Poemas sobre a Natureza

A natureza se esforça rumo ao equilíbrio, pois é nele que está o de mais belo, profundo e feliz sentimento. Quando tudo parece perdido a natureza tem o dom divino de se adaptar, numa possante flexibilidade e resiliência. Encontre aqui poemas sobre a natureza, tanto o Mar, o sol o vento tudo aqui pode encontrar, pode também ver a nossa secção de poemas para reflexão.

Uma imagem com a seguinte frase Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Indostão.

Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada.

Em certa noite de verão.


E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol

E da lua — melhor do que refulgiria

Um brilhante do Grão-Mogol.


Um poleá que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:

— "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,

Dize, quem foi que te ensinou?"


Então ela, voando e revoando, disse:

— "Eu sou a vida, eu sou a flor

Das graças, o padrão da eterna meninice,

E mais a glória, e mais o amor".


E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo E tranqüilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.


Entre as asas do inseto a voltear no espaço,
Uma coisa me pareceu

Que surdia, com todo o resplendor de um paço,
Eu vi um rosto que era o seu.


Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu

Um imenso colar de opala, e uma safira

Tirada ao corpo de Vixnu.


Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,
Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.


Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,
Com grandes leques de avestruz,
Refrescam - lhes de manso os aromados seios.

Voluptuosamente nus.


Vinha a glória depois;
—
quatorze reis vencidos,

E enfim as páreas triunfais

De trezentas nações, e os parabéns unidos

Das coroas ocidentais.


Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto

Das mulheres e dos varões,

Como em água que deixa o fundo descoberto,

Via limpos os corações.


Então ele, estendendo a mão calosa e tosca.

Afeita a só carpintejar,

Com um gesto pegou na fulgurante mosca,

Curioso de a examinar.


Quis vê-la, quis saber a causa
do mistério.
E, fechando - a na mão, sorriu

De contente, ao pensar que ali tinha um império,

E para casa se partiu.


Alvoroçado chega, examina, e parece

Que se houve nessa ocupação

Miudamente, como um homem que quisesse

Dissecar a sua ilusão.


Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,

Rota, baça, nojenta, vil

Sucumbiu;
e
com isto esvaiu-se-lhe aquela

Visão fantástica e sutil.


Hoje quando ele aí cai, de áloe e cardamomo

Na cabeça, com ar taful

Dizem que ensandeceu e que não sabe como

Perdeu a sua mosca azul.

Joaquim Maria Machado de Assis

Era uma mosca azul, asas de ouro e granada, Filha da China ou do Indostão. Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada. Em certa noite de verão. E zumbia, e voava, e voava, e zumbia, Refulgindo ao clarão do sol E da lua — melhor do que refulgiria Um brilhante do Grão-Mogol. Um poleá que a viu, espantado e tristonho, Um poleá lhe perguntou: — "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho, Dize, quem foi que te ensinou?" Então ela, voando e revoando, disse: — "Eu sou a vida, eu sou a flor Das graças, o padrão da eterna meninice, E mais a glória, e mais o amor". E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo E tranqüilo, como um faquir, Como alguém que ficou deslembrado de tudo, Sem comparar, nem refletir. Entre as asas do inseto a voltear no espaço, Uma coisa me pareceu Que surdia, com todo o resplendor de um paço, Eu vi um rosto que era o seu. Era ele, era um rei, o rei de Cachemira, Que tinha sobre o colo nu Um imenso colar de opala, e uma safira Tirada ao corpo de Vixnu. Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas, Aos pés dele, no liso chão, Espreguiçam sorrindo as suas graças finas, E todo o amor que têm lhe dão. Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios, Com grandes leques de avestruz, Refrescam - lhes de manso os aromados seios. Voluptuosamente nus. Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos, E enfim as páreas triunfais De trezentas nações, e os parabéns unidos Das coroas ocidentais. Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto Das mulheres e dos varões, Como em água que deixa o fundo descoberto, Via limpos os corações. Então ele, estendendo a mão calosa e tosca. Afeita a só carpintejar, Com um gesto pegou na fulgurante mosca, Curioso de a examinar. Quis vê-la, quis saber a causa do mistério. E, fechando - a na mão, sorriu De contente, ao pensar que ali tinha um império, E para casa se partiu. Alvoroçado chega, examina, e parece Que se houve nessa ocupação Miudamente, como um homem que quisesse Dissecar a sua ilusão. Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela, Rota, baça, nojenta, vil Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela Visão fantástica e sutil. Hoje quando ele aí cai, de áloe e cardamomo Na cabeça, com ar taful Dizem que ensandeceu e que não sabe como Perdeu a sua mosca azul.

0
0
Uma imagem com a seguinte frase Vês, querida, o horizonte ardendo em chamas?

Além desses outeiros

Vai descambando o sol, e à terra envia

Os raios derradeiros;

A tarde, como noiva que enrubesce,

Traz no rosto um véu mole e transparente;

No fundo azul a estrela do poente

Já tímida aparece.


Como um bafo suavíssimo da noite,

Vem sussurrando o vento,

As árvores agita e imprime às folhas

O beijo sonolento.

