Poemas sobre Coragem
Versos que exaltam a coragem, a determinação e a capacidade de enfrentar desafios.
Manuel Bandeira
Tu que penaste tanto e em cujo canto Há a ingenuidade santa do menino; Que amaste os choupos, o dobrar do sino, E cujo pranto faz correr o pranto: Com que magoado olhar, magoado espanto Revejo em teu destino o meu destino! Essa dor de tossir bebendo o ar fino, A esmorecer e desejando tanto... Mas tu dormiste em paz como as crianças. Sorriu a Glória às tuas esperanças E beijou-te na boca... O lindo som! Quem me dará o beijo que cobiço? Foste conde aos vinte anos... Eu, nem isso... Eu, não terei a Glória... nem fui bom. Petrópolis, 3.2.1916
Manuel Bandeira
De Colombina o infantil borzeguim Pierrot aperta a chorar de saudade. O sonho passou. Traz magoado o rim, Magoada a cabeça exposta à umidade. Lavou o orvalho o alvaiade e o carmim. A alva desponta. Dói-lhe a claridade Nos olhos tristes. Que é dela?... Arlequim Levou-a! e dobra o desejo à maldade De Colombina. O seu desencanto não tem um fim. Pobre Pierrot! Não lhe queiras assim. Que são teus amores?... — Ingenuidade E o gosto de buscar a própria dor. Ela é de dois?... Pois aceita a metade! Que essa metade é talvez todo o amor De Colombina... 1913
Manuel Bandeira
— Juriti-pepena Tão perto do fim... — Grande é minha pena, Nem há outra assim! — Juriti-pepena, Qual é tua pena? Conta para mim! — Não posso, me'irmão, Que ela está lá dentro, Muito lá no fundo De meu coração. — Juriti-pepena, É pena de amor? — Não, é de paixão. — Ah, agora te entendo: Não há maior pena. Pobre, pobre, pobre Juriti-pepena!
Manuel Bandeira
Teus pés são voluptuosos: é por isso Que andas com tanta graça, ó Cassiopéia! De onde te vem tal chama e tal feitiço, Que dás idéia ao corpo, e corpo à idéia? Camões, valei-me! Adamastor, Magriço, Dai-me força, e tu, Vênus Citeréia, Essa doçura, esse imortal derriço... Quero também compor minha epopéia! Não cantarei Helena e a antiga Tróia, Nem as Missões e a nacional Lindóia, Nem Deus, nem Diacho! Quero, oh por quem és, Flor ou mulher, chave do meu destino, Quero cantar, como cantou Delfino, As duas curvas de dois brancos pés!
Manuel Bandeira
Ao balanço das águas, Ao trépido pulsar Da máquina, embalar As persistentes mágoas Das peremptas feridas... Beber o céu nos ventos Sabendo a sonolentos Sais e iodados-relentos. Anseios de insofridas Esperas e esperanças Diluem-se na bruma Como na vaga a espuma — Flores de espumas mansas — Que a um lado e outro abotoa Da cortadora proa. Azuis de águas e céus... Sou nada, e entanto agora Eis-me centro finito Do círculo infinito De mar e céus afora. — Estou onde está Deus.
Manuel Bandeira
Montanha e chão. Neve e lava, Humildade da umidade. Quem disse que eu não te amava? Amo-te mais que a verdade. E de resto o que é a verdade? E de resto o que é a poesia? E o que é, nesta guerra fria, Qualquer pura realidade? Então, tão-só no passado Quero situar o meu sonho. Faço como tu e, mudado Em ariesphinx, sotoponho O leão ao manso carneiro. Doçura de olhos de corça! Doçura, divina força De Jesus, de Deus cordeiro.
