Álvaro de Campos
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O Poeta Álvaro de...
Bem sei que tudo é natural

Bem sei que tudo é natural

Mil-Frases

há 1 ano
Um poema de Álvaro de Campos

Bem sei que tudo é natural Mas ainda tenho coração...

Boa noite e merda!... (Estala, meu coração!) (Merda para a humanidade inteira!)

Na casa da mãe do filho que foi atropelado, Tudo ri, tudo brinca. E há um grande ruído de buzinas sem conta a lembrar

Receberam a compensação: Bebé igual a X, Gozam o X neste momento, Comem e bebem o bebé morto, Bravo! São gente! Bravo! São a humanidade! Bravo: são todos os pais e todas as mães Que têm filhos atropeláveis! Como tudo esquece quando há dinheiro. Bebé igual a X.

Com isso se forrou a papel uma casa. Com isso se pagou a última prestação da mobília. Coitadito do Bebé. Mas, se não tivesse sido morto por atropelamento, que seria das contas? Sim, era amado. Sim, era querido Mas morreu. Paciência, morreu! Que pena, morreu! Mas deixou o com que pagar contas E isso é qualquer coisa. (É claro que foi uma desgraça) Mas agora pagam-se as contas. (É claro que aquele pobre corpinho Ficou triturado) Mas agora, ao menos, não se deve na mercearia. (É pena sim, mas há sempre um alívio.)

O bebé morreu, mas o que existe são dez contos. Isso, dez contos. Pode fazer-se muito (pobre bebé) com dez contos. Pagar muitas dívidas (bebezinho querido) Com dez contos. Pôr muita coisa em ordem (Lindo bebé que morreste) com dez contos.

Bem se sabe é triste (Dez contos) Uma criancinha nossa atropelada (Dez contos) Mas a visão da casa remodelada (Dez contos) De um lar reconstituído (Dez contos) Faz esquecer muitas coisas (como o choramos!) Dez contos! Parece que foi por Deus que os recebeu (Esses dez contos). Pobre bebé trucidado! Dez contos.


"Bem sei que tudo é natural" é um poema de Álvaro de Campos que aborda a frieza e indiferença da sociedade perante a tragédia. O poema critica a falta de empatia e a priorização do dinheiro sobre a vida humana. É um poema que nos confronta com a realidade
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