José Gonçalves de Magalhães
Navegue pelo nosso site para explorar a vasta coleção de poemas deste mestre, onde cada linha é uma janela para a alma de um escritor brilhante e visionário. Descubra os matizes de sua poesia, que muitas vezes refletem suas experiências como diplomata em missões, sua sensibilidade única e sua visão do mundo. Sinta-se convidado a se aprofundar na riqueza das palavras de Domingos José Gonçalves de Magalhães aqui no mil frases.com, onde as poesias são verdadeiras joias literárias que resistiram ao teste do tempo, inspirando e tocando corações ao longo das gerações. Sua jornada através das letras está prestes a começar.
José Gonçalves de Magalhães
Oh Beleza! Oh potência invencível, Que na terra despótica imperas; Se vibras teus olhos Quais duas esferas, Quem resiste a teu fogo terrível? Oh Beleza! Oh celeste harmonia, Doce aroma, que as almas fascina; Se exalas suave Tua voz divina, Tudo, tudo a teus pés se extasia. A velhice, do mundo cansada, A teu mando resiste somente; Porém que te importa A voz impotente, Que se perde, sem ser escutada? Diga embora que o teu juramento Não merece a menor confiança; Que a tua firmeza Está só na mudança; Que os teus votos são folhas ao vento. Tudo sei; mas se tu te mostrares Ante mim como um astro radiante, De tudo esquecido, Nesse mesmo instante, Farei tudo o que tu me ordenares. Se até hoje remisso não arde Em teu fogo amoroso meu peito, De estóica dureza Não é isto efeito; Teu vassalo serei cedo ou tarde. Infeliz tenho sido até agora, Que a meus olhos te mostras severa; Nem gozo a ventura, Que goza uma fera; Entretanto ninguém mais te adora. Eu te adoro como o anjo celeste, Que da vida os tormentos acalma; Oh vida da vida, Oh alma desta alma, Um teu riso sequer me não deste! Minha lira que triste ressoa, Minha lira por ti desprezada, Assim mesmo triste, Assim malfadada, Teu poder, teus encantos pregoa. Oh Beleza, meus dias bafeja, Em teu fogo minha alma devora; Verás de que modo Meu peito te adora, E que incenso ofertar-te deseja.
José Gonçalves de Magalhães
Longe do belo céu da Pátria minha, Que a mente me acendia, Em tempo mais feliz, em qu'eu cantava Das palmeiras à sombra os pátrios feitos; Sem mais ouvir o vago som dos bosques, Nem o bramido fúnebre das ondas, Que n'alma me excitavam Altos, sublimes turbilhões de idéias; Com que cântico novo O Dia saudarei da Liberdade? Ausente do saudoso, pátrio ninho, Em regiões tão mortas, Para mim sem encantos, e atrativos, Gela-se o estro ao peregrino vate. Tu também, que nos trópicos te ostentas Fulgurante de luz, e rei dos astros, Tu, oh sol, neste céu teu brilho perdes. (...) Dia da Liberdade! Tu só dissipas hoje esta tristeza Que a vida me angustia. Tu só me acordas hoje do letargo Em que esta alma se abisma, De resistir cansada a tantas dores. Ah! talvez que de ti poucos se lembrem Neste estranho país, onde tu passas Sem culto, sem fulgor, como em deserto Caminha o viajor silencioso. Mas rápidos os dias se devolvem; E tu, oh sol, que pálido me aclaras Nestas longínquas plagas, Brilhante ainda raiarás na Pátria, E ouvirás meus hinos Em honra deste Dia, não magoados Co'os fúnebres acentos da saudade. Publicado no livro Suspiros Poéticos e Saudades (1836). Poema integrante da série Saudades. In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
