Poemas de Mistério
Poesia enigmática que provoca a curiosidade e a fascinação, mergulhando em temas misteriosos e intrigantes.
Florbela Espanca
Horas profundas, lentas e caladas Feitas de beijos rubros e ardentes, De noites de volúpia, noites quentes Onde há risos de virgens desmaiadas... Oiço olaias em flor às gargalhadas... Tombam astros em fogo, astros dementes, E do luar os beijos languescentes São pedaços de prata p'las estradas... Os meus lábios são brancos como lagos... Os meus braços são leves como afagos, Vestiu-os o luar de sedas puras... Sou chama e neve e branca e mist'riosa... E sou, talvez, na noite voluptuosa, Ó meu Poeta, o beijo que procuras! Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"
Luís Vaz de Camões
Busque Amor novas artes, novo engenho Pera matar-me, e novas esquivanças, Que não pode tirar-me as esperanças, Que mal me tirará o que eu não tenho. Olhai de que esperanças me mantenho! Vede que perigosas seguranças! Que não temo contrastes nem mudanças, Andando em bravo mar, perdido o lenho. Mas, enquanto não pode haver desgosto Onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê, Que dias há que na alma me tem posto Um não sei quê, que nasce não sei onde, Vem não sei como e dói não sei porquê.
Luís Vaz de Camões
O fogo que na branda cera ardia, Vendo o rosto gentil que na alma vejo. Se acendeu de outro fogo do desejo, Por alcançar a luz que vence o dia. Como de dois ardores se incendia, Da grande impaciência fez despejo, E, remetendo com furor sobejo, Vos foi beijar na parte onde se via. Ditosa aquela flama, que se atreve Apagar seus ardores e tormentos Na vista do que o mundo tremer deve! Namoram-se, Senhora, os Elementos De vós, e queima o fogo aquela nave Que queima corações e pensamentos.
Luís Vaz de Camões
Descalça vai para a fonte Lianor pela verdura; Vai fermosa, e não segura. Leva na cabeça o pote, O testo nas mãos de prata, Cinta de fina escarlata, Sainho de chamelote; Traz a vasquinha de cote, Mais branca que a neve pura. Vai fermosa e não segura. Descobre a touca a garganta, Cabelos de ouro entrançado Fita de cor de encarnado, Tão linda que o mundo espanta. Chove nela graça tanta, Que dá graça à fermosura. Vai fermosa e não segura.
Luís Vaz de Camões
Qual tem a borboleta por costume, Que, enlevada na luz da acesa vela, Dando vai voltas mil, até que nela Se queima agora, agore se consume, Tal eu correndo vou ao vivo lume Desses olhos gentis, Aónia bela; E abraso-me por mais que com cautela Livrar-me a parte racional presume. Conheço o muito a que se atreve a vista, O quanto se levanta o pensamento, O como vou morrendo claramente; Porém, não quer Amor que lhe resista, Nem a minha alma o quer; que em tal tormento, Qual em glória maior, está contente.
Fernando Pessoa
PRESSÁGIO Vinham, louras, de preto Ondeando até mim Pelo jardim secreto Na véspera do fim. Nos olhos toucas tinham Reflexos de um jardim Que não o por onde vinham Na véspera do fim. Mas passam... Nunca me viram E eu quanto sonhei afim A essas que se partiram Na véspera do fim. 10/04/1927
Fernando Pessoa
PRESSÁGIO Vinham, louras, de preto Ondeando até mim Pelo jardim secreto Na véspera do fim. Nos olhos toucas tinham Reflexos de um jardim Que não o por onde vinham Na véspera do fim. Mas passam... Nunca me viram E eu quanto sonhei afim A essas que se partiram Na véspera do fim. 10/04/1927
Florbela Espanca
Sombrios mensageiros das violetas, De longas e revoltas cabeleiras; Brancos, sois o casto olhar das virgens Pálidas que ao luar, sonham nas eiras. Vermelhos, gargalhadas triunfantes, Lábios quentes de sonhos e desejos, Carícias sensuais d ́amor e gozo; Crisântemos de sangue, vós sois beijos! Os amarelos riem amarguras, Os roxos dizem prantos e torturas, Há-os também cor de fogo, sensuais... Eu amo os crisântemos misteriosos Por serem lindos, tristes e mimosos, Por ser a flor de que tu gostas mais!
Florbela Espanca
Ando perdida nestes sonhos verdes De ter nascido e não saber quem sou, Ando ceguinha a tatear paredes E nem ao menos sei quem me cegou! Não vejo nada, tudo é morto e vago... E a minha alma cega, ao abandono Faz-me lembrar o nenúfar dum lago ́Stendendo as asas brancas cor do sonho... Ter dentro d ́alma na luz de todo o mundo E não ver nada nesse mar sem fundo, Poetas meus irmãos, que triste sorte!... E chamam-nos a nós Iluminados! Pobres cegos sem culpas, sem pecados, A sofrer pelos outros té à morte!
