E se todos ligam pouca importância à morte, nem conseguem Sofrendo, ter verdadeiramente a concentração de sofrer, É que a vida não crê na morte, é que a morte é nada.
Embandeira em arco, a todas as cores, ao vento Sob o grande céu luminoso e azul da terra... Danças e cantos, Músicas alacres, Ruídos de risos e falas, e conversas banais, Acolham a morte que vem, porque a morte não vem, E a vida sente em todas as suas veias, O corpo acha em tudo o que nele é alma, Que a vida é tudo, e a morte é nada, e que o abismo É só a cegueira de ver, Que tudo isto não pode existir e deixar de existir, Porque existir é ser, e ser não se reduz ao nada. Ah, se todo este mundo claro, e estas flores e luz, Se todo este mundo com terra e mar e casas e gente, Se todo este mundo natural, social, intelectual, Estes corpos nus por baixo das vestes naturais, Se isto é ilusão, porque é que isto está aqui? Ó mestre Caeiro, só tu é que tinhas razão! Se isto não é, porque é que é? Se isto não pode ser, então porque pôde ser?
Acolhei-a, ao chegar, A ela, à Morte, a esse erro da vista, Com os cheiros dos campos, e as flores cortadas trazidas ao colo, Com as romarias e as tardes pelas estradas, Com os ranchos festivos, e os lares contentes, Com a alegria e a dor, com o prazer e a mágoa, Com todo o vasto mar movimentado da vida.
Acolhei-a sem medo, Como quem na estação de província, no apeadeiro campestre, Acolhe o viajante que há-de chegar no comboio de Além. Acolhei-a contentes, Crianças cantando de riso, corpos de jovens em fogo, Alegria rude e natural das tabernas, E os braços e os beijos e os sorrisos das raparigas.
Embandeira em arco a cores de sangue e verde, Embandeira em arco a cores de luz e de fogo, Que a morte é a vida que veio mascarada, E o além será isto, isto mesmo, noutro presente Não sei de que novo modo diversamente. Gritai às alturas, Gritos pelos vales, Que a morte não tem importância nenhuma, Que a morte é um [suposto?], Que a morte é um (...) E que se tudo isto é um sonho, é a morte um sonho também.