(...) "Vivo co'os mortos, Na cova os ponho, Entre eles durmo, Com eles sonho. Quantos defuntos Já enterrei! Defunto eu mesmo Também serei. No pão que como, No ar que respiro, Na água que bebo, A morte aspiro. Já cheira a morto O corpo meu. Abre-te, oh terra, Que serei teu. Da morte o aspecto Já não me assusta, Que a vida ganho Da morte à custa. Sempre cavando Sem descansar, Vivo enterrado, Para enterrar. Um dia, ou outro, Cavando o fosso, Co'o cheiro infecto, Cair bem posso. Agora mesmo Posso cair!... Não diz a morte Quando há de vir. Mas os que folgam Na excelsa Corte Não estão mais longe Das mãos da morte. Cá os espera A minha pá... O que foi terra, Terra será. Quantos lá vivem Nessa cidade Aqui têm todos Segura herdade. Ricos e pobres, Todos virão, Dormir no leito Da podridão. Ternos amantes, Pais extremosos, Esposos caros, Filhos saudosos, Vêde o que resta Do vosso amor: Podre cadáver, Que causa horror! (...) Publicado no livro Cânticos Fúnebres (1864). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
Que mágico pincel, mimo de Apolo, Com muda locução, com vivas cores, Faz da Pátria passar os Defensores Desde o pólo do Sul do Norte ao pólo? Quem tanto esmalta o Brasileiro solo? Estes belos painéis, tão faladores Mais encantos possuem que os Amores Quando da terna mãe se erguem do colo. Rafael do Brasil, eu te saúdo. Tu serás entre nós das Belas Artes Um novo vingador, um forte escudo. Honra à Pátria não dão feroces Martes, Mas Artistas quais tu! Elmano, eis tudo Porque atroam do mundo as quatro partes. Publicado no livro Poesias (1832). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
(...) Um ai do peito a mísera soltando, A maviosa voz destarte exala: "Só, eis-me aqui no cimo da montanha, Dos meus abandonada; como um tronco Despido, inútil no alto da colina, A que os ramos quebrou Tupã co'a frecha. "Só, eis-me aqui, do velho pai ausente, Ausente do querido bem-amado, Como viúva, solitária rola Em deserto areal seu mal carpindo! "Ainda hoje o caro pai vi a meu lado; Ainda hoje o amante eu vi!. .. Fugiram ambos, Velozes como os cervos da floresta: Já fui feliz; mas hoje desgraçada!" E os ecos responderam — desgraçada! "Desgraçada!. .. E ainda vivo? Antes à guerra O pai e o bravo amante acompanhasse; Ouvindo sua voz, seu rosto vendo, Acabar a seu lado melhor fora." E os ecos responderam — melhor fora! "Gênios, que as grotas povoais e os vales, Gênios, que repetis os meus acentos, Ide, e do amado murmurai no ouvido Que a amante sua de saudades morre." E os ecos responderam — morre... morre! Morre... morre! soou por longo tempo. O canto cala um pouco a triste moça, Murmurando dos ecos o estribilho, Como se algum presságio concebesse. Os negros olhos de chorar cansados Co'as mãos ele os enxuga; mas de novo Desses doridos olhos as estanques Lágrimas brotam, que lhe o peito aljofram, Como goteja em bagas abundantes Da fendida taboca a pura linfa. (...) "Sim, morrerei. .." E mais dizer não pôde; Em meio de um gemido a voz faltou-lhe. Os lábios lhe tremiam convulsivos, Como flores batidas pelos ventos. Cruza os braços no colo, os olhos cerra, Pende a fronte, e no peito o queixo apóia, As derretidas perlas entornando: Tal num jardim a pálida açucena, De matutino orvalho o cálix cheio, Se o zéfiro a bafeja, a fronte inclina, Puros cristais em lágrimas vertendo. Não sei se dorme, ou se respira ainda; Mas parece entre pedras bela estátua, Que do abandono o desalento exprime! O sol, que ao ressurgir a viu chorosa, Nesse mesmo lugar chorosa a deixa. (...) Imagem - 00410003 Publicado no livro A Confederação dos Tamoios: poema (1856). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 1949 NOTA: Poema composto de 10 canto
