Florbela Espanca
Florbela Espanca foi uma importante poetisa portuguesa do século XX, conhecida por sua poesia intensa e emotiva, que aborda temas como o amor, a paixão, a solidão e a liberdade. No site mil frases, é possível encontrar uma seleção de poemas de Florbela Espanca que refletem sua habilidade de captar os sentimentos mais profundos e expressá-los de maneira poética e sensível. Entre os poemas de Florbela Espanca disponíveis no site, encontram-se alguns de seus mais famosos, como "Noite", "Amor" e "Solidão", que falam sobre temas universais e profundamente humanos de maneira lírica e poética. A poesia de Florbela Espanca é uma leitura obrigatória para todos os amantes da poesia portuguesa e para aqueles que buscam se conectar com os sentimentos mais profundos e universais da humanidade.
Florbela Espanca
À tua porta há um pinheiro manso De cabeça pendida, a meditar, Amor! Sou eu, talvez, a contemplar Os doces sete palmos do descanso. Sou eu que para ti atiro e lanço, Como um grito, meus ramos pelo ar, Sou eu que estendo os braços a chamar Meu sonho que se esvai e não alcanço. Eu que do sol filtro os ruivos brilhos Sobre as louras cabeças dos teus filhos Quando o meio-dia tomba sobre a serra... E, à noite, a sua voz dolente e vaga É o soluço da minha alma em chaga: Raiz morta de sede sob a terra!
Florbela Espanca
Manto de seda azul, o céu reflete Quanta alegria na minha alma vai! Tenho os meus lábios úmidos: tomai A flor e o mel que a vida nos promete! Sinfonia de luz meu corpo não repete O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai! Iguala o sol que sempre às ondas cai, Sem que a visão dos poentes se complete! Meus pequeninos seios cor-de-rosa, Se os roça ou prende a tua mão nervosa, Têm a firmeza elástica dos gamos... Para os teus beijos, sensual, flori! E amendoeira em flor, só ofereço os ramos, Só me exalto e sou linda para ti!
Florbela Espanca
Trazes-me em tuas mãos de vitorioso Todos os bens que a vida me negou, E todo um roseiral, a abrir, glorioso Que a solitária estrada perfumou. Neste meio-dia límpido, radioso, Sinto o teu coração que Deus talhou Num pedaço de bronze luminoso, Como um berço onde a vida me pousou. O silêncio, ao redor, é uma asa quieta... E a tua boca que sorri e anseia, Lembra um cálix de tulipa entreaberta... Cheira a ervas amargas, cheira a sândalo... E o meu corpo ondulante de sereia Dorme em teus braços másculos de vândalo...
Florbela Espanca
Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada ... a dolorida ... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber por quê... Sou talvez a visão que alguém sonhou. Alguém que veio ao mundo pra me ver, E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
Tirar dentro do peito a emoção, A lúcida verdade, o sentimento! - E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!... Sonhar um verso d ́alto pensamento, E puro como um ritmo d ́oração! - E ser, depois de vir do coração, O pó, o nada, o sonho dum momento!... São assim ocos, rudes, os meus versos: Rimas perdidas, vendavais dispersos, Com que eu iludo os outros, com que minto! Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
Florbela Espanca
A minha dor é um convento ideal Cheio de claustros, sombras, arcarias, Aonde a pedra em convulsões sombrias Tem linhas dum requinte escultural. Os sinos têm dobres d ́agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal... E todos têm sons de funeral Ao bater horas, no correr dos dias... A minha dor é um convento. Há lírios Dum roxo macerado de martírios, Tão belos como nunca os viu alguém! Nesse triste convento aonde eu moro, Noites e dias rezo e grito e choro! E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
Florbela Espanca
A flor do sonho, alvíssima, divina Miraculosamente abriu em mim, Como se uma magnólia de cetim Fosse florir num muro todo em ruína. Pende em meu seio a haste branda e fina. E não posso entender como é que, enfim, Essa tão rara flor abriu assim!... Milagre... fantasia... ou talvez, sina.... Ó flor, que em mim nasceste sem abrolhos, Que tem que sejam tristes os meus olhos Se eles são tristes pelo amor de ti?!... Desde que em mim nasceste em noite calma, Voou ao longe a asa da minh ́alma E nunca, nunca mais eu me entendi...