Florbela Espanca
A minha dor é um convento ideal Cheio de claustros, sombras, arcarias, Aonde a pedra em convulsões sombrias Tem linhas dum requinte escultural. Os sinos têm dobres d ́agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal... E todos têm sons de funeral Ao bater horas, no correr dos dias... A minha dor é um convento. Há lírios Dum roxo macerado de martírios, Tão belos como nunca os viu alguém! Nesse triste convento aonde eu moro, Noites e dias rezo e grito e choro! E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
Florbela Espanca
A flor do sonho, alvíssima, divina Miraculosamente abriu em mim, Como se uma magnólia de cetim Fosse florir num muro todo em ruína. Pende em meu seio a haste branda e fina. E não posso entender como é que, enfim, Essa tão rara flor abriu assim!... Milagre... fantasia... ou talvez, sina.... Ó flor, que em mim nasceste sem abrolhos, Que tem que sejam tristes os meus olhos Se eles são tristes pelo amor de ti?!... Desde que em mim nasceste em noite calma, Voou ao longe a asa da minh ́alma E nunca, nunca mais eu me entendi...
Florbela Espanca
A noite vem pousando devagar Sobre a terra que inunda de amargura... E nem sequer a bênção do luar A quis tornar divinamente pura... Ninguém vem atrás dela a acompanhar A sua dor que é cheia de tortura... E eu ouço a noite a soluçar! E eu ouço soluçar a noite escura! Por que é assim tão ́scura, assim tão triste?! É que, talvez, ó noite, em ti existe Uma saudade igual à que eu contenho! Saudade que eu nem sei donde me vem... Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!... Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!
Florbela Espanca
Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes Borboletas de sol, de asas magoadas, Pousam nos meus, suaves e cansadas Como em dois lírios roxos e dolentes... E os lírios fecham... Meu amor não sentes? Minha boca tem rosas desmaiadas, E a minhas pobres mãos são maceradas Como vagas saudades de doentes... O silêncio abre as mãos... entorna rosas... Andam no ar carícias vaporosas Como pálidas sedas, arrastando... E a tua boca rubra ao pé da minha É na suavidade da tardinha. Um coração ardente palpitando...
Fernando Pessoa
PRESSÁGIO Vinham, louras, de preto Ondeando até mim Pelo jardim secreto Na véspera do fim. Nos olhos toucas tinham Reflexos de um jardim Que não o por onde vinham Na véspera do fim. Mas passam... Nunca me viram E eu quanto sonhei afim A essas que se partiram Na véspera do fim. 10/04/1927
Florbela Espanca
Queria tanto saber porque sou eu! Quem me enjeitou neste caminho escuro? Queria tanto saber porque seguro Nas minhas mãos o bem que não é meu! Quem me dirá se, lá no alto, o céu Também é para o mau, para o perjuro? Para onde vai a alma, que morreu? Queria encontrar Deus! Tanto o procuro! A estrada de Damasco, o meu caminho, O meu bordão de estrelas de ceguinho, Água da fonte de que estou sedenta! Quem sabe se este anseio de eternidade, A tropeçar na sombra, é a verdade, É já a mão de Deus que me acalenta?
Fernando Pessoa
Cansado até dos deuses que não são... Ideais, sonhos... Como o sol é real E na objectiva coisa universal Não há o meu coração... Eu ergo a mão. Olho-a de mim, e o que ela é não sou eu. Ente mim e o que sou há a escuridão. Mas o que são a isto a terra e o céu? Houvesse ao menos, visto que a verdade É falsa, qualquer coisa verdadeira De outra maneira Que a impossível certeza ou realidade. Houvesse ao menos, sob o sol do mundo, Qualquer postiça realidade não O eterno abismo sem fundo, Crível talvez, mas tendo coração. Mas não há nada, salvo tudo sem mim. Crível por fora da razão, mas sem Que a razão acordasse e visse bem; Real com coração, (...) 10/07/1920
Fernando Pessoa
Cansado até dos deuses que não são... Ideais, sonhos... Como o sol é real E na objectiva coisa universal Não há o meu coração... Eu ergo a mão. Olho-a de mim, e o que ela é não sou eu. Ente mim e o que sou há a escuridão. Mas o que são a isto a terra e o céu? Houvesse ao menos, visto que a verdade É falsa, qualquer coisa verdadeira De outra maneira Que a impossível certeza ou realidade. Houvesse ao menos, sob o sol do mundo, Qualquer postiça realidade não O eterno abismo sem fundo, Crível talvez, mas tendo coração. Mas não há nada, salvo tudo sem mim. Crível por fora da razão, mas sem Que a razão acordasse e visse bem; Real com coração, (...) 10/07/1920
Fernando Pessoa
PRESSÁGIO Vinham, louras, de preto Ondeando até mim Pelo jardim secreto Na véspera do fim. Nos olhos toucas tinham Reflexos de um jardim Que não o por onde vinham Na véspera do fim. Mas passam... Nunca me viram E eu quanto sonhei afim A essas que se partiram Na véspera do fim. 10/04/1927
Fernando Pessoa
Cansado até dos deuses que não são... Ideais, sonhos... Como o sol é real E na objectiva coisa universal Não há o meu coração... Eu ergo a mão. Olho-a de mim, e o que ela é não sou eu. Ente mim e o que sou há a escuridão. Mas o que são a isto a terra e o céu? Houvesse ao menos, visto que a verdade É falsa, qualquer coisa verdadeira De outra maneira Que a impossível certeza ou realidade. Houvesse ao menos, sob o sol do mundo, Qualquer postiça realidade não O eterno abismo sem fundo, Crível talvez, mas tendo coração. Mas não há nada, salvo tudo sem mim. Crível por fora da razão, mas sem Que a razão acordasse e visse bem; Real com coração, (...) 10/07/1920