Ovalle, irmãozinho, diz, du sein de Dieu oi tu reposes, Ainda te lembras de Londres e suas luas? Custa-me imaginar-te aqui — Londres é troppo imensa — Com teu impossível amor, tuas certezas e tuas ignorâncias. Tu, Santo da Ladeira e pecador da Rua Conde de Laje, Que de madrugada te perdias na Lapa e sentavas no meio-fio para chorar. Os mapas enganaram-me. Sentiste como Mayfair parece descorrelacionada do Tâmisa? Sentiste que para pedestre de Oxford Street é preciso ser gênio e andarilho como Rimbaud? Ou então português — Como o poeta Alberto de Lacerda? Ovalle, irmãozinho, como te sentiste Nesta Londres imensa e triste? Tu que procuravas sempre o que há de Jesus em toda coisa, Como olhaste para estas casas tão humanamente iguais, tão exasperantemente iguais? Adoeceste alguma vez e ficaste atrás da vidraça lendo incessantemente o letreiro do outro lado da rua — RAWLPLUG House, RAWLPLUG Co. LTD., RAWLINGS BROS. Por que bares andaste bebendo melancolia? Alguma noite pediste perdão por todos nós às mulherezinhas de Picadilly Circus? Foste ao British Museum e viste a virgem lápita raptada pelo centauro? Comungaste na adoração do Menino Jesus de Piero della Francesca na National Gallery? Tomaste conhecimento da existência de Dame Edith Sitwell e seu Trio for two cats and a trombone? Ovalle, irmãozinho, tu que és hoje estrela brilhante lá do alto-mar, Manda à minha angústia londrina um raio de tua quente eternidade. Londres, 3.9.1957