Manuel Bandeira
Louvo o Padre, louvo o Filho, O Espírito Santo louvo. E a com que me maravilho Louvo após, que um sofrer novo Trouxe a esta via afanosa,. Sem fé nem vez, nem defesa: Aquela que tem da rosa O nome, o aroma, a beleza. Juntei ao corpo de Vênus Sua cabeça, e estou quite Com o meu destino, que ao menos Uma feminafrodite Criei para ressarcir-me Desta paixão que, ignorada, Nem por isso é menos firme Nem mais mal-aventurada. Cada vez me maravilho Mais com o que nela há de novo: Louvo o Padre, louvo o Filho, O Espírito Santo louvo.
Manuel Bandeira
Anteontem, minha gente, Fui juiz numa função De violeiros do Nordeste Cantando em competição, Vi cantar Dimas Batista, Otacílio, seu irmão. Ouvi um tal de Ferreira, Ouvi um tal de João. Um, a quem faltava um braço, Tocava cuma só mão; Mas, como ele mesmo disse, Cantando com perfeição, Para cantar afinado, Para cantar com paixão, A força não está no braço: Ela está no coração. Ou puxando uma sextilha Ou uma oitava em quadrão, Quer a rima fosse em inha, Quer a rima fosse em ão, Caíam rimas do céu, Saltavam rimas do chão! Tudo muito bem medido No galope do sertão. A Eneida estava boba; O Cavalcanti, bobão, O Lúcio, o Renato Almeida; Enfim, toda a Comissão. Saí dali convencido Que não sou poeta não; Que poeta é quem inventa Em boa improvisação, Como faz Dimas Batista E Otacílio, seu irmão; Como faz qualquer violeiro Bom cantador do sertão, A todos os quais, humilde, Mando a minha saudação!
Manuel Bandeira
"Ó Poesia! Ó mãe moribunda" Assim clamou Banville um dia Na Europa, terra sem segunda Da grande, da nobre poesia. Aqui ficara sem sentido Esse grito de descoragem: Vives, Guilherme, e eu, comovido, Ponho a teus pés minha homenagem. Toda a alma humana, da mais funda Mágoa à mais etérea alegria, Vibra, ora grave, ora jucunda, Em teus poemas de alta mestria. Por isso, e porque sempre hás sido Em captar as vozes da aragem Mais sutil o mais fino ouvido, Ponho a teus pés minha homenagem. Se no artesanato se funda Aquela apurada euritmia Da arte melhor e mais fecunda, Há que ver na longa teoria De teus livros, no tom subido De tua lírica mensagem Il miglior fabro, como és tido: Ponho a teus pés minha homenagem. OFERTA — Príncipe do verso medido Ou livre, e da rima, e da imagem, Irmão admirado e querido, Ponho a teus pés minha homenagem.
Manuel Bandeira
Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo. Lançado o sacro estribilho Com que abro e fecho o meu canto, Recolho aqui toda a minha Mestria de velho bardo Para entoar não louvaminha Mas real louvor de Adalardo: O que dá duro e se esfalfa No batente, e cujo nome Mais por de uma estrela alfa É provável que se tome. Eis que um tanto desmaiada Esteve a estrela. Trombose? Infarto? Não! não foi nada Disso. Uma simples micose! Por causa dela sumida Andou a estrela. E o que mais é, Por um triz no mar da vida Quase a estrela perdeu pé! Mas reintegrado Adalardo Volta à roda dos amigos, Reto e rijo como um dardo, Vencedor de mil perigos, E ovante como o estribilho Do meu jubiloso canto. Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo.
Manuel Bandeira
Não é que não me fales aos sentidos, À inteligência, o instinto, o coração: Falas demais até, e com tal suasão, Que para não te ouvir selo os ouvidos. Não é que sinta gastos e abolidos Força e gosto de amar, nem haja a mão, Na dos anos penosa sucessão, Desaprendido os jogos aprendidos. E ainda que tudo em mim murchado houvera, Teu olhar saberia, senão quando, Tudo alertar em nova primavera. Sem ambições de amor ou de poder, Nada peço nem quero e — entre nós —, ando Com uma grande vontade de morrer. CANÇÃO PARA A MINHA MORTE Bem que filho do Norte Não sou bravo nem forte. Mas, como a vida amei Quero te amar, ó morte, — Minha morte, pesar Que não te escolherei. Do amor tive na vida Quanto amor pode dar: Amei não sendo amado, E sendo amado, amei. Morte, em ti quero agora Esquecer que na vida Não fiz senão amar. Sei que é grande maçada Morrer mas morrerei — Quando fores servida — Sem maiores saudades Desta madrasta vida, Que, todavia, amei.
