Poemas sobre a Natureza
A natureza se esforça rumo ao equilíbrio, pois é nele que está o de mais belo, profundo e feliz sentimento. Quando tudo parece perdido a natureza tem o dom divino de se adaptar, numa possante flexibilidade e resiliência. Encontre aqui poemas sobre a natureza, tanto o Mar, o sol o vento tudo aqui pode encontrar, pode também ver a nossa secção de poemas para reflexão.
Joaquim Maria Machado de Assis
Pensa em ti mesma, acharás Melhor poesia, Viveza, graça, alegria, Doçura e paz. Se já dei flores um dia, Quando rapaz, As que ora dou têm assaz Melancolia. Uma só das horas tuas Valem um mês Das almas já ressequidas. Os sóis e as luas Creio bem que Deus os fez Para outras vidas.
Joaquim Maria Machado de Assis
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume: "Quem me dera que fosse aquela loura estrela, Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!" Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme: "Pudesse eu copiar o transparente lume, Que, da grega coluna à gótica janela, Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!" Mas a lua, fitando o sol, com azedume: "Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela Claridade imortal, que toda a luz resume!" Mas o sol, inclinando a rútila capela: "Pesa-me esta brilhante auréola de nume... Enfara-me esta azul e desmedida umbela... Por que não nasci eu um simples vaga-lume?" Publicado no livro Poesias Completas (1901). Poema integrante da série Ocidentais.
Joaquim Maria Machado de Assis
Era uma mosca azul, asas de ouro e granada, Filha da China ou do Indostão. Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada. Em certa noite de verão. E zumbia, e voava, e voava, e zumbia, Refulgindo ao clarão do sol E da lua — melhor do que refulgiria Um brilhante do Grão-Mogol. Um poleá que a viu, espantado e tristonho, Um poleá lhe perguntou: — "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho, Dize, quem foi que te ensinou?" Então ela, voando e revoando, disse: — "Eu sou a vida, eu sou a flor Das graças, o padrão da eterna meninice, E mais a glória, e mais o amor". E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo E tranqüilo, como um faquir, Como alguém que ficou deslembrado de tudo, Sem comparar, nem refletir. Entre as asas do inseto a voltear no espaço, Uma coisa me pareceu Que surdia, com todo o resplendor de um paço, Eu vi um rosto que era o seu. Era ele, era um rei, o rei de Cachemira, Que tinha sobre o colo nu Um imenso colar de opala, e uma safira Tirada ao corpo de Vixnu. Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas, Aos pés dele, no liso chão, Espreguiçam sorrindo as suas graças finas, E todo o amor que têm lhe dão. Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios, Com grandes leques de avestruz, Refrescam - lhes de manso os aromados seios. Voluptuosamente nus. Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos, E enfim as páreas triunfais De trezentas nações, e os parabéns unidos Das coroas ocidentais. Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto Das mulheres e dos varões, Como em água que deixa o fundo descoberto, Via limpos os corações. Então ele, estendendo a mão calosa e tosca. Afeita a só carpintejar, Com um gesto pegou na fulgurante mosca, Curioso de a examinar. Quis vê-la, quis saber a causa do mistério. E, fechando - a na mão, sorriu De contente, ao pensar que ali tinha um império, E para casa se partiu. Alvoroçado chega, examina, e parece Que se houve nessa ocupação Miudamente, como um homem que quisesse Dissecar a sua ilusão. Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela, Rota, baça, nojenta, vil Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela Visão fantástica e sutil. Hoje quando ele aí cai, de áloe e cardamomo Na cabeça, com ar taful Dizem que ensandeceu e que não sabe como Perdeu a sua mosca azul.
Joaquim Maria Machado de Assis
A M. Ferreira Guimarães (1863) Dous horizonte fecham nossa vida: Um horizonte, — a saudade Do que não há de voltar; Outro horizonte, — a esperança Dos tempos que hão de chegar; No presente, — sempre escuro, — Vive a alma ambiciosa Na ilusão voluptuosa Do passado e do futuro. Os doces brincos da infância Sob as asas maternais, O vôo das andorinhas, A onda viva e os rosais. O gozo do amor, sonhado Num olhar profundo e ardente, Tal é na hora presente O horizonte do passado. Ou ambição de grandeza Que no espírito calou, Desejo de amor sincero Que o coração não gozou; Ou um viver calmo e puro À alma convalescente, Tal é na hora presente O horizonte do futuro. No breve correr dos dias Sob o azul do céu, — tais são Limites no mar da vida: Saudade ou aspiração; Ao nosso espírito ardente, Na avidez do bem sonhado, Nunca o presente é passado, Nunca o futuro é presente. Que cismas, homem? — Perdido No mar das recordações, Escuto um eco sentido Das passadas ilusões. Que buscas, homem? — Procuro, Através da imensidade, Ler a doce realidade Das ilusões do futuro. Dous horizontes fecham nossa vida.
