Poemas sobre Encontros
Versos que retratam encontros significativos na vida, sejam eles românticos, amigáveis ou espirituais.
Álvaro de Campos
O florir do encontro casual Dos que hão sempre de ficar estranhos... O único olhar sem interesse recebido no acaso Da estrangeira rápida... O olhar de interesse da criança trazida pela mão Da mãe distraída... As palavras de episódio trocadas Com o viajante episódico Na episódica viagem... Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados... Caminho sem fim... 30/04/1926
Álvaro de Campos
São poucos os momentos de prazer na vida... É gozá-la... Sim, já o ouvi dizer muitas vezes Eu mesmo já o disse. (Repetir é viver.) É gozá-la não é verdade? Gozêmo-la, loura falsa, gozêmo-la, casuais e incógnitos, Tu, com teus gestos de distinção cinematográfica Com teus olhares para o lado a nada, Cumprindo a tua função de animal emaranhado; Eu no plano inclinado da consciência para a indiferença, Amemo-nos aqui. Tempo é só um dia. Tenhamos o [romantismo?] dele! Por trás de mim vigio, involuntariamente. Sou qualquer nas palavras que te digo, e são suaves — e as que esperas. Do lado de cá dos meus Alpes, e que Alpes! somos do corpo. Nada quebra a passagem prometida de uma ligação futura, E vai tudo elegantemente, como em Paris, Londres, Berlim. "Percebe-se", dizes, «que o senhor viveu muito no estrangeiro." E eu que sinto vaidade em ouvi-lo! Só tenho medo que me vás falar da tua vida... Cabaret de Lisboa? Visto que o é, seja. Lembro-me subitamente, visualmente, do anúncio no jornal... "Rendez-vous da sociedade elegante", Isto. Mas nada destas reflexões temerárias e futuras Interrompe aquela conversa involuntária em que te sou qualquer. Falo medias e imitações E cada vez, vejo e sinto, gostas mais de mim a valer que (...) hoje; É nesta altura que, debruçando-me de repente sobre a mesa Te segredo em segredo o que exactamente convinha. Ris, toda olhar e em parte boca, efusiva e próxima, E eu gosto verdadeiramente de ti. Soa em nós o gesto sexual de nos irmos embora. Rodo a cabeça para o pagamento... Alegre, alacre, sentindo-te, falas... Sorrio. Por trás do sorriso, não sou eu.
Álvaro de Campos
Ah, os primeiros minutos nos cafés de novas cidades! A chegada pela manhã a cais ou a gares Cheios de um silêncio repousado e claro! Os primeiros passantes nas ruas das cidades a que se chega... E o som especial que o correr das horas tem nas viagens... Os ónibus ou os eléctricos ou os automóveis... O novo aspecto das ruas de novas terras... A paz que parecem ter para a nossa dor O bulício alegre para a nossa tristeza A falta de monotonia para o nosso coração cansado!... As praças nitidamente quadradas e grandes, As ruas com as casas que se aproximam ao fim, As ruas transversais revelando súbitos interesses, E através disto tudo, como uma coisa que inunda e nunca transborda, O movimento, o movimento Rápida coisa colorida e humana que passa e fica... Os portos com navios parados. Excessivamente navios parados, Com barcos pequenos ao pé esperando...
Álvaro de Campos
São poucos os momentos de prazer na vida... É gozá-la... Sim, já o ouvi dizer muitas vezes Eu mesmo já o disse. (Repetir é viver.) É gozá-la não é verdade? Gozêmo-la, loura falsa, gozêmo-la, casuais e incógnitos, Tu, com teus gestos de distinção cinematográfica Com teus olhares para o lado a nada, Cumprindo a tua função de animal emaranhado; Eu no plano inclinado da consciência para a indiferença, Amemo-nos aqui. Tempo é só um dia. Tenhamos o [romantismo?] dele! Por trás de mim vigio, involuntariamente. Sou qualquer nas palavras que te digo, e são suaves — e as que esperas. Do lado de cá dos meus Alpes, e que Alpes! somos do corpo. Nada quebra a passagem prometida de uma ligação futura, E vai tudo elegantemente, como em Paris, Londres, Berlim. "Percebe-se", dizes, «que o senhor viveu muito no estrangeiro." E eu que sinto vaidade em ouvi-lo! Só tenho medo que me vás falar da tua vida... Cabaret de Lisboa? Visto que o é, seja. Lembro-me subitamente, visualmente, do anúncio no jornal... "Rendez-vous da sociedade elegante", Isto. Mas nada destas reflexões temerárias e futuras Interrompe aquela conversa involuntária em que te sou qualquer. Falo medias e imitações E cada vez, vejo e sinto, gostas mais de mim a valer que (...) hoje; É nesta altura que, debruçando-me de repente sobre a mesa Te segredo em segredo o que exactamente convinha. Ris, toda olhar e em parte boca, efusiva e próxima, E eu gosto verdadeiramente de ti. Soa em nós o gesto sexual de nos irmos embora. Rodo a cabeça para o pagamento... Alegre, alacre, sentindo-te, falas... Sorrio. Por trás do sorriso, não sou eu.
