Poemas sobre Sentimentos
Os sentimentos são muitas vezes o tema de vários poemas, quer sejam poemas de amor ou poemas de saudade.
Manuel Bandeira
A fina, a doce ferida Que foi a dor do meu gozo Deixou quebranto amoroso Na cicatriz dolorida. Pois que ardor pecaminoso Ateou a esta alma perdida A fina, a doce ferida Que foi a dor do meu gozo! Como uma adaga partida Punge o golpe voluptuoso... Que no peito sem repouso Me arderá por toda a vida A fina, a doce ferida...
Manuel Bandeira
És como um lírio alvo e franzino, Nascido ao pôr do sol, à beira d'água, Numa paisagem erma onde cantava um sino A de nascer inconsolável mágoa... A vida é amarga. O amor, um pobre gozo... Hás de amar e sofrer incompreendido, Triste lírio franzino, inquieto, ansioso, Frágil e dolorido...
Manuel Bandeira
Tu não estás comigo em momentos escassos: No pensamento meu, amor, tu vives nua — Toda nua, pudica e bela, nos meus braços. O teu ombro no meu, ávido, se insinua. Pende a tua cabeça. Eu amacio-a... Afago-a... Ah, como a minha mão treme... Como ela é tua... Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa. O teu corpo crispado alucina. De escorço O vejo estremecer como uma sombra n'água. Gemes quase a chorar. Suplicas com esforço. E para amortecer teu ardente desejo Estendo longamente a mão pelo teu dorso... Tua boca sem voz implora em um arquejo. Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto A maravilha astral dessa nudez sem pejo... E te amo como se ama um passarinho morto.
Manuel Bandeira
Depois que a dor, depois que a desventura Caiu sobre o meu peito angustiado, Sempre te vi, solícita, a meu lado, Cheia de amor e cheia de ternura. É que em teu coração ainda perdura, Entre doces lembranças conservado, Aquele afeto simples e sagrado De nossa infância, ó meiga criatura. Por isso aqui minh'alma te abençoa: Tu foste a voz compadecida e boa Que no meu desalento me susteve. Por isso eu te amo, e, na miséria minha, Suplico aos céus que a mão de Deus te leve E te faça feliz, minha irmãzinha... Clavadel, 1913
Manuel Bandeira
O solitude! O pauvreté! Musset O céu parece de algodão. O dia morre. Choveu tanto! As minhas pálpebras estão Como embrumadas pelo pranto Sinto-o descer devagarinho, Cheio de mágoa e mansidão. A minha testa quer carinho, E pede afago a minha mão. Debalde o rio docemente Canta a monótona canção: Minh'alma é um menino doente Que a ama acalenta mas em vão. A névoa baixa. A obscuridade Cresce. Também no coração Pesada névoa de saudade Cai. Ó pobreza! Ó solidão! Clavadel, 1913
Manuel Bandeira
Uma pesada, rude canseira Toma-me todo. Por mal de mim, Ela me é cara... De tal maneira, Que às vezes gosto que seja assim... É bem verdade que me tortura Mais do que as dores que já conheço. E em tais momentos se me afigura Que estou morrendo... que desfaleço... Lembrança amarga do meu passado... Como ela punge! Como ela dói! Porque hoje o vejo mais desolado, Mais desgraçado do que ele foi... Tédios e penas cuja memória Me era mais leve que a cinza leve, Pesam-me agora... contam-me a história Do que a minh'alma quis e não teve... O ermo infinito do meu desejo Alonga, amplia cada pesar... Pesar doentio... Tudo o que vejo Tem uma tinta crepuscular... Faço em segredo canções mais tristes E mais ingênuas que as de Fortúnio: Canções ingênuas que nunca ouvistes, Volúpia obscura deste infortúnio... Às vezes volvo, por esquecê-la, À vista súplice em derredor. Mas tenho medo de que sem ela A desventura seja maior... Sem pensamentos e sem cuidados, Minh'alma tímida e pervertida, Queda-se de olhos desencantados Para o sagrado labor da vida... Teresópolis, 1912
Manuel Bandeira
Irmã — que outra expressão, por mais que a tente Achar, poderei dar-te? —, em teu ouvido Quero a queixa vazar confiantemente Desta vida sem cor e sem sentido. Amei outras mulheres, mas a urgente Compreensão, sem a qual, por mais subido, Falece o amor, esteve sempre ausente. Em nenhuma encontrei o bem querido. Em ti tudo é perfeito e incomparável. E tudo o que de injusto e duro e amargo Sofri, vieste delir com o teu carinho: Com esse frescor de fruta desejável; Com esse gris de teus olhos, que do largo Me traz o ar sem mistura, o sal marinho.
Manuel Bandeira
Não é que não me fales aos sentidos, À inteligência, o instinto, o coração: Falas demais até, e com tal suasão, Que para não te ouvir selo os ouvidos. Não é que sinta gastos e abolidos Força e gosto de amar, nem haja a mão, Na dos anos penosa sucessão, Desaprendido os jogos aprendidos. E ainda que tudo em mim murchado houvera, Teu olhar saberia, senão quando, Tudo alertar em nova primavera. Sem ambições de amor ou de poder, Nada peço nem quero e — entre nós —, ando Com uma grande vontade de morrer. CANÇÃO PARA A MINHA MORTE Bem que filho do Norte Não sou bravo nem forte. Mas, como a vida amei Quero te amar, ó morte, — Minha morte, pesar Que não te escolherei. Do amor tive na vida Quanto amor pode dar: Amei não sendo amado, E sendo amado, amei. Morte, em ti quero agora Esquecer que na vida Não fiz senão amar. Sei que é grande maçada Morrer mas morrerei — Quando fores servida — Sem maiores saudades Desta madrasta vida, Que, todavia, amei.
Manuel Bandeira
Quando a morte cerrar meus olhos duros — Duros de tantos vãos padecimentos, Que pensarão teus peitos imaturos Da minha dor de todos os momentos? Vejo-te agora alheia, e tão distante: Mais que distante — isenta. E bem prevejo, Desde já bem prevejo o exato instante Em que de outro será não teu desejo, Que o não terás, porém teu abandono, Tua nudez! Um dia hei de ir embora Adormecer no derradeiro sono. Um dia chorarás... Que importa? Chora. Então eu sentirei muito mais perto De mim feliz, teu coração incerto. 1940
Manuel Bandeira
Tu amarás outras mulheres E tu me esquecerás! É tão cruel, mas é a vida. E no entretanto Alguma coisa em ti pertence-me! Em mim alguma coisa és tu. O lado espiritual do nosso amor Nos marcou para sempre. Oh, em pensamento nos meus braços! Que eu te afeiçoe e acaricie... Não sei por que te falo assim de coisas que não são Esta noite, de súbito, um aperto De coração tão vivo e lancinante Tive ao pensar numa separação! Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo. Queria ver-te... estar ao pé de ti... Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me! É como uma corrida, em minhas veias, De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos, Que queriam tomar tua cabeça amada, Afagar tua fronte e teus cabelos, Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses! Oh, quisera não ser tão voluptuosa! E todavia Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia! Mas sofrer... inquieta... Ah, com que poderei contentá-la jamais? Quisera calmá-la na música... Ouvir, muito, ouvir muito... Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica! Possui-me como sou na ampla noite pressaga! Sente o inefável! Guarda apenas a ventura Do meu desejo ardendo a sós Na treva imensa... Ah, se eu ouvisse a tua voz!
Alberto Caeiro
Pensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou... Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar-nos-á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos! ...