Poemas sobre Sentimentos
Os sentimentos são muitas vezes o tema de vários poemas, quer sejam poemas de amor ou poemas de saudade.
Fernando Pessoa
A lembrada canção, Amor, renova agora. Na noite, olhos fechados, tua voz Dói-me no coração Por tudo quanto chora. Cantas ao pé de mim, e eu estou a sós. Não, a voz não é tua Que se ergue e acorda em mim Murmúrios de saudade e de inconstância, O luar não vem da lua Mas do meu ser afim Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância. Não, não é teu o canto Que como um astro ao fundo Da noite imensa do meu coração Chama em vão, chama tanto... Quem sou não sei... e o mundo?... Renova, amor, a antiga e vã canção. Cantas mais que por ti, Tua voz é uma ponte Por onde passa, inúmero, um segredo Que nunca recebi – Murmúrio do horizonte, Água na noite, morte que vem cedo. Assim, cantas sem que existas. Ao fim do luar pressinto Melhores sonhos que estes da ilusão 01/01/1920
Fernando Pessoa
A lembrada canção, Amor, renova agora. Na noite, olhos fechados, tua voz Dói-me no coração Por tudo quanto chora. Cantas ao pé de mim, e eu estou a sós. Não, a voz não é tua Que se ergue e acorda em mim Murmúrios de saudade e de inconstância, O luar não vem da lua Mas do meu ser afim Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância. Não, não é teu o canto Que como um astro ao fundo Da noite imensa do meu coração Chama em vão, chama tanto... Quem sou não sei... e o mundo?... Renova, amor, a antiga e vã canção. Cantas mais que por ti, Tua voz é uma ponte Por onde passa, inúmero, um segredo Que nunca recebi – Murmúrio do horizonte, Água na noite, morte que vem cedo. Assim, cantas sem que existas. Ao fim do luar pressinto Melhores sonhos que estes da ilusão 01/01/1920
Fernando Pessoa
Quero ser livre insincero Sem crença, dever ou posto. Prisões, nem de amor as quero. Não me amem, porque não gosto. Quando canto o que não minto E choro o que sucedeu, É que esqueci o que sinto E julgo que não sou eu. De mim mesmo viandante Olho as músicas na aragem, E a minha mesma alma errante É uma canção de viagem. 26/08/1930
Ricardo Reis
Eu nunca fui dos que a um sexo o outro No amor ou na amizade preferiram. Por igual a beleza apeteço Seja onde for, beleza. Pousa a ave, olhando apenas a quem pousa Pondo querer pousar antes do ramo; Corre o rio onde encontra o seu retiro E não onde é preciso. Assim das diferenças me separo E onde amo, porque o amo ou não amo, Nem a inocência inata quando se ama Julgo postergada nisto. Não no objecto, no modo está o amor Logo que a ame, a qualquer cousa amo. meu amor nela não reside, mas Em meu amor. Os deuses que nos deram este rumo Também deram a flor pra que a colhêssemos com melhor amor talvez colhamos O que pra usar buscamos.
Ricardo Reis
Vivem em nós inúmeros, Se penso ou sinto, ignoro Quem é que pensa ou sente. Sou somente o lugar Onde se sente ou pensa. Tenho mais almas que uma. Há mais eus do que eu mesmo. Existo todavia Indiferente a todos, Faço-os calar: eu falo. Os impulsos cruzados Do que sinto ou não sinto Disputam em quem sou. Ignoro-os. Nada ditam A quem me sei: eu escrevo. 13/11/1935
Ricardo Reis
No momento em que vamos pelos prados E o nosso amor é um terceiro ali, Que usurpa que saibamos Um ao certo do outro, Nesse momento, em que o que vemos mesmo Sem o vermos na própria essência entra Da nossa alma comum — Lídia, nesse momento De tão sentir o amor não sei dizer-to, Antes, se falo, só dos prados falo E põe-se música ao meu Eros connosco invisível.
Ricardo Reis
No momento em que vamos pelos prados E o nosso amor é um terceiro ali, Que usurpa que saibamos Um ao certo do outro, Nesse momento, em que o que vemos mesmo Sem o vermos na própria essência entra Da nossa alma comum — Lídia, nesse momento De tão sentir o amor não sei dizer-to, Antes, se falo, só dos prados falo E põe-se música ao meu Eros connosco invisível.