Álvaro de Campos
... Como, nos dias de grandes acontecimentos no centro da cidade, Nos bairros quase-excêntricos as conversas em silêncio às portas A expectativa em grupos... Ninguém sabe nada. Leve rastro de brisa Coisa nenhuma que é real E que, com um afago ou um sopro Toca o que há até que seja... Magnificência da naturalidade. Coração. Que Áricas inéditas em cada desejo! Que melhores coisas que tudo lá longe! Meu cotovelo toca no da vizinha do eléctrico Com uma involuntariedade fruste Curto-circuito da proximidade... Ideias ao acaso Como um balde que se entornou — Fito-o é um balde entornado... Jaz: jazo...
Ricardo Reis
Sob estas árvores ou aquelas árvores Conduzi a dança, Conduzi a dança, ninfas singelas Até ao amplo gozo Que tomais da vida. Conduzi a dança E sê quase humanas Com o vosso gozo derramado em ritmos Em ritmos solenes Que a nossa alegria torna maliciosos Para nossa triste Vida que não sabe sob as mesmas árvores Conduzir a dança...
Ricardo Reis
No momento em que vamos pelos prados E o nosso amor é um terceiro ali, Que usurpa que saibamos Um ao certo do outro, Nesse momento, em que o que vemos mesmo Sem o vermos na própria essência entra Da nossa alma comum — Lídia, nesse momento De tão sentir o amor não sei dizer-to, Antes, se falo, só dos prados falo E põe-se música ao meu Eros connosco invisível.
Ricardo Reis
No momento em que vamos pelos prados E o nosso amor é um terceiro ali, Que usurpa que saibamos Um ao certo do outro, Nesse momento, em que o que vemos mesmo Sem o vermos na própria essência entra Da nossa alma comum — Lídia, nesse momento De tão sentir o amor não sei dizer-to, Antes, se falo, só dos prados falo E põe-se música ao meu Eros connosco invisível.
Gonçalves Dias
Como se ama o silêncio, a luz, o aroma, O orvalho numa flor, nos céus a estrela, No largo mar a sombra de uma vela, Que lá na extrema do horizonte assoma; Como se ama o clarão da branca lua, Da noite na mudez os sons da flauta, As canções saudosíssimas do nauta, Quando em mole vaivém a nau flutua, Como se ama das aves o gemido, Da noite as sombras e do dia as cores, Um céu com luzes, um jardim com flores, Um canto quase em lágrimas sumido; Como se ama o crepúsculo da aurora, A mansa viração que o bosque ondeia, O sussurro da fonte que serpeia, Uma imagem risonha e sedutora; Como se ama o calor e a luz querida, A harmonia, o frescor, os sons, os céus, Silêncio, e cores, e perfume, e vida, Os pais e a pátria e a virtude e a Deus: Assim eu te amo, assim; mais do que podem Dizer-to os lábios meus, - mais do que vale Cantar a voz do trovador cansada: O que é belo, o que é justo, santo e grande Amo em ti. - Por tudo quanto sofro, Por quanto já sofri, por quanto ainda Me resta de sofrer, por tudo eu te amo. O que espero, cobiço, almejo, ou temo De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas Com quanto amor eu te amo, e de que fonte Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo! Esta oculta paixão, que mal suspeitas, Que não vês, não supões, nem te eu revelo, Só pode no silêncio achar consolo, Na dor aumento, intérprete nas lágrimas. De mim não saberás como te adoro; Não te direi jamais, Se te amo, e como, e a quanto extremo chega Esta paixão voraz! Se andas, sou o eco dos teus passos; Da tua voz, se falas; o murmúrio saudoso que responde Ao suspiro que exalas. No odor dos teus perfumes te procuro, Tuas pegadas sigo; Velo teus dias, te acompanho sempre, E não me vês contigo! Oculto e ignorado me desvelo Por ti, que me não vês; Aliso o teu caminho, esparjo flores, Onde pisam teus pés. Mesmo lendo estes versos, que m'inspiras, - "Não pensa em mim", dirás: Imagina-o, se o podes, que os meus lábios Não to dirão jamais! Sim, eu te amo; porém nunca Saberás do meu amor; A minha canção singela Traiçoeira não revela O prêmio santo que anela O sofrer do trovador! Sim, eu te amo; porém nunca Dos lábios meus saberás, Que é fundo como a desgraça, Que o pranto não adelgaça, Leve, qual sombra que passa, Ou como um sonho fugaz! Aos meus lábios, aos meus olhos Do silêncio imponho a lei; Mas lá onde a dor se esquece, Onde a luz nunca falece, Onde o prazer sempre cresce, Lá saberás se te amei! E então dirás: Objeto Fui de santo e puro amor: A sua canção singela; Tudo agora me revela; Já sei o prêmio que anela O sofrer do trovador. "Amou-me como se ama a luz querida, Como se ama o silêncio, os sons, os céus, Qual se amam cores e perfume e vida, Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!"
