Poemas de Gratidão
Poemas que expressam a gratidão pelos momentos, pessoas e experiências que enriquecem nossas vidas.
Florbela Espanca
Nessa tarde mimosa de saudade Em que eu te vi partir, ó meu amor, Levaste-me a minh'alma apaixonada Nas folhas perfumadas duma flor. E como a alma, dessa florzita, Que é minha, por ti palpita amante! Oh alma doce, pequenina e branca, Conserva o teu perfume estonteante! Quando fores velha, emurchecida e triste, Recorda ao meu amor, com teu perfume A paixão que deixou e qu'inda existe... Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde, Que venha aquecer-se ao brando lume Dos meus olhos que morrem de saudade!
Ricardo Reis
Quero ignorado, e calmo Por ignorado, e próprio Por calmo, encher meus dias De não querer mais deles. Aos que a riqueza toca O ouro irrita a pele. Aos que a fama bafeja Embacia-se a vida. Aos que a felicidade É sol, virá a noite. Mas ao que nada espera Tudo que vem é grato. 02/03/1933
Ricardo Reis
Sob a leve tutela De deuses descuidosos, Quero gastar as concedidas horas Desta fadada vida. Nada podendo contra O ser que me fizeram, Desejo ao menos que me haja o Fado Dado a paz por destino. Da verdade não quero Mais que a vida; que os deuses Dão vida e não verdade, nem talvez Saibam qual a verdade.
Florbela Espanca
Manto de seda azul, o céu reflete Quanta alegria na minha alma vai! Tenho os meus lábios úmidos: tomai A flor e o mel que a vida nos promete! Sinfonia de luz meu corpo não repete O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai! Iguala o sol que sempre às ondas cai, Sem que a visão dos poentes se complete! Meus pequeninos seios cor-de-rosa, Se os roça ou prende a tua mão nervosa, Têm a firmeza elástica dos gamos... Para os teus beijos, sensual, flori! E amendoeira em flor, só ofereço os ramos, Só me exalto e sou linda para ti!
Florbela Espanca
A flor do sonho, alvíssima, divina Miraculosamente abriu em mim, Como se uma magnólia de cetim Fosse florir num muro todo em ruína. Pende em meu seio a haste branda e fina. E não posso entender como é que, enfim, Essa tão rara flor abriu assim!... Milagre... fantasia... ou talvez, sina.... Ó flor, que em mim nasceste sem abrolhos, Que tem que sejam tristes os meus olhos Se eles são tristes pelo amor de ti?!... Desde que em mim nasceste em noite calma, Voou ao longe a asa da minh ́alma E nunca, nunca mais eu me entendi...
Florbela Espanca
Deixa-me ser a tua amiga, amor; A tua amiga só, já que não queres Que pelo teu amor seja a melhor A mais triste de todas as mulheres. Que só, de ti, me venha mágoa e dor O que me importa, a mim?! O que quiseres É sempre um sonho bom! Seja o que for Bendito sejas tu por mo dizeres! Beija-me as mãos, amor, devagarinho... Como se os dois nascêssemos irmãos, Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho... Beija-mas bem!... Que fantasia louca Guardar assim, fechados, nestas mãos, Os beijos que sonhei pra minha boca!...
Florbela Espanca
Brancas, suaves mãos de irmã Que são mais doces que as das rainhas, Hão de pousar em tuas mãos, as minhas Numa carícia transcendente e vã. E a tua boca a divinal manhã Que diz as frases com que me acarinhas, Há de pousar nas dolorosas linhas Da minha boca purpurina e sã. Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes; Só eles te dirão que tu existes Dentro de mim num riso d’alvorada! E nunca se amará ninguém melhor; Tu calando de mim o teu amor, Sem que eu nunca do meu te diga nada!...
Florbela Espanca
Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera Não lembrar! Em tardes dolorosas Lembro-me que fui a primavera Que em muros velhos faz nascer as rosas! As minhas mãos outrora carinhosas Pairavam como pombas... Quem soubera Por que tudo passou e foi quimera, E por que os muros velhos não dão rosas! São sempre os que eu recordo que me esquecem... Mas digo para mim: "Não me merecem..." E já não fico tão abandonada! Sinto que valho mais, mais pobrezinha: Que também é orgulho ser sozinha E também é nobreza não ter nada!