Joaquim Maria Machado de Assis
Um homem, — era aquela noite amiga, Noite cristã, berço do Nazareno, — Ao relembrar os dias de pequeno, E a viva dança, e a lépida cantiga, Quis transportar ao verso doce e ameno As sensações da sua idade antiga, Naquela mesma velha noite amiga, Noite cristã, berço do Nazareno. Escolheu o soneto . . . A folha branca Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca, A pena não acode ao gesto seu. E, em vão lutando contra o metro adverso, Só lhe saiu este pequeno verso: "Mudaria o Natal ou mudei eu?"
Joaquim Maria Machado de Assis
Noite: abrem-se as flores . . . Que esplendores! Cíntia sonha seus amores Pelo céu. Tênues as neblinas Às campinas Descem das colinas, Como um véu. Mãos em mãos travadas, Animadas, Vão aquelas fadas Pelo ar; Soltos os cabelos, Em novelos, Puros, louros, belos, A voar. — "Homem, nos teus dias Que agonias, Sonhos, utopias, Ambições; Vivas e fagueiras, As primeiras, Como as derradeiras Ilusões! — "Quantas, quantas vidas Vão perdidas, Pombas mal feridas Pelo mal! Anos após anos, Tão insanos, Vêm os desenganos Afinal. — "Dorme: se os pesares Repousares, Vês? — por estes ares Vamos rir; Mortas, não; festivas, E lascivas, Somos — horas vivas De dormir. —"
Joaquim Maria Machado de Assis
Querida, ao pé do leito derradeiro Em que descansas dessa longa vida, Aqui venho e virei, pobre querida, Trazer-te o coração do companheiro. Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro Que, a despeito de toda a humana lida, Fez a nossa existência apetecida E num recanto pôs o mundo inteiro. Trago-te flores - restos arrancados Da terra que nos viu passar unidos E ora mortos nos deixa e separados. Que eu, se tenho nos olhos malferidos Pensamentos de vida formulados, São pensamentos idos e vividos. Machado de Assis, 1906
Joaquim Maria Machado de Assis
Vês, querida, o horizonte ardendo em chamas? Além desses outeiros Vai descambando o sol, e à terra envia Os raios derradeiros; A tarde, como noiva que enrubesce, Traz no rosto um véu mole e transparente; No fundo azul a estrela do poente Já tímida aparece. Como um bafo suavíssimo da noite, Vem sussurrando o vento, As árvores agita e imprime às folhas O beijo sonolento. A flor ajeita o cálix: cedo espera O orvalho, e entanto exala o doce aroma; Do leito do oriente a noite assoma; Como uma sombra austera. Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos, Vem, minha flor querida; Vem contemplar o céu, página santa Que o amor a ler convida; Da tua solidão rompe as cadeias; Desde o teu sombrio e mudo asilo; Encontrarás aqui o amor tranqüilo. .. Que esperas? que receias? Olha o templo de Deus, pomposo e grande; Lá do horizonte oposto A lua, como lâmpada, já surge A alumiar teu rosto; Os círios vão arder no altar sagrado, Estrelinhas do céu que um anjo acende; Olha como de bálsamos rescende A c'roa do noivado. Irão buscar-te em meio do caminho As minhas esperanças; E voltarão contigo, entrelaçadas Nas tuas longas tranças; No entanto eu preparei teu leito à sombra Do limoeiro em flor; colhi contente Folhas com que alastrei o solo ardente De verde e mole alfombra. Pelas ondas do tempo arrebatados, Até à morte iremos, Soltos ao longo do baixel da vida Os esquecidos remos. Firmes, entre o fragor da tempestade, Gozaremos o bem que amor encerra, Passaremos assim do sol da terra Ao sol da eternidade. Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária. In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.48-49. (Biblioteca Luso-Brasileira. Série brasileira
Joaquim Maria Machado de Assis
Já raro e mais escasso A noite arrasta o manto, E verte o último pranto Por todo o vasto espaço. Tíbio clarão já cora A tela do horizonte, E já de sobre o monte Vem debruçar-se a aurora À muda e torva irmã, Dormida de cansaço, Lá vem tomar o espaço A virgem da manhã. Uma por uma, vão As pálidas estrelas, E vão, e vão com elas Teus sonhos, coração. Mas tu, que o devaneio Inspiras do poeta, Não vês que a vaga inquieta Abre-te o úmido seio? Vai. Radioso e ardente, Em breve o astro do dia, Rompendo a névoa fria, Virá do roxo oriente. Dos íntimos sonhares Que a noite protegera, De tanto que eu vertera. Em lágrimas a pares. Do amor silencioso. Místico, doce, puro, Dos sonhos do futuro, Da paz, do etéreo gozo, De tudo nos desperta Luz de importuno dia; Do amor que tanto a enchia Minha alma está deserta. A virgem da manhã Já todo o céu domina . . . Espero-te, divina, Espero-te, amanhã.