José Gonçalves de Magalhães
Um touro, não amestrado No exercício de carreiro, Num falso passo que deu Pôs o carro no lameiro. Conhecendo esse embaraço, Procurou sair de modo, Que ao menos salvasse a vida, Visto o carro estar no lodo. Alguns animais, passando No desastroso lugar, Tentaram, mas não puderam Do charco o carro tirar. Até que um burro já velho, Cheio de louca vaidade, Cuidou ser esse o momento De ganhar celebridade. — A que vás lá? — Disse um desses Que pastavam por aí: Deixa vir quem disso entenda; Que isso não é para ti. — "Tu falas antes de tempo; Disse o burro ao que o arguia: Vou mostrar-te o quanto posso; Muito alcança quem porfia." Vejam só o que é ser burro Por instinto e natureza! Não mediu as suas forças, Nem viu do carro a grandeza. Zurrando, e dando patadas, Foi meter-se no atoleiro; Entre os varais colocou-se, E o pescoço pôs no apeiro. Mas para fazer tais cousas Foi necessário agachar-se; Atolou-se até o ventre Quando tentou levantar-se. Como o terreno era fofo, Tendo já mil voltas dado, Tentou safar-se do jugo, E o carro deitou de lado. O pobre burro entre as varas Virou de pernas para o ar; Todo de lama coberto Começou a espernear. Isto aos burros acontece, Que se esquecem do que são E se não por nós responda A geral opinião. Quantos o carro do Estado Querem guiar mui lampeiros, E por trancos e barrancos, Dão com ele em atoleiros? Publicado no livro Poesias Avulsas (1864). Poema integrante da série Livro Segundo: Poesias Várias. In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
Tout na manqué que quand tout avait réussi. Napoleão em S. Helena (memorial). Eis aqui o lugar onde eclipsou-se O Meteoro fatal às régias frontes! E nessa hora em que a glória se obumbrava, Além o Sol em trevas se envolvia! Rubro estava o horizonte, e a terra rubra! Dous astros ao ocaso caminhavam; Tocado ao seu zenite haviam ambos; Ambos iguais no brilho; ambos na queda Tão grandes como em horas de triunfo! Waterloo! ... Waterloo! ... Lição sublime Este nome revela à Humanidade! Um Oceano de pó, de fogo, e fumo Aqui varreu o exército invencível, Como a explosão outrora do Vesúvio Até seus tetos inundou Pompéia. O pastor que apascenta seu rebanho; O corvo que sangüíneo pasto busca, Sobre o leão de granito esvoaçando; O eco da floresta, e o peregrino Que indagador visita estes lugares: Waterloo! ... Waterloo! ... dizendo, passam. Aqui morreram de Marengo os bravos! Entretanto esse Herói de mil batalhas, Que o destino dos Reis nas mãos continha; Esse Herói, que coa ponta de seu gládio No mapa das Nações traçava as raias, Entre seus Marechais, ordens ditava! O hálito inflamado de seu peito Sufocava as falanges inimigas, E a coragem nas suas acendia. Sim, aqui stava o Gênio das vitórias, Medindo o campo com seus olhos de águia! O infernal retintim do embate de armas, Os trovões dos canhões que ribombavam, O sibilo das balas que gemiam. O horror, a confusão, gritos, suspiros, Eram como uma orquestra a seus ouvidos! Nada o turbava! — Abóbadas de balas, Pelo inimigo aos centos disparadas, A seus pés se curvavam respeitosas, Quais submissos leões; e nem ousando Tocá-lo, ao seu ginete os pés lambiam. Oh! por que não venceu? — Fácil lhe fora! Foi destino, ou traição? — Águia sublime Que devassava o céu com vôo altivo Desde as margens do Sena até ao Nilo! Assombrando as Nações coas largas asas, Por que se nivelou aqui cos homens? Oh! por que não venceu? — O Anjo da glória O hino da vitória ouviu três vezes; E três vezes