Poemas sobre Encontros
Versos que retratam encontros significativos na vida, sejam eles românticos, amigáveis ou espirituais.
Ricardo Reis
Um verso repete Uma brisa fresca, O verão nas ervas, E vazio sofre ao sol O átrio abandonado. Ou, no inverno, ao longe Os cimos de neve, À lareira toadas Dos contos herdados, E um verso a dizê-lo. Os deuses concedem Poucos mais prazeres Que estes, que são nada. Mas também concedem Não querermos outros.
Álvaro de Campos
... Como, nos dias de grandes acontecimentos no centro da cidade, Nos bairros quase-excêntricos as conversas em silêncio às portas A expectativa em grupos... Ninguém sabe nada. Leve rastro de brisa Coisa nenhuma que é real E que, com um afago ou um sopro Toca o que há até que seja... Magnificência da naturalidade. Coração. Que Áricas inéditas em cada desejo! Que melhores coisas que tudo lá longe! Meu cotovelo toca no da vizinha do eléctrico Com uma involuntariedade fruste Curto-circuito da proximidade... Ideias ao acaso Como um balde que se entornou — Fito-o é um balde entornado... Jaz: jazo...
Ricardo Reis
Sob estas árvores ou aquelas árvores Conduzi a dança, Conduzi a dança, ninfas singelas Até ao amplo gozo Que tomais da vida. Conduzi a dança E sê quase humanas Com o vosso gozo derramado em ritmos Em ritmos solenes Que a nossa alegria torna maliciosos Para nossa triste Vida que não sabe sob as mesmas árvores Conduzir a dança...
Ricardo Reis
No momento em que vamos pelos prados E o nosso amor é um terceiro ali, Que usurpa que saibamos Um ao certo do outro, Nesse momento, em que o que vemos mesmo Sem o vermos na própria essência entra Da nossa alma comum — Lídia, nesse momento De tão sentir o amor não sei dizer-to, Antes, se falo, só dos prados falo E põe-se música ao meu Eros connosco invisível.
Ricardo Reis
No momento em que vamos pelos prados E o nosso amor é um terceiro ali, Que usurpa que saibamos Um ao certo do outro, Nesse momento, em que o que vemos mesmo Sem o vermos na própria essência entra Da nossa alma comum — Lídia, nesse momento De tão sentir o amor não sei dizer-to, Antes, se falo, só dos prados falo E põe-se música ao meu Eros connosco invisível.
Gonçalves Dias
Como se ama o silêncio, a luz, o aroma, O orvalho numa flor, nos céus a estrela, No largo mar a sombra de uma vela, Que lá na extrema do horizonte assoma; Como se ama o clarão da branca lua, Da noite na mudez os sons da flauta, As canções saudosíssimas do nauta, Quando em mole vaivém a nau flutua, Como se ama das aves o gemido, Da noite as sombras e do dia as cores, Um céu com luzes, um jardim com flores, Um canto quase em lágrimas sumido; Como se ama o crepúsculo da aurora, A mansa viração que o bosque ondeia, O sussurro da fonte que serpeia, Uma imagem risonha e sedutora; Como se ama o calor e a luz querida, A harmonia, o frescor, os sons, os céus, Silêncio, e cores, e perfume, e vida, Os pais e a pátria e a virtude e a Deus: Assim eu te amo, assim; mais do que podem Dizer-to os lábios meus, - mais do que vale Cantar a voz do trovador cansada: O que é belo, o que é justo, santo e grande Amo em ti. - Por tudo quanto sofro, Por quanto já sofri, por quanto ainda Me resta de sofrer, por tudo eu te amo. O que espero, cobiço, almejo, ou temo De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas Com quanto amor eu te amo, e de que fonte Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo! Esta oculta paixão, que mal suspeitas, Que não vês, não supões, nem te eu revelo, Só pode no silêncio achar consolo, Na dor aumento, intérprete nas lágrimas. De mim não saberás como te adoro; Não te direi jamais, Se te amo, e como, e a quanto extremo chega Esta paixão voraz! Se andas, sou o eco dos teus passos; Da tua voz, se falas; o murmúrio saudoso que responde Ao suspiro que exalas. No odor dos teus perfumes te procuro, Tuas pegadas sigo; Velo teus dias, te acompanho sempre, E não me vês contigo! Oculto e ignorado me desvelo Por ti, que me não vês; Aliso o teu caminho, esparjo flores, Onde pisam teus pés. Mesmo lendo estes versos, que m'inspiras, - "Não pensa em mim", dirás: Imagina-o, se o podes, que os meus lábios Não to dirão jamais! Sim, eu te amo; porém nunca Saberás do meu amor; A minha canção singela Traiçoeira não revela O prêmio santo que anela O sofrer do trovador! Sim, eu te amo; porém nunca Dos lábios meus saberás, Que é fundo como a desgraça, Que o pranto não adelgaça, Leve, qual sombra que passa, Ou como um sonho fugaz! Aos meus lábios, aos meus olhos Do silêncio imponho a lei; Mas lá onde a dor se esquece, Onde a luz nunca falece, Onde o prazer sempre cresce, Lá saberás se te amei! E então dirás: Objeto Fui de santo e puro amor: A sua canção singela; Tudo agora me revela; Já sei o prêmio que anela O sofrer do trovador. "Amou-me como se ama a luz querida, Como se ama o silêncio, os sons, os céus, Qual se amam cores e perfume e vida, Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!"