Álvaro de Campos
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea – Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma, Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem – Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração. 31/12/1929
Álvaro de Campos
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea – Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma, Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem – Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração. 31/12/1929
Álvaro de Campos
Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, Espécie de acessório ou sobresselente próprio, Arredores irregulares da minha emoção sincera, Sou eu aqui em mim, sou eu. Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma. Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim. E ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente, Como de um sonho formado sobre realidades mistas, De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico, Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima. E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda, De haver melhor em mim do que eu. Sim, ao mesmo tempo, o impressão, um pouco dolorosa, Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores, De haver falhado tudo como tropeçar no capacho, De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas, De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica, Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar, E que mais vale ser criança que querer compreender o mundo – A impressão de pão com manteiga e brinquedos, De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina, De uma boa vontade para com a vida encostada de testa à janela, Num ver chover com som lá fora E não as lágrimas mortas de custar a engolir. Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado, O emissário sem carta nem credenciais, O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro, A quem tinem as campainhas da cabeça Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima. Sou eu mesmo, a charada sincopada Que ninguém da roda decifra nos serões de província. Sou eu mesmo, que remédio!... 06/08/1931
Álvaro de Campos
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea – Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma, Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem – Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração. 31/12/1929
Álvaro de Campos
Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, Espécie de acessório ou sobresselente próprio, Arredores irregulares da minha emoção sincera, Sou eu aqui em mim, sou eu. Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma. Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim. E ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente, Como de um sonho formado sobre realidades mistas, De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico, Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima. E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda, De haver melhor em mim do que eu. Sim, ao mesmo tempo, o impressão, um pouco dolorosa, Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores, De haver falhado tudo como tropeçar no capacho, De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas, De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica, Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar, E que mais vale ser criança que querer compreender o mundo – A impressão de pão com manteiga e brinquedos, De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina, De uma boa vontade para com a vida encostada de testa à janela, Num ver chover com som lá fora E não as lágrimas mortas de custar a engolir. Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado, O emissário sem carta nem credenciais, O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro, A quem tinem as campainhas da cabeça Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima. Sou eu mesmo, a charada sincopada Que ninguém da roda decifra nos serões de província. Sou eu mesmo, que remédio!... 06/08/1931
Álvaro de Campos
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea – Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma, Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem – Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração. 31/12/1929
Álvaro de Campos
Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, Espécie de acessório ou sobresselente próprio, Arredores irregulares da minha emoção sincera, Sou eu aqui em mim, sou eu. Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma. Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim. E ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente, Como de um sonho formado sobre realidades mistas, De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico, Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima. E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda, De haver melhor em mim do que eu. Sim, ao mesmo tempo, o impressão, um pouco dolorosa, Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores, De haver falhado tudo como tropeçar no capacho, De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas, De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica, Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar, E que mais vale ser criança que querer compreender o mundo – A impressão de pão com manteiga e brinquedos, De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina, De uma boa vontade para com a vida encostada de testa à janela, Num ver chover com som lá fora E não as lágrimas mortas de custar a engolir. Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado, O emissário sem carta nem credenciais, O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro, A quem tinem as campainhas da cabeça Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima. Sou eu mesmo, a charada sincopada Que ninguém da roda decifra nos serões de província. Sou eu mesmo, que remédio!... 06/08/1931
Álvaro de Campos
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea – Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma, Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem – Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração. 31/12/1929
Álvaro de Campos
Meu amor perdido, não te choro mais, que eu não te perdi! Porque posso perder-te na rua, mas não posso perder-te no ser, Que o ser é o mesmo em ti e em mim. Muito é ausência, nada é perda! Todos os mortos — gente, dias, desejos, Amores, ódios, dores, alegrias — Todos estão apenas em outro continente... Chegará a vez de eu partir e ir vê-los. De se reunir a família e os amantes e os amigos Em abstracto, em real, em perfeito Em definitivo e divino. Reunir-me-ei em vida e morte Aos sonhos que não realizei Darei os beijos nunca dados, Receberei os sorrisos, que me negaram, Terei em forma de alegria as dores que tive... Ah, comandante, quanto tarda ainda A partida do transatlântico? Faz tocar a banda de bordo — Músicas alegres, banais, humanas, como a vida — Faz partir, que eu quero partir... Som do erguer do ferro, meu estertor Quando é que por fim eu te ouvirei? Fremir do costado pela pulsação das máquinas — Meu coração no bater final convulso —, [Toque de vigias, suspiros do porto?] (...) Lenços a acenarem-me do cais em que ficam... Até mais tarde, até quando vierdes, até sempre! Até o eterno em alegre Agora, Até o (...)