A flor ajeita o cálix: cedo espera

O orvalho, e entanto exala o doce aroma;

Do leito do oriente a noite assoma;

Como uma sombra austera.


Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos,

Vem, minha flor querida;

Vem contemplar o céu, página santa

Que o amor a ler convida;

Da tua solidão rompe as cadeias;

Desde o teu sombrio e mudo asilo;

Encontrarás aqui o amor tranqüilo.
..

Que esperas? que receias?


Olha o templo de Deus, pomposo e grande;

Lá do horizonte oposto

A lua, como lâmpada, já surge

A alumiar teu rosto;

Os círios vão arder no altar sagrado,

Estrelinhas do céu que um anjo acende;

Olha como de bálsamos rescende

A c'roa do noivado.


Irão buscar-te em meio do caminho

As minhas esperanças;

E voltarão contigo, entrelaçadas

Nas tuas longas tranças;

No entanto eu preparei teu leito à sombra

Do limoeiro em flor; colhi contente

Folhas com que alastrei o solo ardente

De verde e mole alfombra.


Pelas ondas do tempo arrebatados,

Até à morte iremos,

Soltos ao longo do baixel da vida

Os esquecidos remos.

Firmes, entre o fragor da tempestade,

Gozaremos o bem que amor encerra,

Passaremos assim do sol da terra

Ao sol da eternidade.



Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária.


In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.48-49. (Biblioteca Luso-Brasileira. Série brasileira

Joaquim Maria Machado de Assis

Vês, querida, o horizonte ardendo em chamas? Além desses outeiros Vai descambando o sol, e à terra envia Os raios derradeiros; A tarde, como noiva que enrubesce, Traz no rosto um véu mole e transparente; No fundo azul a estrela do poente Já tímida aparece. Como um bafo suavíssimo da noite, Vem sussurrando o vento, As árvores agita e imprime às folhas O beijo sonolento. A flor ajeita o cálix: cedo espera O orvalho, e entanto exala o doce aroma; Do leito do oriente a noite assoma; Como uma sombra austera. Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos, Vem, minha flor querida; Vem contemplar o céu, página santa Que o amor a ler convida; Da tua solidão rompe as cadeias; Desde o teu sombrio e mudo asilo; Encontrarás aqui o amor tranqüilo. .. Que esperas? que receias? Olha o templo de Deus, pomposo e grande; Lá do horizonte oposto A lua, como lâmpada, já surge A alumiar teu rosto; Os círios vão arder no altar sagrado, Estrelinhas do céu que um anjo acende; Olha como de bálsamos rescende A c'roa do noivado. Irão buscar-te em meio do caminho As minhas esperanças; E voltarão contigo, entrelaçadas Nas tuas longas tranças; No entanto eu preparei teu leito à sombra Do limoeiro em flor; colhi contente Folhas com que alastrei o solo ardente De verde e mole alfombra. Pelas ondas do tempo arrebatados, Até à morte iremos, Soltos ao longo do baixel da vida Os esquecidos remos. Firmes, entre o fragor da tempestade, Gozaremos o bem que amor encerra, Passaremos assim do sol da terra Ao sol da eternidade. Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária. In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.48-49. (Biblioteca Luso-Brasileira. Série brasileira

0
0
Uma imagem com a seguinte frase Je veux changer mes pensées en oiseaux.

C. MAROT


Olha como, cortando os leves ares,

Passam do vale ao monte as andorinhas;

Vão pousar na verdura dos palmares,

Que, à tarde, cobre transparente véu;

Voam também como essas avezinhas

Meus sombrios, meus tristes pensamentos;

Zombam da fúria dos contrários ventos,

Fogem da terra, acercam-se do céu.


Porque o céu é também aquela estância

Onde respira a doce criatura,

Filha do nosso amor, sonho da infância,

Pensamento dos dias juvenis.

Lá, como esquiva flor, formosa e pura,

Vives tu escondida entre a folhagem,

Ó rainha do ermo, ó fresca imagem

Dos meus sonhos de amor calmo e feliz!


Vão para aquela estância enamorados,

Os pensamentos de minh'alma ansiosa;

Vão contar-lhe os meus dias gozados

E estas noites de lágrimas e dor.


Na tua fronte pousarão, mimosa,

Como as aves no cimo da palmeira,

Dizendo aos ecos a canção primeira

De um livro escrito pela mão do amor.


Dirão também como conservo ainda

No fundo de minh'alma essa lembrança

De tua imagem vaporosa e linda,

Único alento que me prende aqui.


E dirão mais que estrelas de esperança

Enchem a escuridão das noites minhas.

Como sobem ao monte as andorinhas,

Meus pensamentos voam para ti.



Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária.


