Poemas sobre Coragem
Versos que exaltam a coragem, a determinação e a capacidade de enfrentar desafios.
José Gonçalves de Magalhães
(...) Um ai do peito a mísera soltando, A maviosa voz destarte exala: "Só, eis-me aqui no cimo da montanha, Dos meus abandonada; como um tronco Despido, inútil no alto da colina, A que os ramos quebrou Tupã co'a frecha. "Só, eis-me aqui, do velho pai ausente, Ausente do querido bem-amado, Como viúva, solitária rola Em deserto areal seu mal carpindo! "Ainda hoje o caro pai vi a meu lado; Ainda hoje o amante eu vi!. .. Fugiram ambos, Velozes como os cervos da floresta: Já fui feliz; mas hoje desgraçada!" E os ecos responderam — desgraçada! "Desgraçada!. .. E ainda vivo? Antes à guerra O pai e o bravo amante acompanhasse; Ouvindo sua voz, seu rosto vendo, Acabar a seu lado melhor fora." E os ecos responderam — melhor fora! "Gênios, que as grotas povoais e os vales, Gênios, que repetis os meus acentos, Ide, e do amado murmurai no ouvido Que a amante sua de saudades morre." E os ecos responderam — morre... morre! Morre... morre! soou por longo tempo. O canto cala um pouco a triste moça, Murmurando dos ecos o estribilho, Como se algum presságio concebesse. Os negros olhos de chorar cansados Co'as mãos ele os enxuga; mas de novo Desses doridos olhos as estanques Lágrimas brotam, que lhe o peito aljofram, Como goteja em bagas abundantes Da fendida taboca a pura linfa. (...) "Sim, morrerei. .." E mais dizer não pôde; Em meio de um gemido a voz faltou-lhe. Os lábios lhe tremiam convulsivos, Como flores batidas pelos ventos. Cruza os braços no colo, os olhos cerra, Pende a fronte, e no peito o queixo apóia, As derretidas perlas entornando: Tal num jardim a pálida açucena, De matutino orvalho o cálix cheio, Se o zéfiro a bafeja, a fronte inclina, Puros cristais em lágrimas vertendo. Não sei se dorme, ou se respira ainda; Mas parece entre pedras bela estátua, Que do abandono o desalento exprime! O sol, que ao ressurgir a viu chorosa, Nesse mesmo lugar chorosa a deixa. (...) Imagem - 00410003 Publicado no livro A Confederação dos Tamoios: poema (1856). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 1949 NOTA: Poema composto de 10 canto
José Gonçalves de Magalhães
Dos vates a antiga usança Quis respeitoso seguir, Ensaiando em anagrama Teu doce nome exprimir; Mas a mente em vão se cansa, No desejo que me inflama Nada me vem acudir. Não desistindo da idéia, Volto a ela sem cessar; Diversos nomes invento, Sem nenhum poder achar, Que seja nome de idéia, E se preste ao meu intento, Sem o teu muito ocultar. Vendo alfim que não podia Teu anagrama fazer; Que quantos eu inventava Nada queriam dizer; Uma idéia à fantasia, Quando já nada esperava, Me veio enfim socorrer. Foi idéia luminosa, Direi quase inspiração, Pois que senti de repente Palpitar-me o coração. Sua força imperiosa Foi tal, qu'eu obediente Dei-lhe pronta execução. De papel em uma fita Teu lindo nome escrevi; Pondo as letras separadas, Co'a tesoura as dividi. Cada solta letra escrita Enrolei, e baralhadas, Numa caixinha as meti. Tudo ao acaso deixando, Da sorte o cofre agitei; E tirando-as de uma em uma, Uma após outra as tracei. Oh prodígio! Oh pasmo! Quando Esta maravilha suma De um mero acaso esperei? Já Urânia — escrito estava! Foi Amor quem o escreveu! Não, não foi obra do acaso; Teu nome veio do céu! Aquele — já — me ordenava Que da Urânia do Parnaso Fosse o nome agora teu. Que para mim renascida A Musa Urânia serás. Que ao céu e a Deus minha mente Tu sempre levantarás. Musa real, não fingida, Unida a mim ternamente, Celeste amor me terás. Publicado no livro Urânia (1862). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
"(...) quero primeiro Que em torno destas pedras assentados Me contes se em combate, ou de que modo O bravo Comorim perdeu a vida." "Ai! exclama o Cacique, nenhum homem Morreu ainda por mais nobre causa! Era meu filho!... E como morreria Senão lutando tão audaz guerreiro! "Apenas há três sóis que uns Emboabas, Dos que talvez na Bertioga habitam, Naquela praia embaixo apareceram. Comorim e Iguaçu também andavam Nesse dia fatal por lá caçando. Quem podia prever um mal tão grande? Enquanto num momento, não cuidoso, Pelo bosque meu filho se entranhara, Após um caititu que lhe fugia, Sua irmã, que aqui vês, linda e garbosa, Que vence o saixé na gentileza, E excede o sabiá no meigo canto, Cantando andava só toda entretida A colher uns ingás pela restinga. (. ..) Aqueles maus a viram, tão sozinha, E assim que a viram, cobiçando-a logo, Quiseram agarrá-la. Ela, gritando, Coitada, como a rola perseguida, No mato se internou. Após correram, Cercando-a, quais jaguaras esfaimadas; Mas ela, pelo irmão chamando sempre, Rompendo as bastas, enleadas ramas, Mais ligeira do que eles