Gonçalves Dias
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, De vivo luzir, Estrelas incertas, que as águas dormentes Do mar vão ferir; Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Têm meiga expressão, Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta De noite cantando, — mais doce que a frauta Quebrando a solidão, Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, De vivo luzir, São meigos infantes, gentis, engraçados Brincando a sorrir. São meigos infantes, brincando, saltando Em jogo infantil, Inquietos, travessos; — causando tormento, Com beijos nos pagam a dor de um momento, Com modo gentil. Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Assim é que são; Às vezes luzindo, serenos, tranquilos, Às vezes vulcão! Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco, Tão frouxo brilhar, Que a mim me parece que o ar lhes falece, E os olhos tão meigos, que o pranto humedece Me fazem chorar. Assim lindo infante, que dorme tranquilo, Desperta a chorar; E mudo e sisudo, cismando mil coisas, Não pensa — a pensar. Nas almas tão puras da virgem, do infante, Às vezes do céu Cai doce harmonia duma Harpa celeste, Um vago desejo; e a mente se veste De pranto co'um véu. Quer sejam saudades, quer sejam desejos Da pátria melhor; Eu amo seus olhos que choram em causa Um pranto sem dor. Eu amo seus olhos tão negros, tão puros, De vivo fulgor; Seus olhos que exprimem tão doce harmonia, Que falam de amores com tanta poesia, Com tanto pudor. Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Assim é que são; Eu amo esses olhos que falam de amores Com tanta paixão.
Olavo Bilac
IV Como a floresta secular, sombria, Virgem do passo humano e do machado, Onde apenas, horrendo, ecoa o brado Do tigre, e cuja agreste ramaria Não atravessa nunca a luz do dia, Assim também, da luz do amor privado, Tinhas o coração ermo e fechado, Como a floresta secular, sombria... Hoje, entre os ramos, a canção sonora Soltam festivamente os passarinhos. Tinge o cimo das árvores a aurora... Palpitam flores, estremecem ninhos, . . E o sol do amor, que não entrava outrora, Entra dourando a areia dos caminhos.
Olavo Bilac
Na água do rio que procura o mar; No mar sem fim; na luz que nos encanta; Na montanha que aos ares se levanta; No céu sem raias que deslumbra o olhar; No astro maior, na mais humilde planta; Na voz do vento, no clarão solar; No inseto vil, no tronco secular, — A vida universal palpita e canta! Vive até, no seu sono, a pedra bruta . . . Tudo vive! E, alta noite, na mudez De tudo, — essa harmonia que se escuta Correndo os ares, na amplidão perdida, Essa música doce, é a voz, talvez, Da alma de tudo, celebrando a Vida!
Raimundo Correia
Num recesso da selva ínvia e sombria, Estrelada de flores, vicejante, Onde um rio entre seixos, espumante, Cursando o vale, túrgido, fluía; A coma esparsa, lívido o semblante, Desvairados os olhos, como fria Aparição dos túmulos, um dia Surgiu de Hamlet a lacrimosa amante; Símplices flores o seu porte lindo Ornavam... como um pranto, iam caindo As folhas de um salgueiro na corrente... E na corrente ela também tombando, Foi-se-lhe o corpo alvíssimo boiando Por sobre as águas indolentemente. Publicado no livro Sinfonias (1882). Primeiro da série Perfis Românticos, constituída por oito sonetos.
Manuel Bandeira
Meu tudo, minha amada e minha amiga, Eis, compendiada toda num soneto, A minha profissão de fé e afeto, Que à confissão, posto aos teus pés, me obriga. O que n'alma guardei de muita antiga Experiência foi pena e ansiar inquieto. Gosto pouco do amor ideal objeto Só, e do amor só carnal não gosto miga. O que há melhor no amor é a iluminância. Mas, ai de nós! não vem de nós. Viria De onde? Dos céus?... Dos longes da distância?... Não te prometo os estos, a alegria, A assunção... Mas em toda circunstância Ser-te-ei sincero como a luz do dia.
Joaquim Maria Machado de Assis
Eu conheço a mais bela flor; És tu, rosa da mocidade, Nascida aberta para o amor. Eu conheço a mais bela flor. Tem do céu a serena cor, E o perfume da virgindade. Eu conheço a mais bela flor, És tu, rosa da mocidade. Vive às vezes na solidão, Como filha da brisa agreste. Teme acaso indiscreta mão; Vive às vezes na solidão. Poupa a raiva do furacão Suas folhas de azul celeste. Vive às vezes na solidão, Como filha da brisa agreste. Colhe-se antes que venha o mal, Colhe-se antes que chegue o inverno; Que a flor morta já nada val. Colhe-se antes que venha o mal. Quando a terra é mais jovial Todo o bem nos parece eterno. Colhe-se antes que venha o mal, Colhe-se antes que chegue o inverno.