In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994 v.3, p.51-52. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira

Joaquim Maria Machado de Assis

Je veux changer mes pensées en oiseaux. C. MAROT Olha como, cortando os leves ares, Passam do vale ao monte as andorinhas; Vão pousar na verdura dos palmares, Que, à tarde, cobre transparente véu; Voam também como essas avezinhas Meus sombrios, meus tristes pensamentos; Zombam da fúria dos contrários ventos, Fogem da terra, acercam-se do céu. Porque o céu é também aquela estância Onde respira a doce criatura, Filha do nosso amor, sonho da infância, Pensamento dos dias juvenis. Lá, como esquiva flor, formosa e pura, Vives tu escondida entre a folhagem, Ó rainha do ermo, ó fresca imagem Dos meus sonhos de amor calmo e feliz! Vão para aquela estância enamorados, Os pensamentos de minh'alma ansiosa; Vão contar-lhe os meus dias gozados E estas noites de lágrimas e dor. Na tua fronte pousarão, mimosa, Como as aves no cimo da palmeira, Dizendo aos ecos a canção primeira De um livro escrito pela mão do amor. Dirão também como conservo ainda No fundo de minh'alma essa lembrança De tua imagem vaporosa e linda, Único alento que me prende aqui. E dirão mais que estrelas de esperança Enchem a escuridão das noites minhas. Como sobem ao monte as andorinhas, Meus pensamentos voam para ti. Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária. In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994 v.3, p.51-52. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira

0
0
Uma imagem com a seguinte frase (1863)


E caiu a chuva sobre a terra

quarenta dias e quarenta noites

Gênesis — c. VII, v. 12


Do sol ao raio esplêndido,

Fecundo, abençoado,

A terra exausta e úmida

Surge, revive já;

Que a morte inteira e rápida

Dos filhos do pecado

Pôs termo à imensa cólera

Do imenso Jeová!


Que mar não foi! que túmidas

As águas não rolavam!

Montanhas e planícies

Tudo tornou-se mar;

E nesta cena lúgubre

Os gritos que soavam

Era um clamor uníssono

Que a terra ia acabar.


Em vão, ó pai atônito,

Ao seio o filho estreitas;

Filhos, esposos, míseros,

Em vão tentais fugir!

Que as águas do dilúvio

Crescidas e refeitas,

Vão da planície aos píncaros

Subir, subir, subir!


Só, como a idéia única

De um mundo que se acaba,

Erma, boiava intrépida,

A arca de Noé;

Pura das velhas nódoas

De tudo o que desaba,

Leva no seio incólumes

A virgindade e a fé.


Lá vai! Que um vento alígero,

Entre os contrários ventos,

Ao lenho calmo e impávido

Abre caminho além .
. .

Lá vai! Em torno angústias,

Clamores, lamentos;

Dentro a esperança, os cânticos,

A calma, a paz e o bem.


Cheio de amor, solícito,

O olhar da divindade,

Vela aos escapos náufragos

Da imensa aluvião.

Assim, por sobre o túmulo

Da extinta humanidade

Salva-se um berço; o vínculo

Da nova creação.


Íris, da paz o núncio,

O núncio do concerto,

Riso do Eterno em júbilo,

Nuvens do céu rasgou;

E a pomba, a pomba mística,

Volando ao lenho aberto,

Do arbusto da planície

Um ramo despencou.


Ao sol e às brisas tépidas

Respira a terra um hausto,

Viçam de novo as árvores,

Brota de novo a flor;

E ao som de nossos cânticos,

Ao fumo do holocausto

Desaparece a cólera

Do rosto do Senhor.

Joaquim Maria Machado de Assis

(1863) E caiu a chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta noites Gênesis — c. VII, v. 12 Do sol ao raio esplêndido, Fecundo, abençoado, A terra exausta e úmida Surge, revive já; Que a morte inteira e rápida Dos filhos do pecado Pôs termo à imensa cólera Do imenso Jeová! Que mar não foi! que túmidas As águas não rolavam! Montanhas e planícies Tudo tornou-se mar; E nesta cena lúgubre Os gritos que soavam Era um clamor uníssono Que a terra ia acabar. Em vão, ó pai atônito, Ao seio o filho estreitas; Filhos, esposos, míseros, Em vão tentais fugir! Que as águas do dilúvio Crescidas e refeitas, Vão da planície aos píncaros Subir, subir, subir! Só, como a idéia única De um mundo que se acaba, Erma, boiava intrépida, A arca de Noé; Pura das velhas nódoas De tudo o que desaba, Leva no seio incólumes A virgindade e a fé. Lá vai! Que um vento alígero, Entre os contrários ventos, Ao lenho calmo e impávido Abre caminho além . . . Lá vai! Em torno angústias, Clamores, lamentos; Dentro a esperança, os cânticos, A calma, a paz e o bem. Cheio de amor, solícito, O olhar da divindade, Vela aos escapos náufragos Da imensa aluvião. Assim, por sobre o túmulo Da extinta humanidade Salva-se um berço; o vínculo Da nova creação. Íris, da paz o núncio, O núncio do concerto, Riso do Eterno em júbilo, Nuvens do céu rasgou; E a pomba, a pomba mística, Volando ao lenho aberto, Do arbusto da planície Um ramo despencou. Ao sol e às brisas tépidas Respira a terra um hausto, Viçam de novo as árvores, Brota de novo a flor; E ao som de nossos cânticos, Ao fumo do holocausto Desaparece a cólera Do rosto do Senhor.

0
0