Os mortos! Que prodigiosamente E com que horrível reminiscência Vivem na nossa recordação deles!
A minha velha tia na sua antiga casa, no campo Onde eu era feliz e tranquilo e a criança que eu era... Penso nisso e uma saudade toda raiva repassa-me... E, além disso, penso, ela já morreu há anos... Tudo isto, vendo bem, é misterioso como um lusco-fusco... Penso, e todo o enigma do universo repassa-me. Revejo aquilo na imaginação com tal realidade Que depois, quando penso que aquilo acabou E que ela está morta, Encaro com o mistério mais palidamente Vejo-o mais escuro, mais impiedoso, mais longínquo E nem choro, de atento que estou ao terror da vida...
Como eu desejaria ser parte da noite, Parte sem contornos da noite, um lugar qualquer no espaço Não propriamente um lugar, por não ter posição nem contornos, Mas noite na noite, uma parte dela, pertencendo-lhe por todos os lados E unido e afastado companheiro da minha ausência de existir...
Aquilo era tão real, tão vivo, tão actual!... Quando em mim o revejo, está outra vez vivo em mim... Pasmo de que coisa tão real pudesse passar... E não existir hoje e hoje ser tão diverso... Corre para o mar a água do rio, abandona a minha vista, Chega ao mar e perde-se no mar, Mas a água perde-se de si-própria? Uma coisa deixa de ser o que é absolutamente Ou pecam de vida os nossos olhos e os nossos ouvidos E a nossa consciência exterior do Universo? Onde está hoje o meu passado? Em que baú o guardou Deus que não sei dar com ele? Quando o revejo em mim, onde é que o estou vendo? Tudo isto deve ter um sentido — talvez muito simples — Mas por mais que pense não atino com ele.