Manuel Bandeira
Não sou barqueiro de vela, Mas sou um bom remador: No lago de São Lourenço Dei prova do meu valor! Remando contra a corrente, Ligeiro como a favor, Contra a neblina enganosa, Contra o vento zumbidor! Sou nortista destemido, Não gaúcho roncador: No lago de São Lourenço Dei prova do meu valor! Uma só coisa faltava No meu barco remador: Ver assentado na popa O vulto do meu amor... Mas isso era bom demais — Sorriso claro dos anjos, Graça de Nosso Senhor! 1938
Manuel Bandeira
Frescura das sereias e do orvalho, Graça dos brancos pés dos pequeninos, Voz das manhãs cantando pelos sinos, Rosa mais alta no mais alto galho: De quem me valerei, se não me valho De ti, que tens a chave dos destinos Em que arderam meus sonhos cristalinos Feitos cinza que em pranto ao vento espalho? Também te vi chorar... Também sofreste A dor de ver secarem pela estrada As fontes da esperança... E não cedeste! Antes, pobre, despida e trespassada, Soubeste dar à vida, em que morreste, Tudo — à vida, que nunca te deu nada! 28 de janeiro de1939
Manuel Bandeira
Aceitar O castigo imerecido, Não por fraqueza, mas por altivez. No tormento mais fundo o teu gemido Trocar num grito de ódio a quem o fez. As delícias da carne e pensamento Com que o instinto da espécie nos engana Sobpor ao generoso sentimento De uma afeição mais simplesmente humana. Não tremer de esperança nem de espanto. Nada pedir nem desejar senão A coragem de ser um novo santo Sem fé num mundo além do mundo. E então Morrer sem uma lágrima, que a vida Não vale a pena e a dor de ser vivida.
Manuel Bandeira
Depois de tamanhas dores, De tão duro cativeiro Às mãos dos interventores, Que quer o Brasil inteiro? — O Brigadeiro! Brigadeiro de verdade! E o que quer o mau patriota Que não ama a liberdade, Que prefere andar na sota? — Quer a nota! À nota tirada ao povo Pelo estado quitandeiro Rotulado Estado Novo. Quem lhe porá um paradeiro? — O Brigadeiro! Brigadeiro da esperança, Brigadeiro da lisura, Que há nele que tanto afiança À sua candidatura? — Alma pura! Pergunto ao homem do Norte, Do Centro e Sul: Companheiro, Quem dos Dezoito do Forte É o mais legítimo herdeiro? — O Brigadeiro! Brigadeiro do ar Eduardo Gomes, oh glória castiça! Que promete se chegar Ao posto que não cobiça? — À justiça! O Brasil, barco tão grande Perdido em denso nevoeiro, Pede mão firme que o mande: Deus manda que timoneiro? — O Brigadeiro! Brigadeiro da virtude, Brigadeiro da decência, Quem o ergueu a essa altitude, Lhe brindou tal ascendência? — A consciência! Abaixo a politicalha! Abaixo o politiqueiro! Votemos em quem nos valha: Quem nos vale, brasileiro? — O Brigadeiro!
Manuel Bandeira
Respondo a Guimarães Rosa Em pé de romance assim: Vou pedir ao Maçarico, Vou pedir ao Miguilim Que a mano Rosa eles digam: — "Rosa, não seja ruim. Faça a vontade do bardo, Ainda que bardo chinfrim!" E eu secundo: Mano Rosa, Rosa, rosai, rosae, rose, Vou aos meus dias pôr um fim. Antes, porém, me prometa, Pelo Senhor do Bonfim, Que à minha futura vaga Você se apresenta, sim? Muito saudar a Riobaldo, Igualmente a Diadorim!