Poemas sobre Amizade
Versos dedicados à amizade, à importância dos amigos e ao valor desses laços especiais.
Manuel Bandeira
A vez primeira que te vi, Era eu menino e tu menina. Sorrias tanto... Havia em ti Graça de instinto, airosa e fina. Eras pequena, eras franzina... A ver-te, a rir numa gavota, Meu coração entristeceu Por quê? Relembro, nota a nota, Essa ária como enterneceu O meu olhar cheio do teu. Quando te vi segunda vez, Já eras moça, e com que encanto A adolescência em ti se fez! Flor e botão... Sorrias tanto... E o teu sorriso foi meu pranto... Já eras moça... Eu, um menino... Como contar-te o que passei? Seguiste alegre o teu destino... Em pobres versos te chorei Teu caro nome abençoei. Vejo-te agora. Oito anos faz, Oito anos faz que não te via... Quanta mudança o tempo traz Em sua atroz monotonia! Que é do teu riso de alegria? Foi bem cruel o teu desgosto. Essa tristeza é que mo diz... Ele marcou sobre o teu rosto À imperecível cicatriz: Es triste até quando sorris... Porém teu vulto conservou A mesma graça ingênua e fina... A desventura te afeiçoou À tua imagem de menina. E estás delgada, estás franzina...
Manuel Bandeira
Tu que me deste o teu carinho E que me deste o teu cuidado, Acolhe ao peito, como o ninho Acolhe o pássaro cansado, O meu desejo incontentado. Há longos anos ele arqueja Em aflitiva escuridão. Sê compassiva e benfazeja. Dá-lhe o melhor que ele deseja: — Teu grave e meigo coração. Sé compassiva. Se algum dia Te vier do pobre agravo e mágoa, Atende, à sua dor sombria: Perdoa o mau que desvaria E traz os olhos rasos de água. Não te retires ofendida. Pensa que nesse grito vem O mal de toda a minha vida: Ternura inquieta e malferida Que, antes, não dei nunca a ninguém. E foi melhor nunca a ter dado: Em te pungindo algum espinho, Cinge-a ao teu seio angustiado. E sentirás o meu carinho. E sentirás o meu cuidado.
Manuel Bandeira
— Quem me busca a esta hora tardia? — Alguém que treme de desejo. — Sou teu vale, zéfiro, e aguardo Teu hálito... A noite é tão fria! — Meu hálito não, meu bafejo, Meu calor, meu túrgido dardo. — Quanto por mais assegurada Contra os golpes de Amor me tinha, Eis que irrompes por mim deiscente... — Cântico! Púrpura! Alvorada! — Eis que me entras profundamente Como um deus em sua morada! — Como a espada em sua bainha.
Manuel Bandeira
Minha grande ternura Pelos passarinhos mortos, Pelas pequeninas aranhas. Minha grande ternura Pelas mulheres que foram meninas bonitas E ficaram mulheres feias; Pelas mulheres que foram desejáveis E deixaram de o ser; Pelas mulheres que me amaram E que eu não pude amar. Minha grande ternura Pelos poemas que Não consegui realizar. Minha grande ternura Pelas amadas que Envelheceram sem maldade. Minha grande ternura Pelas gotas de orvalho que São o único enfeite De um túmulo.
Manuel Bandeira
A tarde cai, por demais Erma, úmida e silente... A chuva, em gotas glaciais, Chora monotonamente. E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e só, Às cartas que meu avô Escrevia a minha avó. Enternecido sorrio Do fervor desses carinhos: É que os conheci velhinhos, Quando o fogo era já frio. Cartas de antes do noivado... Cartas de amor que começa, Inquieto, maravilhado, E sem saber o que peça. Temendo a cada momento Ofendê-la, desgostá-la, Quer ler em seu pensamento E balbucia, não fala... A mão pálida tremia Contando o seu grande bem. Mas, como o dele, batia Dela o coração também A paixão, medrosa dantes, Cresceu, dominou-o todo. E as confissões hesitantes Mudaram logo de modo. Depois o espinho do ciúme... A dor... a visão da morte... Mas, calmado o vento, o lume Brilhou, mais puro e mais forte. E eu bendigo, envergonhado, Esse amor, avô do meu... Do meu — fruto sem cuidado Que inda verde apodreceu. O meu semblante está enxuto. Mas a alma, em gotas mansas, Chora, abismada no luto Das minhas desesperanças... E a noite vem, por demais Erma, úmida e silente... A chuva em pingos glaciais, Cai melancolicamente. E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e só, As cartas que, meu avô Escrevia a minha avó.