bradou: — É cedo ainda! A espada lhe gemia na bainha, E inquieto relinchava o audaz ginete, Que soía escutar o horror da guerra, E o fumo respirar de mil bombardas. Na pugna os esquadrões se encarniçavam; Roncavam pelos ares os pelouros; Mil vermelhos fuzis se emaranhavam; Encruzadas espadas, e as baionetas, E as lanças faiscavam retinindo, Ele só impassível como a rocha, Ou de ferro fundido estátua eqüestre, Que invisível poder mágico anima, Via seus batalhões cair feridos, Como muros de bronze, por cem raios; E no céu seu destino decifrava. Pela última vez coa espada em punho, Rutilante na pugna se arremessa; Seu braço é tempestade, a espada é raio!... Mas invencível mão lhe toca o peito! É a mão do Senhor! barreira ingente; Basta, guerreiro, Tua glória é minha; Tua força em mim stá. Tens completado Tua augusta missão. — És homem; — pára. Eram poucos, é certo; mas que importa? Que importa que Grouchy, surdo às trombetas, Surdo aos trovões da guerra que bradavam: Grouchy, Grouchy, a nós, eia, ligeiro; O teu Imperador aqui te aguarda. Ah! não deixes teus bravos companheiros Contra a enchente lutar, que mal vencida Uma após outra em turbilhões se eleva, Como vagas do Oceano encapelado, Que furibundas se alçam, lutam, batem Contra o penedo, e como em pó recuam, E de novo no pleito se arremessam. Eram poucos, é certo; e contra os poucos Armadas as Nações aqui pugnavam! Mas esses poucos vencedores foram Em Iena, em Montmirail, em Austerlitz. Ante eles o Tabor, e os Alpes curvos Viram passar as águias vencedoras! E o Reno, e o Manzanar, e o Adige, e o Eufrates Embalde à sua marcha se opuseram. Eram os poucos que jamais vencidos Os dias seus contavam por batalhas, E de cãs se cobriram nos combates; O sol do Egito ardente assoberbaram, A peste em jafa, a sede nos desertos, A fome, e os gelos dos Moscóvios campos; Poucos que se não rendem; — mas que morrem! Oh! que para vencer bastantes eram! A terra em vão contra eles pleiteara, Se Deus, que os via, não dissesse: Basta. Dia fatal, de opróbrio aos vencedores! Vergonha eterna à geração que insulta O Leão que magnânimo se entrega. Ei-lo sentado em cima do rochedo, Ouvindo o eco fúnebre das ondas, Que murmuram seu cântico de morte: Braços cruzados sobre o largo peito, Qual náufrago escapado da tormenta, Que as vagas sobre o escolho rejeitaram; Ou qual marmórea estátua sobre um túmulo. Que grande idéia ocupa, e turbilhona Naquela alma tão grande como o mundo? Ele vê esses Reis, que levantara Da linha de seus bravos, o traírem. Ao longe mil pigmeus rivais divisa, Que mutilam sua obra gigantesca; Como do Macedônio outrora o Império Entre si repartiram vis escravos. Então um riso de ira, e de despeito Lhe salpica o semblante de piedade. O grito ainda inocente de seu filho Soa em seu coração, e de seus olhos A lágrima primeira se desliza. E de tantas coroas que ajuntara Para dotar seu filho, só lhe resta Esse Nome, que o mundo inteiro sabe! Ah! tudo ele perdeu! a esposa, o filho, A pátria, o mundo, e seus fiéis soldados. Mas firme era sua alma como o mármor, Onde o raio batia, e recuava! Jamais, jamais mortal subiu tão alto! Ele foi o primeiro sobre a terra. Só, ele brilha sobranceiro a tudo, Como sobre a coluna de Vendôme Sua estátua de bronze ao céu se eleva. Acima dele Deus, — Deus tão-somente! Da Liberdade foi o mensageiro. Sua espada, cometa dos tiranos, Foi o sol, que guiou a Humanidade. Nós um bem lhe devemos, que gozamos; E a geração futura agradecida: NAPOLEÃO, dirá, cheia de assombro.
