Poemas sobre Liberdade
Versos que exploram o valor da liberdade, seja ela individual, cultural ou social.
Ricardo Reis
Cumpre a lei, seja vil ou vil tu sejas. Pouco pode o homem contra a externa vida. Deixa haver a injustiça. Nada muda, que mudes. Não tens mais reino que a doada mente. Essa, em que és servo, grato o Fado e os Deuses, Governa, até à fronteira, Onde a vontade finge. Aí vencido, tu por vencedores Os grandes deuses e o Destino ostentas. Não há a dupla derrota De derrota e vileza. Assim penso, e esta súbita justiça Com que queremos moderar as cousas, Expilo, como a um servo Intromissor da mente. Se nem de mim posso ser dono, como Quero ser dono ou lei do que acontece Onde me a mente e corpo <b><i> </i></b>Não são mais do que parte? Basta-me que me baste, e o resto gire Na órbita prevista, em que até os deuses Giram, sois centros servos De um movimento externo.
Gonçalves Dias
(...) E nessas cidades, vilas e aldeias, nos seus cais, praças e chafarizes — vi somente — escravos! E à porta ou no interior dessas casas mal construídas e nesses palácios sem elegância — escravos! E no adro ou debaixo das naves dos templos — de costas para as imagens sagradas, sem temor, como sem respeito — escravos! E nas jangadas mal tecidas — e nas canoas de um só toro de madeira — escravos; — e por toda a parte — escravos!!... Por isto o estrangeiro que chega a algum porto do vasto império — consulta de novo a sua derrota e observa atentamente os astros — porque julga que um vento inimigo o levou às costas d'África. E conhece por fim que está no Brasil — na terra da liberdade, na terra ataviada de primores e esclarecida por um céu estrelado e magnífico! Mas grande parte da sua população é escrava — mas a sua riqueza consiste nos escravos — mas o sorriso — o deleite do seu comerciante — do seu agrícola — e o alimento de todos os seus habitantes é comprado à custa do sangue do escravo! E nos lábios do estrangeiro, que aporta ao Brasil, desponta um sorriso irônico e despeitoso — e ele diz consigo, que a terra — da escravidão — não pode durar muito; porque ele é crente, e sabe que os homens são feitos do mesmo barro — sujeitos às mesmas dores e às mesmas necessidades. Poema integrante da série Capítulo I. In: DIAS, Gonçalves. Meditação. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1909. p.10-1