Álvaro de Campos
Meu amor perdido, não te choro mais, que eu não te perdi! Porque posso perder-te na rua, mas não posso perder-te no ser, Que o ser é o mesmo em ti e em mim. Muito é ausência, nada é perda! Todos os mortos — gente, dias, desejos, Amores, ódios, dores, alegrias — Todos estão apenas em outro continente... Chegará a vez de eu partir e ir vê-los. De se reunir a família e os amantes e os amigos Em abstracto, em real, em perfeito Em definitivo e divino. Reunir-me-ei em vida e morte Aos sonhos que não realizei Darei os beijos nunca dados, Receberei os sorrisos, que me negaram, Terei em forma de alegria as dores que tive... Ah, comandante, quanto tarda ainda A partida do transatlântico? Faz tocar a banda de bordo — Músicas alegres, banais, humanas, como a vida — Faz partir, que eu quero partir... Som do erguer do ferro, meu estertor Quando é que por fim eu te ouvirei? Fremir do costado pela pulsação das máquinas — Meu coração no bater final convulso —, [Toque de vigias, suspiros do porto?] (...) Lenços a acenarem-me do cais em que ficam... Até mais tarde, até quando vierdes, até sempre! Até o eterno em alegre Agora, Até o (...)
Álvaro de Campos
E eu que estou bêbado de toda a injustiça do mundo... — O dilúvio de Deus e o bebé loirinho boiando morto à tona de água, Eu, em cujo coração a angústia dos outros é raiva, E a vasta humilhação de existir um amor taciturno — Eu, o lírico que faz frases porque não pode fazer sorte, Eu, o fantasma do meu desejo redentor, névoa fria — Eu não sei se devo fazer poemas, escrever palavras, porque a alma — A alma inúmera dos outros sofre sempre fora de mim. Meus versos são a minha impotência. O que não consigo, escrevo-o; E os ritmos diversos que faço aliviam a minha cobardia. A costureira estúpida violada por sedução, O marçano rato preso sempre pelo rabo, O comerciante próspero escravo da sua prosperidade — Não distingo, não louvo, não (...) — São todos bichos humanos, estupidamente sofrentes. Ao sentir isto tudo, ao pensar isto tudo, ao raivar isto tudo, Quebro o meu coração fatidicamente como um espelho, E toda a injustiça do mundo é um mundo dentro de mim. Meu coração esquife, meu coração (...), meu coração cadafalso — Todos os crimes se deram e se pagaram dentro de mim. Lacrimejância inútil, pieguice humana dos nervos, Bebedeira da servilidade altruísta, Voz com papelotes chorando no deserto de um quarto andar esquerdo...
Álvaro de Campos
DILUENTE A vizinha do número quatorze ria hoje da porta De onde há um mês saiu o enterro do filho pequeno. Ria naturalmente com a alma na cara. Está certo: é a vida. A dor não dura porque a dor não dura. Está certo. Repito: está certo. Mas o meu coração não está certo. O meu coração romântico faz enigmas do egoísmo da vida. Cá está a lição, ó alma da gente! Se a mãe esquece o filho que saiu dela e morreu, Quem se vai dar ao trabalho de se lembrar de mim? Estou só no mundo, como um peão de cair. Posso morrer como o orvalho seca. Por uma arte natural de natureza solar, Posso morrer à vontade da deslembrança, Posso morrer como ninguém... Mas isto dói, Isto é indecente para quem tem coração... Isto... Sim, isto fica-me nas goelas como uma sanduíche com lágrimas... Gloria? Amor? O anseio de uma alma humana? Apoteose ás avessas... Dêem-me Agua de Vidago, que eu quero esquecer a Vida!
Álvaro de Campos
E eu que estou bêbado de toda a injustiça do mundo... — O dilúvio de Deus e o bebé loirinho boiando morto à tona de água, Eu, em cujo coração a angústia dos outros é raiva, E a vasta humilhação de existir um amor taciturno — Eu, o lírico que faz frases porque não pode fazer sorte, Eu, o fantasma do meu desejo redentor, névoa fria — Eu não sei se devo fazer poemas, escrever palavras, porque a alma — A alma inúmera dos outros sofre sempre fora de mim. Meus versos são a minha impotência. O que não consigo, escrevo-o; E os ritmos diversos que faço aliviam a minha cobardia. A costureira estúpida violada por sedução, O marçano rato preso sempre pelo rabo, O comerciante próspero escravo da sua prosperidade — Não distingo, não louvo, não (...) — São todos bichos humanos, estupidamente sofrentes. Ao sentir isto tudo, ao pensar isto tudo, ao raivar isto tudo, Quebro o meu coração fatidicamente como um espelho, E toda a injustiça do mundo é um mundo dentro de mim. Meu coração esquife, meu coração (...), meu coração cadafalso — Todos os crimes se deram e se pagaram dentro de mim. Lacrimejância inútil, pieguice humana dos nervos, Bebedeira da servilidade altruísta, Voz com papelotes chorando no deserto de um quarto andar esquerdo...