Um touro, não amestrado No exercício de carreiro, Num falso passo que deu Pôs o carro no lameiro. Conhecendo esse embaraço, Procurou sair de modo, Que ao menos salvasse a vida, Visto o carro estar no lodo. Alguns animais, passando No desastroso lugar, Tentaram, mas não puderam Do charco o carro tirar. Até que um burro já velho, Cheio de louca vaidade, Cuidou ser esse o momento De ganhar celebridade. — A que vás lá? — Disse um desses Que pastavam por aí: Deixa vir quem disso entenda; Que isso não é para ti. — "Tu falas antes de tempo; Disse o burro ao que o arguia: Vou mostrar-te o quanto posso; Muito alcança quem porfia." Vejam só o que é ser burro Por instinto e natureza! Não mediu as suas forças, Nem viu do carro a grandeza. Zurrando, e dando patadas, Foi meter-se no atoleiro; Entre os varais colocou-se, E o pescoço pôs no apeiro. Mas para fazer tais cousas Foi necessário agachar-se; Atolou-se até o ventre Quando tentou levantar-se. Como o terreno era fofo, Tendo já mil voltas dado, Tentou safar-se do jugo, E o carro deitou de lado. O pobre burro entre as varas Virou de pernas para o ar; Todo de lama coberto Começou a espernear. Isto aos burros acontece, Que se esquecem do que são E se não por nós responda A geral opinião. Quantos o carro do Estado Querem guiar mui lampeiros, E por trancos e barrancos, Dão com ele em atoleiros? Publicado no livro Poesias Avulsas (1864). Poema integrante da série Livro Segundo: Poesias Várias. In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194