Joaquim Maria Machado de Assis
Eu conheço a mais bela flor; És tu, rosa da mocidade, Nascida aberta para o amor. Eu conheço a mais bela flor. Tem do céu a serena cor, E o perfume da virgindade. Eu conheço a mais bela flor, És tu, rosa da mocidade. Vive às vezes na solidão, Como filha da brisa agreste. Teme acaso indiscreta mão; Vive às vezes na solidão. Poupa a raiva do furacão Suas folhas de azul celeste. Vive às vezes na solidão, Como filha da brisa agreste. Colhe-se antes que venha o mal, Colhe-se antes que chegue o inverno; Que a flor morta já nada val. Colhe-se antes que venha o mal. Quando a terra é mais jovial Todo o bem nos parece eterno. Colhe-se antes que venha o mal, Colhe-se antes que chegue o inverno.
Joaquim Maria Machado de Assis
O poeta chegara ao alto da montanha, E quando ia a descer a vertente do oeste, Viu uma cousa estranha, Uma figura má. Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste, Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha, Num tom medroso e agreste Pergunta o que será. Como se perde no ar um som festivo e doce, Ou bem como se fosse Um pensamento vão, Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta. Para descer a encosta O outro lhe deu a mão.
Joaquim Maria Machado de Assis
Je veux changer mes pensées en oiseaux. C. MAROT Olha como, cortando os leves ares, Passam do vale ao monte as andorinhas; Vão pousar na verdura dos palmares, Que, à tarde, cobre transparente véu; Voam também como essas avezinhas Meus sombrios, meus tristes pensamentos; Zombam da fúria dos contrários ventos, Fogem da terra, acercam-se do céu. Porque o céu é também aquela estância Onde respira a doce criatura, Filha do nosso amor, sonho da infância, Pensamento dos dias juvenis. Lá, como esquiva flor, formosa e pura, Vives tu escondida entre a folhagem, Ó rainha do ermo, ó fresca imagem Dos meus sonhos de amor calmo e feliz! Vão para aquela estância enamorados, Os pensamentos de minh'alma ansiosa; Vão contar-lhe os meus dias gozados E estas noites de lágrimas e dor. Na tua fronte pousarão, mimosa, Como as aves no cimo da palmeira, Dizendo aos ecos a canção primeira De um livro escrito pela mão do amor. Dirão também como conservo ainda No fundo de minh'alma essa lembrança De tua imagem vaporosa e linda, Único alento que me prende aqui. E dirão mais que estrelas de esperança Enchem a escuridão das noites minhas. Como sobem ao monte as andorinhas, Meus pensamentos voam para ti. Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária. In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994 v.3, p.51-52. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira
Joaquim Maria Machado de Assis
(1863) E caiu a chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta noites Gênesis — c. VII, v. 12 Do sol ao raio esplêndido, Fecundo, abençoado, A terra exausta e úmida Surge, revive já; Que a morte inteira e rápida Dos filhos do pecado Pôs termo à imensa cólera Do imenso Jeová! Que mar não foi! que túmidas As águas não rolavam! Montanhas e planícies Tudo tornou-se mar; E nesta cena lúgubre Os gritos que soavam Era um clamor uníssono Que a terra ia acabar. Em vão, ó pai atônito, Ao seio o filho estreitas; Filhos, esposos, míseros, Em vão tentais fugir! Que as águas do dilúvio Crescidas e refeitas, Vão da planície aos píncaros Subir, subir, subir! Só, como a idéia única De um mundo que se acaba, Erma, boiava intrépida, A arca de Noé; Pura das velhas nódoas De tudo o que desaba, Leva no seio incólumes A virgindade e a fé. Lá vai! Que um vento alígero, Entre os contrários ventos, Ao lenho calmo e impávido Abre caminho além . . . Lá vai! Em torno angústias, Clamores, lamentos; Dentro a esperança, os cânticos, A calma, a paz e o bem. Cheio de amor, solícito, O olhar da divindade, Vela aos escapos náufragos Da imensa aluvião. Assim, por sobre o túmulo Da extinta humanidade Salva-se um berço; o vínculo Da nova creação. Íris, da paz o núncio, O núncio do concerto, Riso do Eterno em júbilo, Nuvens do céu rasgou; E a pomba, a pomba mística, Volando ao lenho aberto, Do arbusto da planície Um ramo despencou. Ao sol e às brisas tépidas Respira a terra um hausto, Viçam de novo as árvores, Brota de novo a flor; E ao som de nossos cânticos, Ao fumo do holocausto Desaparece a cólera Do rosto do Senhor.