Poemas sobre Amizade
Versos dedicados à amizade, à importância dos amigos e ao valor desses laços especiais.
Olavo Bilac
XXVII Ontem - néscio que fui! - maliciosa Disse uma estrela, a rir, na imensa altura: "Amigo! uma de nós, a mais formosa "De todas nós, a mais formosa e pura, "Faz anos amanhã... Vamos! procura "A rima de ouro mais brilhante, a rosa "De cor mais viva e de maior frescura!" E eu murmurei comigo: "Mentirosa!" E segui. Pois tão cego fui por elas, Que, enfim, curado pelos seus enganos, já não creio em nenhuma das estrelas... E — mal de mim! — eis-me, a teus pés, em pranto... Olha: se nada fiz para os teus anos, Culpa as tuas irmãs que enganam tanto!
Olavo Bilac
Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores novas, mais amigas: Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas... O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas Vivem, livres de fomes e fadigas; E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo! envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem: Na glória da alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem!
Olavo Bilac
Diz à mulher o Vicente: — "Tu não achas, meu amor, Que hoje, anos do professor, Devemos dar-lhe um presente?" — "Com certeza, ele é tão bom, Trata tão bem o Juquinha... Já era lembrança minha, Mandarmos, que é do bom tom." — "Que deve ser? Vamos, fala: Um bom livro, alguma jóia, Aquele quadro de Goya, Um cachimbo, uma bengala...?" E discutem, todo o almoço, Que presente deve ser; E já, de tanto escolher, Vão formando um alvoroço. Juquinha, que escuta quieto, Tão tola e simples questão, Pra acabar a discussão, Apresenta este projeto: — "Nada de presentes finos. Dêem cousa que mate a fome: Que ele é tão pobre, que come Nas panelas dos meninos." In: BILAC, Olavo. Pimentões: rimas d'O Filhote. Rio de Janeiro: Laemmert, 1897
Alberto de Oliveira
Esta de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que o suspendia Então, e, ora repleta ora esvasada, A taça amiga aos dedos seus tinia, Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mas, o lavor da taça admira, Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
Raimundo Correia
Adeus aos filtros da mulher bonita; A esse rosto espanhol, pulcro e moreno; Ao pé que no bolero... ao pé pequeno; Pé que, alígero e célere, saltita... Lira do amor, que o amor não mais excita, A um silêncio de morte eu te condeno; Despede-te; e um adeus, no último treno, Soluça às graças da gentil Conchita: A esses, que em ondas se levantam, seios Do mais cheiroso jambo; a esses quebrados Olhos meridionais de ardência cheios; A esses lábios, enfim, de nácar vivo, Virgens dos lábios de outrem, mas corados Pelos beijos de um sol quente e lascivo.
Manuel Bandeira
A vez primeira que te vi, Era eu menino e tu menina. Sorrias tanto... Havia em ti Graça de instinto, airosa e fina. Eras pequena, eras franzina... A ver-te, a rir numa gavota, Meu coração entristeceu Por quê? Relembro, nota a nota, Essa ária como enterneceu O meu olhar cheio do teu. Quando te vi segunda vez, Já eras moça, e com que encanto A adolescência em ti se fez! Flor e botão... Sorrias tanto... E o teu sorriso foi meu pranto... Já eras moça... Eu, um menino... Como contar-te o que passei? Seguiste alegre o teu destino... Em pobres versos te chorei Teu caro nome abençoei. Vejo-te agora. Oito anos faz, Oito anos faz que não te via... Quanta mudança o tempo traz Em sua atroz monotonia! Que é do teu riso de alegria? Foi bem cruel o teu desgosto. Essa tristeza é que mo diz... Ele marcou sobre o teu rosto À imperecível cicatriz: Es triste até quando sorris... Porém teu vulto conservou A mesma graça ingênua e fina... A desventura te afeiçoou À tua imagem de menina. E estás delgada, estás franzina...
Manuel Bandeira
Tu que me deste o teu carinho E que me deste o teu cuidado, Acolhe ao peito, como o ninho Acolhe o pássaro cansado, O meu desejo incontentado. Há longos anos ele arqueja Em aflitiva escuridão. Sê compassiva e benfazeja. Dá-lhe o melhor que ele deseja: — Teu grave e meigo coração. Sé compassiva. Se algum dia Te vier do pobre agravo e mágoa, Atende, à sua dor sombria: Perdoa o mau que desvaria E traz os olhos rasos de água. Não te retires ofendida. Pensa que nesse grito vem O mal de toda a minha vida: Ternura inquieta e malferida Que, antes, não dei nunca a ninguém. E foi melhor nunca a ter dado: Em te pungindo algum espinho, Cinge-a ao teu seio angustiado. E sentirás o meu carinho. E sentirás o meu cuidado.