lhes fugia. Um mais audaz já quase a segurava, Quando o meu Comorim aparecendo, Já com o arco entesado, e a flecha no alvo, Com pronta morte atravessou-lhe o peito. Outro, que vinha após, co'o braço alçado Para lhe disparar troante bala, Varado o braço, ali caiu bramando. Era a última flecha; e já meu filho Daquele inútil braço ia arrancá-la, E mandá-la de novo a outro ousado, Que vira mais além por entre os ramos, Que dous por detrás o aferraram, E seus punhais nas costas lhe embeberam. Comorim, mesmo assim preso e ferido, Curvou-se um pouco, e súbito saltando, O corpo sacudiu, e os rijos braços, E por terra atirou os dois contrários: Como ligeiro e forte era meu filho! E agarrando-os depois pelos cabelos, Deu co'a cabeça de um contra a do outro, Que batendo quebraram-se estalando, Como estalam batendo as sapucaias! Nenhum mais se mostrou, os mais fugiram. Entretanto Iguaçu vinha gritando, Até que ao longe viu alguns Tamoios, Que a seus gritos pungentes acudiram, E sabendo do caso, sem demora Seguindo-a, foram dar pronto socorro Ao seu valente irmão. Porém, oh mágoa! Já longe do lugar da feroz luta O acharam quase exangue e semimorto. (. ..) Imagem - 00250007 Publicado no livro A Confederação dos Tamoios: poema (1856). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 1949 NOTA: Poema composto de 10 canto
Manuel Bandeira
A Guimarães Rosa Acaba a Alegria Dizendo-nos: — Ria! Velha companheira, Boa conselheira! Por isso me rio De mim para mim. Rio, rio, rio! E digo-lhes: — Ria, Rosa, noite e dia! No calor, no frio, Ria, ria! Ria, Como lhe aconselha Essa doce velha Cheirando a alecrim, A alegre Alegria!
Manuel Bandeira
Quero banhar-me nas águas límpidas Quero banhar-me nas águas puras Sou a mais baixa das criaturas Me sinto sórdido Confiei às feras as minhas lágrimas Rolei de borco pelas calçadas Cobri meu rosto de bofetadas Meu Deus valei-me Vozes da infância contai a história Da vida boa que nunca veio E eu caia ouvindo-a no calmo seio Da eternidade.
Manuel Bandeira
Vai alto o dia. O sola pino ofusca e vibra. O ar é como de forja. A força nova e pura Da vida embriaga e exalta. E eu sinto, fibra a fibra, Avassalar-me o ser a vontade da cura. A energia vital que no ventre profundo Da Terra estuante ofega e penetra as raízes, Sobe no caule, faz todo galho fecundo E estala na amplidão das ramadas felizes, Entra-me como um vinho acre pelas narinas... Arde-me na garganta... E nas artérias sinto O bálsamo aromado e quente das resinas Que vem na exalação de cada terebinto. O furor de criação dionisíaco estua No fundo das rechãs, no flanco das montanhas, E eu absorvo-o nos sons, na glória da luz crua E ouço-o ardente bater dentro em minhas entranhas. Tenho êxtases de santo... Ânsias para a virtude... Canta em minh'alma absorta um mundo de harmonias. Vêm-me audácias de herói... Sonho o que jamais pude — Belo como Davi, forte como Golias... E neste curto instante em que todo me exalto De tudo o que não sou, gozo tudo o que invejo, E nunca o sonho humano assim subiu tão alto Nem flamejou mais bela a chama do desejo. E tudo isso me vem de vós, Mãe Natureza! Vós que cicatrizais minha velha ferida... Vós que me dais o grande exemplo de beleza E me dais o divino apetite da vida! Clavadel, 1914
Manuel Bandeira
— Quem me busca a esta hora tardia? — Alguém que treme de desejo. — Sou teu vale, zéfiro, e aguardo Teu hálito... A noite é tão fria! — Meu hálito não, meu bafejo, Meu calor, meu túrgido dardo. — Quanto por mais assegurada Contra os golpes de Amor me tinha, Eis que irrompes por mim deiscente... — Cântico! Púrpura! Alvorada! — Eis que me entras profundamente Como um deus em sua morada! — Como a espada em sua bainha.
Manuel Bandeira
Quero beber! cantar asneiras No esto brutal das bebedeiras Que tudo emborca e faz em caco... Evoé Baco! Lá se me parte a alma levada No torvelim da mascarada, A gargalhar em doudo assomo... Evoé Momo! Lacem-na toda, multicores, As serpentinas dos amores, Cobras de lívidos venenos... Evoé Vênus! Se perguntarem: Que mais queres, Além de versos e mulheres?... — Vinhos... o vinho que é o meu fraco!... Evoé Baco! O alfanje rútilo da lua, Por degolar a nuca nua Que me alucina e que eu não domo!... Evoé Momo! A Lira etérea, a grande Lira!... Por que eu extático desfira Em seu louvor versos obscenos, Evoé Vênus! 1918
Manuel Bandeira
Sou bem-nascido. Menino, Fui, como os demais, feliz. Depois, veio o mau destino E fez de mim o que quis. Veio o mau gênio da vida, Rompeu em meu coração, Levou tudo de vencida, Rugiu como um furacão, Turbou, partiu, abateu, Queimou sem razão nem dó — Ah, que dor! Magoado e só, — Só! — meu coração ardeu: Ardeu em gritos dementes Na sua paixão sombria... E dessas horas ardentes Ficou esta cinza fria. — Esta pouca cinza fria... 1917