José Gonçalves de Magalhães
(...) "No Brasil, como sabes, qualquer zote Um formado doutor se conceitua; Quem pra trolha nasceu, ou pro rabote Não creias que consulte a sorte sua; Toda a baixa gentalha deste lote Em política ao menos se insinua. O vadio, o pedante, o mentecapto Pra os públicos empregos julga-se apto. "Não é com má tenção qu'isto te digo, Mas sim porqu'ad reum o caso o pede, Tu mesmo terás dito lá contigo Que o pedantismo no Brasil tem sede: Quem tem um Governante por amigo Alcança tudo que deseja, e pede, Não se gradua o mérito e a virtude, Pra escravo, e adulador basta que estude. "Há muito qu'este mal nos assolapa E tem feito o Brasil andar à-toa; Toma um alvar de patriota a capa, E defensor da Pátria se apregoa. Dos patriotas é tão grande o mapa Quanto o dos asnos, qu'ela galardoa; Quem talentos não tem, nem tem ofício Um emprego requer em sacrifício "Era o tempo da nossa Independência Em que certa Família dominava, E, como hoje se faz, por influência D'algum patrono, tudo se alcançava. Do nosso Herói não foi baldada a agência, E como patriota se inculcava Alegando ser Jovem Fluminense, Pôde um lugar obter de Amanuense. (...) "Mas coitado! uma idéia o afligia, Era o seu mau estado monetário; Nada tinha de seu; e ele bem via Que tudo no Brasil era precário. Seu lugar d'um Ministro dependia; Sendo tudo interino e arbitrário, Tudo cair podia num instante, Quanto mais ele, mísero pedante! (. ..) Publicado no livro Episódio da Infernal Comédia ou Da Minha Viagem ao Inferno (1836). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
Dos vates a antiga usança Quis respeitoso seguir, Ensaiando em anagrama Teu doce nome exprimir; Mas a mente em vão se cansa, No desejo que me inflama Nada me vem acudir. Não desistindo da idéia, Volto a ela sem cessar; Diversos nomes invento, Sem nenhum poder achar, Que seja nome de idéia, E se preste ao meu intento, Sem o teu muito ocultar. Vendo alfim que não podia Teu anagrama fazer; Que quantos eu inventava Nada queriam dizer; Uma idéia à fantasia, Quando já nada esperava, Me veio enfim socorrer. Foi idéia luminosa, Direi quase inspiração, Pois que senti de repente Palpitar-me o coração. Sua força imperiosa Foi tal, qu'eu obediente Dei-lhe pronta execução. De papel em uma fita Teu lindo nome escrevi; Pondo as letras separadas, Co'a tesoura as dividi. Cada solta letra escrita Enrolei, e baralhadas, Numa caixinha as meti. Tudo ao acaso deixando, Da sorte o cofre agitei; E tirando-as de uma em uma, Uma após outra as tracei. Oh prodígio! Oh pasmo! Quando Esta maravilha suma De um mero acaso esperei? Já Urânia — escrito estava! Foi Amor quem o escreveu! Não, não foi obra do acaso; Teu nome veio do céu! Aquele — já — me ordenava Que da Urânia do Parnaso Fosse o nome agora teu. Que para mim renascida A Musa Urânia serás. Que ao céu e a Deus minha mente Tu sempre levantarás. Musa real, não fingida, Unida a mim ternamente, Celeste amor me terás. Publicado no livro Urânia (1862). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
"(...) quero primeiro Que em torno destas pedras assentados Me contes se em combate, ou de que modo O bravo Comorim perdeu a vida." "Ai! exclama o Cacique, nenhum homem Morreu ainda por mais nobre causa! Era meu filho!... E como morreria Senão lutando tão audaz guerreiro! "Apenas há três sóis que uns Emboabas, Dos que talvez na Bertioga habitam, Naquela praia embaixo apareceram. Comorim e Iguaçu também andavam Nesse dia fatal por lá caçando. Quem podia prever um mal tão grande? Enquanto num momento, não cuidoso, Pelo bosque meu filho se entranhara, Após um caititu que lhe fugia, Sua irmã, que aqui vês, linda e garbosa, Que vence o saixé na gentileza, E excede o sabiá no meigo canto, Cantando andava só