Florbela Espanca
Procurei o amor, que me mentiu. Pedi à vida mais do que ela dava; Eterna sonhadora edificava Meu castelo de luz que me caiu! Tanto clarão nas trevas refulgiu, E tanto beijo a boca me queimava! E era o sol que os longes deslumbrava Igual a tanto sol que me fugiu! Passei a vida a amar e a esquecer... Atrás do sol dum dia outro a aquecer As brumas dos atalhos por onde ando... E este amor que assim me vai fugindo É igual a outro amor que vai surgindo, Que há-de partir também... nem eu sei quando...
Florbela Espanca
A luz desmaia num fulgor d’aurora, Diz-nos adeus religiosamente... E eu que não creio em nada, sou mais crente Do que em menina, um dia, o fui... outrora... Não sei o que em mim ri, o que em mim chora, Tenho bênçãos de amor pra toda a gente! E a minha alma, sombria e penitente Soluça no infinito desta hora! Horas tristes que vão ao meu rosário... Ó minha cruz de tão pesado lenho! Ó meu áspero e intérmino Calvário! E a esta hora tudo em mim revive: Saudades de saudades que não tenho... Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...
Florbela Espanca
Viver!... Beber o vento e o sol!... Erguer Ao céu os corações a palpitar! Deus fez os nossos braços pra prender, E a boca fez-se sangue pra beijar! A chama, sempre rubra, ao alto a arder!... Asas sempre perdidas a pairar, Mais alto para as estrelas desprender!... A glória!... A fama!... O orgulho de criar!... Da vida tenho o mel e tenho os travos No lago dos meus olhos de violetas, Nos meus beijos estáticos, pagãos!... Trago na boca o coração dos cravos! Boêmios, vagabundos, e poetas: - Como eu sou vossa irmã, ó meus irmãos!..
Florbela Espanca
Eu trago-te nas mãos o esquecimento Das horas más que tens vivido, amor! E para as tuas chagas o ungüento Com que sarei a minha própria dor. Os meus gestos são ondas de Sorrento... Trago no nome as letras duma flor... Foi dos meus olhos garços que um pintor Tirou a luz para pintar o vento... Dou-te o que tenho: o astro que dormita, O manto dos crepúsculos da tarde, O sol que é d ́ouro, a onda que palpita. Dou-te comigo o mundo que Deus fez! - Eu sou aquela de quem tens saudade, A princesa de conto: "Era uma vez..."
Florbela Espanca
Meu amor! Meu amante! Meu amigo! Colhe a hora que passa, hora divina, Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo! Sinto-me alegre e forte! Sou menina! Eu tenho, amor, a cinta esbelta e fina... Pele dourada de alabastro antigo... Frágeis mãos de madona florentina... - Vamos correr e rir por entre o trigo! Há rendas de gramíneas pelos montes... Papoulas rubras nos trigais maduros... Água azulada a cintilar nas fontes... E à volta, amor... tornemos, nas alfombras Dos caminhos selvagens e escuros, Num astro só as nossas duas sombras...
Florbela Espanca
Quanta mulher no teu passado, quanta! Tanta sombra em redor! Mas que me importa? Se delas veio o sonho que conforta, A sua vinda foi três vezes santa! Erva do chão que a mão de Deus levanta, Folhas murchas de rojo à tua porta... Quando eu for uma pobre coisa morta, Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta! Mas eu sou a manhã: apago estrelas! Hás de ver-me, beijar-me em todas elas, Mesmo na boca da que for mais linda! E quando a derradeira, enfim, vier, Nesse corpo vibrante de mulher Será o meu que hás de encontrar ainda..
Florbela Espanca
No divino impudor da mocidade, Nesse êxtase pagão que vence a sorte, Num frêmito vibrante de ansiedade, Dou-te meu corpo prometido à morte! A sombra entre a mentira e a verdade... A nuvem que arrastou o vento norte... - Meu corpo! Trago nele um vinho forte: Meus beijos de volúpia e de maldade! Trago dálias vermelhas no regaço... São os dedos do sol quando te abraço, Cravados no teu peito como lanças! E do meu corpo os leves arabescos Vão-te envolvendo em círculos dantescos Felinamente, em voluptuosas danças...