Gonçalves Dias
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, De vivo luzir, Estrelas incertas, que as águas dormentes Do mar vão ferir; Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Têm meiga expressão, Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta De noite cantando, — mais doce que a frauta Quebrando a solidão, Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, De vivo luzir, São meigos infantes, gentis, engraçados Brincando a sorrir. São meigos infantes, brincando, saltando Em jogo infantil, Inquietos, travessos; — causando tormento, Com beijos nos pagam a dor de um momento, Com modo gentil. Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Assim é que são; Às vezes luzindo, serenos, tranquilos, Às vezes vulcão! Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco, Tão frouxo brilhar, Que a mim me parece que o ar lhes falece, E os olhos tão meigos, que o pranto humedece Me fazem chorar. Assim lindo infante, que dorme tranquilo, Desperta a chorar; E mudo e sisudo, cismando mil coisas, Não pensa — a pensar. Nas almas tão puras da virgem, do infante, Às vezes do céu Cai doce harmonia duma Harpa celeste, Um vago desejo; e a mente se veste De pranto co'um véu. Quer sejam saudades, quer sejam desejos Da pátria melhor; Eu amo seus olhos que choram em causa Um pranto sem dor. Eu amo seus olhos tão negros, tão puros, De vivo fulgor; Seus olhos que exprimem tão doce harmonia, Que falam de amores com tanta poesia, Com tanto pudor. Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Assim é que são; Eu amo esses olhos que falam de amores Com tanta paixão.
Olavo Bilac
IV Como a floresta secular, sombria, Virgem do passo humano e do machado, Onde apenas, horrendo, ecoa o brado Do tigre, e cuja agreste ramaria Não atravessa nunca a luz do dia, Assim também, da luz do amor privado, Tinhas o coração ermo e fechado, Como a floresta secular, sombria... Hoje, entre os ramos, a canção sonora Soltam festivamente os passarinhos. Tinge o cimo das árvores a aurora... Palpitam flores, estremecem ninhos, . . E o sol do amor, que não entrava outrora, Entra dourando a areia dos caminhos.
Olavo Bilac
Na água do rio que procura o mar; No mar sem fim; na luz que nos encanta; Na montanha que aos ares se levanta; No céu sem raias que deslumbra o olhar; No astro maior, na mais humilde planta; Na voz do vento, no clarão solar; No inseto vil, no tronco secular, — A vida universal palpita e canta! Vive até, no seu sono, a pedra bruta . . . Tudo vive! E, alta noite, na mudez De tudo, — essa harmonia que se escuta Correndo os ares, na amplidão perdida, Essa música doce, é a voz, talvez, Da alma de tudo, celebrando a Vida!
Raimundo Correia
Num recesso da selva ínvia e sombria, Estrelada de flores, vicejante, Onde um rio entre seixos, espumante, Cursando o vale, túrgido, fluía; A coma esparsa, lívido o semblante, Desvairados os olhos, como fria Aparição dos túmulos, um dia Surgiu de Hamlet a lacrimosa amante; Símplices flores o seu porte lindo Ornavam... como um pranto, iam caindo As folhas de um salgueiro na corrente... E na corrente ela também tombando, Foi-se-lhe o corpo alvíssimo boiando Por sobre as águas indolentemente. Publicado no livro Sinfonias (1882). Primeiro da série Perfis Românticos, constituída por oito sonetos.