toda entretida A colher uns ingás pela restinga. (. ..) Aqueles maus a viram, tão sozinha, E assim que a viram, cobiçando-a logo, Quiseram agarrá-la. Ela, gritando, Coitada, como a rola perseguida, No mato se internou. Após correram, Cercando-a, quais jaguaras esfaimadas; Mas ela, pelo irmão chamando sempre, Rompendo as bastas, enleadas ramas, Mais ligeira do que eles lhes fugia. Um mais audaz já quase a segurava, Quando o meu Comorim aparecendo, Já com o arco entesado, e a flecha no alvo, Com pronta morte atravessou-lhe o peito. Outro, que vinha após, co'o braço alçado Para lhe disparar troante bala, Varado o braço, ali caiu bramando. Era a última flecha; e já meu filho Daquele inútil braço ia arrancá-la, E mandá-la de novo a outro ousado, Que vira mais além por entre os ramos, Que dous por detrás o aferraram, E seus punhais nas costas lhe embeberam. Comorim, mesmo assim preso e ferido, Curvou-se um pouco, e súbito saltando, O corpo sacudiu, e os rijos braços, E por terra atirou os dois contrários: Como ligeiro e forte era meu filho! E agarrando-os depois pelos cabelos, Deu co'a cabeça de um contra a do outro, Que batendo quebraram-se estalando, Como estalam batendo as sapucaias! Nenhum mais se mostrou, os mais fugiram. Entretanto Iguaçu vinha gritando, Até que ao longe viu alguns Tamoios, Que a seus gritos pungentes acudiram, E sabendo do caso, sem demora Seguindo-a, foram dar pronto socorro Ao seu valente irmão. Porém, oh mágoa! Já longe do lugar da feroz luta O acharam quase exangue e semimorto. (. ..) Imagem - 00250007 Publicado no livro A Confederação dos Tamoios: poema (1856). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 1949 NOTA: Poema composto de 10 canto
José Gonçalves de Magalhães
Pela Pátria, e por mim a voz desprendo Ao som da lira que a saudade empunha; Verdade, e gratidão guiam meu canto, Não sórdida cobiça Debret, digno Francês, Pintor preclaro, Caro Amigo; Homem firme, sábio Mestre, Eu te agradeço os bens, que tu fizeste A mim, e à Pátria minha. De um bom filho é dever ao pai ser útil; Mas de homem o dever é ser a todos: Assaz útil nos fôste, assaz nos deste De homem, de amigo provas. Saudosa a tua Pátria ora te chama, E para receber-te estende os braços; Chama-te a Pátria, não hesites, cumpre Os deveres de filho. Deixa embora o Brasil, que tanto prezas; Não mais encares suas belas cenas; Sei que ele é sedutor, que tem encantos Que os alvedrios prendem. Sei quanto no meu peito a Pátria impera, Que mais o meu amor subir não pode; Como pois poderei aconselhar-te Que a tua Pátria deixes? Ah não! não se dirá, que um Brasileiro A tanto se atreveu; embora, embora Não honre o teu pincel a nossa história, Nem as nossas paisagens. Tu conheces meu peito, assaz tu sabes Que honra, e virtude assim n'alma me gritam. Indócil coração eu não possuo, Indiferente a tudo. Morno pesar me enluta, e me profliga Agora que o Brasil, e a mim tu deixas. Ah não condenes que entrecorte o canto Com ais, e com suspiros. Em nossos corações agradecidos Tu soubeste, oh Debret, gravar teu nome, E neles viverás, enquanto as Artes Amadores tiverem. (. ..) Sim, oh Debret, será teu nome eterno; E quando outro penhor tu nos não desses, Um Araújo só bastante fôra Para honra tua, e nossa. (. ..) Mas outros deixas monumentos vivos; Existem os Carvalhos, e os Arrudas, Que a muda Natureza em breves quadros Mimosos representam. Oxalá que eu também sem desonrar-te Que teu discíp'lo fui dizer pudesse; Mas ao menos direi, sou teu amigo, E basta-me tal glória. Se este fraco tributo de amizade For aos olhos do Mundo apresentado, Conheça o quanto a gratidão domina No peito Brasileiro. Imagem - 00410006 Publicado no livro Poesias (1832). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194