Luz faiscante malícia ao fundo desse olhar, E há mais do inferno ali do que do paraíso... O amor é tão-somente um pretexto de riso Para esse coração flutuante e singular. Flor de perfume raro e de esquisito encanto, Ela zomba dos que (pobres deles!) sem cor Vão-lhe aos pés ajoelhar ingenuamente... Enquanto Alguém não lhe magoar a boca de veludo... E não a fizer ver, por si, que isso de amor No fundo é amargo e triste e dói mais do que tudo. 1907