Manuel Bandeira
Ingênuo enleio de surpresa, Sutil afago em meus sentidos, Foi para mim tua beleza, À tua voz nos meus ouvidos. Ao pé de ti, do mal antigo Meu triste ser convalesceu. Então me fiz teu grande amigo, E teu afeto se me deu. Mas o teu corpo tinha a graça Das aves... Musical adejo... Vela no mar que freme e passa... E assim nasceu o meu desejo. Depois, momento por momento, Eu conheci teu coração. E se mudou meu sentimento Em doce e grave adoração.
Manuel Bandeira
A lua ainda não nasceu. À escuridão propícia aos furtos, Propícia aos furtos, como o meu, De amores frívolos e curtos, Estende o manto alcoviteiro À cuja sombra, se quiseres, A mais ardente das mulheres Terá o seu único parceiro. Ei-lo. Sem glória e sem vintém, Amando os vinhos e os baralhos, Eu, nesta veste de retalhos, Sou tudo quanto te convém. Não se me dá do teu recato. Antes, polido pelo vício, Sou fácil, acomodatício, Agora beijo, agora bato, Que importa? Ao menos o teu ser Ao meu anélito corruto Esquecerá por um minuto O pesadelo de viver. E eu, vagabundo sem idade, Contra a moral e contra os códigos, Dar-te-ei entre os meus braços pródigos Um momento de eternidade...
Manuel Bandeira
A Dama Branca que eu encontrei, Faz tantos anos, Na minha vida sem lei nem rei, Sorriu-me em todos os desenganos. Era sorriso de compaixão? Era sorriso de zombaria? Não era mofa nem dó. Senão, Só nas tristezas me sorriria. E a Dama Branca sorriu também A cada júbilo interior. Sorria como querendo bem. E todavia não era amor. Era desejo? — Credo! De tísicos? Por histeria... quem sabe lá?... A Dama tinha caprichos físicos: Era uma estranha vulgívaga. Ela era o gênio da corrupção. Tábua de vícios adulterinos. Tivera amantes: uma porção. Até mulheres. Até meninos. Ao pobre amante que lhe queria, Se lhe furtava sarcástica. Com uns perjura, com outros fria, Com outros má, — A Dama Branca que eu encontrei, Há tantos anos, Na minha vida sem lei nem rei, Sorriu-me em todos os desenganos. Essa constância de anos a fio, Sutil, captara-me. E imaginai! Por uma noite de muito frio A Dama Branca levou meu pai.
Manuel Bandeira
À dona de seu encanto, À bem-amada pudica, Por quem se desvela tanto, Por quem tanto se dedica, Olhos lavados em pranto, O seu amante suplica: O que me darás, donzela, Por preço de meu amor? — Dou-te os meus olhos (disse ela), Os meus olhos sem senhor... — Ai não me fales assim! Que uma esperança tão bela Nunca será para mim! O que me darás, donzela; Por preço de meu amor? — Dou-te os meus lábios (disse ela), Os meus lábios sem senhor... — Ái não me enganes assim, Sonho meu! Coisa tão bela Nunca será para mim! O que me darás, donzela, Por preço de meu amor? — Dou-te as minhas mãos (disse ela), As minhas mãos sem senhor... — Não me escarneças assim! Bem sei que prenda tão bela Nunca será para mim! O que me darás, donzela, Por preço de meu amor? — Dou-te os meus peitos (disse ela), Os meus peitos sem senhor... — Não me tortures assim! Mentes! Dádiva tão bela Nunca será para mim! O que me darás, donzela, Por preço de meu amor? — Minha rosa e minha vida... Que por perdê-la perdida, Me desfaleço de dor... — Não me enlouqueças assim, Vida minha! Flor tão bela Nunca será para mim! O que me darás, donzela?... — Deixas-me triste e sombria. Cismo... Não atino o quê... Dava-te quanto podia... Que queres mais que te dê? Responde o moço destarte: — Teu pensamento quero eu! — Isso não... não posso dar-te... Que há muito tempo ele é teu...