Manuel Bandeira
— Quem me busca a esta hora tardia? — Alguém que treme de desejo. — Sou teu vale, zéfiro, e aguardo Teu hálito... A noite é tão fria! — Meu hálito não, meu bafejo, Meu calor, meu túrgido dardo. — Quanto por mais assegurada Contra os golpes de Amor me tinha, Eis que irrompes por mim deiscente... — Cântico! Púrpura! Alvorada! — Eis que me entras profundamente Como um deus em sua morada! — Como a espada em sua bainha.
Manuel Bandeira
Minha grande ternura Pelos passarinhos mortos, Pelas pequeninas aranhas. Minha grande ternura Pelas mulheres que foram meninas bonitas E ficaram mulheres feias; Pelas mulheres que foram desejáveis E deixaram de o ser; Pelas mulheres que me amaram E que eu não pude amar. Minha grande ternura Pelos poemas que Não consegui realizar. Minha grande ternura Pelas amadas que Envelheceram sem maldade. Minha grande ternura Pelas gotas de orvalho que São o único enfeite De um túmulo.
Manuel Bandeira
A tarde cai, por demais Erma, úmida e silente... A chuva, em gotas glaciais, Chora monotonamente. E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e só, Às cartas que meu avô Escrevia a minha avó. Enternecido sorrio Do fervor desses carinhos: É que os conheci velhinhos, Quando o fogo era já frio. Cartas de antes do noivado... Cartas de amor que começa, Inquieto, maravilhado, E sem saber o que peça. Temendo a cada momento Ofendê-la, desgostá-la, Quer ler em seu pensamento E balbucia, não fala... A mão pálida tremia Contando o seu grande bem. Mas, como o dele, batia Dela o coração também A paixão, medrosa dantes, Cresceu, dominou-o todo. E as confissões hesitantes Mudaram logo de modo. Depois o espinho do ciúme... A dor... a visão da morte... Mas, calmado o vento, o lume Brilhou, mais puro e mais forte. E eu bendigo, envergonhado, Esse amor, avô do meu... Do meu — fruto sem cuidado Que inda verde apodreceu. O meu semblante está enxuto. Mas a alma, em gotas mansas, Chora, abismada no luto Das minhas desesperanças... E a noite vem, por demais Erma, úmida e silente... A chuva em pingos glaciais, Cai melancolicamente. E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e só, As cartas que, meu avô Escrevia a minha avó.
Manuel Bandeira
Ingênuo enleio de surpresa, Sutil afago em meus sentidos, Foi para mim tua beleza, À tua voz nos meus ouvidos. Ao pé de ti, do mal antigo Meu triste ser convalesceu. Então me fiz teu grande amigo, E teu afeto se me deu. Mas o teu corpo tinha a graça Das aves... Musical adejo... Vela no mar que freme e passa... E assim nasceu o meu desejo. Depois, momento por momento, Eu conheci teu coração. E se mudou meu sentimento Em doce e grave adoração.
Manuel Bandeira
A lua ainda não nasceu. À escuridão propícia aos furtos, Propícia aos furtos, como o meu, De amores frívolos e curtos, Estende o manto alcoviteiro À cuja sombra, se quiseres, A mais ardente das mulheres Terá o seu único parceiro. Ei-lo. Sem glória e sem vintém, Amando os vinhos e os baralhos, Eu, nesta veste de retalhos, Sou tudo quanto te convém. Não se me dá do teu recato. Antes, polido pelo vício, Sou fácil, acomodatício, Agora beijo, agora bato, Que importa? Ao menos o teu ser Ao meu anélito corruto Esquecerá por um minuto O pesadelo de viver. E eu, vagabundo sem idade, Contra a moral e contra os códigos, Dar-te-ei entre os meus braços pródigos Um momento de eternidade...
Manuel Bandeira
A Dama Branca que eu encontrei, Faz tantos anos, Na minha vida sem lei nem rei, Sorriu-me em todos os desenganos. Era sorriso de compaixão? Era sorriso de zombaria? Não era mofa nem dó. Senão, Só nas tristezas me sorriria. E a Dama Branca sorriu também A cada júbilo interior. Sorria como querendo bem. E todavia não era amor. Era desejo? — Credo! De tísicos? Por histeria... quem sabe lá?... A Dama tinha caprichos físicos: Era uma estranha vulgívaga. Ela era o gênio da corrupção. Tábua de vícios adulterinos. Tivera amantes: uma porção. Até mulheres. Até meninos. Ao pobre amante que lhe queria, Se lhe furtava sarcástica. Com uns perjura, com outros fria, Com outros má, — A Dama Branca que eu encontrei, Há tantos anos, Na minha vida sem lei nem rei, Sorriu-me em todos os desenganos. Essa constância de anos a fio, Sutil, captara-me. E imaginai! Por uma noite de muito frio A Dama Branca levou meu pai.