Florbela Espanca
Em atitudes e em ritmos fleugmáticos, Erguendo as mãos em gestos recolhidos, Todos brocados fúlgidos, hieráticos, Em ti andam bailando os meus sentidos... E os meus olhos serenos, enigmáticos Meninos que na estrada andam perdidos, Dolorosos, tristíssimos, extáticos, São letras de poemas nunca lidos... As magnólias abertas dos meus dedos São mistérios, são filtros, são enredos Que pecados d ́amor trazem de rastros... E a minha boca, a rútila manhã, Na Via Láctea, lírica, pagã, A rir desfolha as pétalas dos astros!...
Florbela Espanca
Diluído numa taça de ouro a arder Toledo é um rubi. E hoje é só nosso! O sol a rir...Viv ́alma...Não esboço Um gesto que me não sinta esvaecer... As tuas mãos tateiam-me a tremer... Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço, É como um jasmineiro em alvoroço Ébrio de sol, de aroma, de prazer! Cerro um pouco o olhar, onde subsiste Um romântico apelo vago e mudo - Um grande amor é sempre grave e triste. Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo... Uma torre ergue ao céu um grito agudo... Tua boca desfolha-me num beijo...
Florbela Espanca
Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes Borboletas de sol, de asas magoadas, Pousam nos meus, suaves e cansadas Como em dois lírios roxos e dolentes... E os lírios fecham... Meu amor não sentes? Minha boca tem rosas desmaiadas, E a minhas pobres mãos são maceradas Como vagas saudades de doentes... O silêncio abre as mãos... entorna rosas... Andam no ar carícias vaporosas Como pálidas sedas, arrastando... E a tua boca rubra ao pé da minha É na suavidade da tardinha. Um coração ardente palpitando...
Florbela Espanca
Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Pedaços de sorriso, branca espuma, Gargalhadas de luz, cantos dispersos, Ou pétalas que caem uma a uma... Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar, Um verso é o teu sorriso e os de Dante Eram o teu amor a soluçar Aos pés da sua estremecida amante! Meus versos!... Sei eu lá também que são... Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração Partido em mil pedaços são talvez... Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Meus soluços de dor que andam dispersos Por este grande amor em que não crês...
Florbela Espanca
Uns bezerritos bebem lentamente Na tranqüila levada do moinho. Perpassa nos seus olhos, vagamente, A sombra duma alma cor do linho! Junto deles um par. Naturalmente Namorados ou noivos. De mansinho Soltam frases d ́amor...e docemente Uma criança canta no caminho! Um trecho de paisagem campesina, Uma tela suave, pequenina, Um pedaço de terra sem igual! Oh, abre-me em teu seio a sepultura, Minha terra d ́amor e de ventura, Ó meu amado e lindo Portugal!
Florbela Espanca
Sombrios mensageiros das violetas, De longas e revoltas cabeleiras; Brancos, sois o casto olhar das virgens Pálidas que ao luar, sonham nas eiras. Vermelhos, gargalhadas triunfantes, Lábios quentes de sonhos e desejos, Carícias sensuais d ́amor e gozo; Crisântemos de sangue, vós sois beijos! Os amarelos riem amarguras, Os roxos dizem prantos e torturas, Há-os também cor de fogo, sensuais... Eu amo os crisântemos misteriosos Por serem lindos, tristes e mimosos, Por ser a flor de que tu gostas mais!
Florbela Espanca
Horas profundas, lentas e caladas Feitas de beijos rubros e ardentes, De noites de volúpia, noites quentes Onde há risos de virgens desmaiadas... Oiço olaias em flor às gargalhadas... Tombam astros em fogo, astros dementes, E do luar os beijos languescentes São pedaços de prata p'las estradas... Os meus lábios são brancos como lagos... Os meus braços são leves como afagos, Vestiu-os o luar de sedas puras... Sou chama e neve e branca e mist'riosa... E sou, talvez, na noite voluptuosa, Ó meu Poeta, o beijo que procuras! Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"
Florbela Espanca
Por essa vida fora hás-de adorar Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca, Em infinito anseio hás de beijar Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca! Hás de guardar em cofre perfumado Cabelos d´ouro e risos de mulher, Muito beijo d´amor apaixonado; E não te lembrarás de mim sequer... Hás de tecer uns sonhos delicados... Hão de por muitos olhos magoados, Os teus olhos de luz andar imersos!... Mas nunca encontrarás p´la vida fora, Amor assim como este amor que chora Neste beijo d´amor que são meus versos!... Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"