Manuel Bandeira
Meu tudo, minha amada e minha amiga, Eis, compendiada toda num soneto, A minha profissão de fé e afeto, Que à confissão, posto aos teus pés, me obriga. O que n'alma guardei de muita antiga Experiência foi pena e ansiar inquieto. Gosto pouco do amor ideal objeto Só, e do amor só carnal não gosto miga. O que há melhor no amor é a iluminância. Mas, ai de nós! não vem de nós. Viria De onde? Dos céus?... Dos longes da distância?... Não te prometo os estos, a alegria, A assunção... Mas em toda circunstância Ser-te-ei sincero como a luz do dia.
Manuel Bandeira
O amor disse-me adeus, e eu disse: "Adeus, Amor! Tu fazes bem: a mocidade Quer a mocidade." Os meus amigos Me felicitam: "Como estás bem conservado!" Mas eu sei que no Louvre e outros museus, e até no nosso Há múmias do velho Egito que estão como eu bem conservadas. Sei mais que posso ainda receber e dar carinhos e ternura. Mas acho isso pouco, e exijo a iluminância, o inesperado, O trauma, o magma... Adeus, Amor! Todavia não estou sozinho. Nunca estive. A vida inteira Vivi em tête-à-tête com uma senhora magra, séria, Da maior distinção. E agora até sou seu vizinho. Tu que me lês adivinhaste ela quem é. Pois é. Portanto digo: "Adeus, Amor!" E à venerável minha vizinha: “Ao teu dispor! Mas olha, vem Para a nossa entrevista última, Pela mão da tua divina Senhora — Nossa Senhora da Boa Morte".
Manuel Bandeira
Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo. Feito isto, ainda que sem brilho Quero louvar outro tanto Quem de quem é seu amigo Sempre é amigo fiel: Esse homem bom como o trigo, Hoje cinquentão, Daniel. Louvo Daniel bom marido, Daniel bom pai, bom irmão. E esse meu dever cumprido, Cumpro a grata obrigação De desejar-lhe outro tanto De vida como a que tem. Louvo o Padre, o Filho, o Santo Espírito, e Daniel também!
Manuel Bandeira
.. esta outra vida de aquém-túmulo. Guimarães Rosa Depois de morto, quando eu chegar ao outro mundo, Primeiro quererei beijar meus pais, meus irmãos, meus avós, meus tios, meus primos. Depois irei abraçar longamente uns amigos — Vasconcelos, Ovalle, Mário... Gostaria ainda de me avistar com o santo Francisco de Assis. Mas quem sou eu? Não mereço. Isto feito, me abismarei na contemplação de Deus e de sua glória Esquecido para sempre de todas as delícias, dores, perplexidades Desta outra vida de aquém-túmulo.
Manuel Bandeira
Espelho, amigo verdadeiro, Tu refletes as minhas rugas, Os meus cabelos brancos, Os meus olhos míopes e cansados. Espelho, amigo verdadeiro, Mestre do realismo exato e minucioso, Obrigado, obrigado! Mas se fosses mágico, Penetrarias até ao fundo desse homem triste, Descobririas o menino que sustenta esse homem, O menino que não quer morrer, Que não morrerá senão comigo, O menino que todos os anos na véspera do Natal Pensa ainda em pór os seus chinelinhos atrás da porta. 1939