Mário Inteligência Sabor Surpresa As neblinas paulistas condensaram-se em ácidos sarcásticos E queimaram a epiderme azul dos aços virginais Mas nas sombras mais fundas ficaram os docementes dos nanquins mais melancólicos!... Como será São Paulo... O Paraná com os pinhais intratáveis? (Não servem para uma exploração regular da indústria do papel) Goiás! Ilha do Bananal! Mas os índios? Os mosquitos? Os botocudos e os borrachudos... Como será o Brasil?... Como será São Paulo? São Paulo era a Sé Velha Cercada de sobradinhos coloniais Na Rua de São João a escala cromática dos pára-sóis dos engraxates Progredior Politeama A Casa Garraux vendia também objetos de arte Camilo Castelo Branco não sabia ainda da existência dos piraquaras do Paraíba Não havia ainda Vasco Porcalho livreiro-editor encomendando a toda a gente uma novela safada Havia sim a Avenida Tiradentes espapaçada ao sol como um feriado nacional E o edifício do Liceu implorando baixinho que o deixassem em tijolo aparente (Lá dentro eu desenhando a bico de pena motivos arquitetônicos do Renascimento... As minhas arquiteturas corroídas!...) Duas vezes por semana música no Jardim da Luz A banda do maestro Antão A primeira da América do Sul O samba de Alexandre Levi Bis! Bis! O namorozinho nacional passeando cheio de dengue entre os zincos lambuzados de cerveja Não havia guaraná bebida depurativa e tônico-refrigerante Quem fazia o policiamento era a torre da Inglesa O relógio grande batia os quartos um dois três quatro e recomeçava indefinidamente sem compreender como aquela gente podia ainda ouvir Puccini E em torno dele a garoa paulistana irônica silenciosa encharcava todos os minutos Mas as garoas condensaram-se em ácidos sarcásticos E queimaram a epiderme azul dos aços virginais: Mário de Andrade! Como será São Paulo? Não havia mais bandeirantes Nem a lembrança de Álvares de Azevedo O antigo Largo de São Bento com as árvores nuas e magrinhas Pedia tanto um pouco de neve que lhe desse um arzinho de Paris Os filhos de Bernardino de Campos faziam parte do cordão Nem Teatro Municipal nem Esplanada Hotel Só havia um viaduto: Anhangabaú dos suicídios passionais! Ponte Grande! Cambuci! E o cemitério da Consolação... Mário um cigarro O punho forte do subconsciente campeia e conjuga os relâmpagos mais díspares Os ritmos mais dissolutos Raivas Testamentos de Heiligenstadt Amores fantasmagorias carnavais porrada Coisas absolutamente incompreensíveis Como as obras de Deus Raivas raivas Bondade A girândola do último dia de novena Tudo Para todos os lados CATÓLICO Mário um cigarro Positivamente esta quarta-feira está cotidiana demais O leite da manhã tinha mais água O sol está banal como uma taça de campeonato Como os bronzes comerciais que representam o Trabalho Eu não sei latim Não sei cálculo diferencial e integral Não sei tocar piano (por causa de uma sonatina de Steibelt) Não compreendo absolutamente Fichte Schelling e Hegel Victor Hugo é pau Byron é pau Mário um cigarro CAPORAL LAVADO! Numa pia de igreja em Bizâncio está gravada esta inscrição NIPSONANOMHMATAMHMONANOSPIN Soletrada da direita para a esquerda recompõe o mesmo sentido Lava os pecados não laves só a cara Mário eles não lavam nem os pecados nem a cara Os homens são horríveis POR ISSO HÁ QUE OS AMAR Com os docementes dos nanquins mais melancólicos Brasil Como será o Brasil? MÁRIO DE ANDRADE