Florbela Espanca
A noite vem pousando devagar Sobre a terra que inunda de amargura... E nem sequer a bênção do luar A quis tornar divinamente pura... Ninguém vem atrás dela a acompanhar A sua dor que é cheia de tortura... E eu ouço a noite a soluçar! E eu ouço soluçar a noite escura! Por que é assim tão ́scura, assim tão triste?! É que, talvez, ó noite, em ti existe Uma saudade igual à que eu contenho! Saudade que eu nem sei donde me vem... Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!... Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!
Florbela Espanca
Deixa-me ser a tua amiga, amor; A tua amiga só, já que não queres Que pelo teu amor seja a melhor A mais triste de todas as mulheres. Que só, de ti, me venha mágoa e dor O que me importa, a mim?! O que quiseres É sempre um sonho bom! Seja o que for Bendito sejas tu por mo dizeres! Beija-me as mãos, amor, devagarinho... Como se os dois nascêssemos irmãos, Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho... Beija-mas bem!... Que fantasia louca Guardar assim, fechados, nestas mãos, Os beijos que sonhei pra minha boca!...
Florbela Espanca
Tudo é vaidade neste mundo vão... Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada! E mal desponta em nós a madrugada, Vem logo a noite encher o coração! Até o amor nos mente, essa canção Que nosso peito ri `a gargalhada, Flor que é nascida e logo desfolhada, Pétalas que se pisam pelo chão!... Beijos d ́amor? Pra quê?!... Tristes vaidades! Sonhos que logo são realidades, Que nos deixam a alma como morta! Só acredita neles quem é louca! Beijos d ́amor que vão de boca em boca, Como pobres que vão de porta em porta!...
Florbela Espanca
Se os que me viram já cheia de graça Olharem bem de frente para mim, Talvez, cheios de dor, digam assim: "Já ela é velha! Como o tempo passa!..." Não sei rir e cantar por mais que faça! Ó minhas mãos talhadas em marfim, Deixem esse fio de ouro que esvoaça! Deixem correr a vida até ao fim! Tenho vinte e três anos! Sou velhinha! Tenho cabelos brancos e sou crente... Já murmuro orações... falo sozinha... E o bando cor-de-rosa dos carinhos Que tu me fazes, olho-os indulgente, Como se fosse um bando de netinhos...
Florbela Espanca
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste: "Parece Sexta-feira da Paixão. Sempre a cismar, cismar, d ́olhos no chão, Sempre a pensar na dor que não existe... O que é que tem?! Tão nova e sempre triste! Faça por ́star contente! Pois então?!..." Quando se sofre, o que se diz é vão... Meu coração, tudo, calado ouviste... Os meus males ninguém mos adivinha... A minha dor não fala, anda sozinha... Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!... Os males d ́Anto toda a gente os sabe! Os meus...ninguém... A minha dor não cabe Nos cem milhões de versos que eu fizera!...
Florbela Espanca
Não sei quem és. Já não te vejo bem... E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...) Sonho que um outro sonho me desfez? Fantasma de que amor? Sombra de quem? Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?... - Não sei se tu, amor, assim me vês!... Nossos olhos não são nossos, talvez... Assim, tu não és tu! Não és ninguém!... És tudo e não és nada... És a desgraça... És quem nem sequer vejo; és um que passa... És sorriso de Deus que não mereço... És aquele que vive e que morreu... És aquele que é quase um outro eu... És aquele que nem sequer conheço...
Florbela Espanca
Brancas, suaves mãos de irmã Que são mais doces que as das rainhas, Hão de pousar em tuas mãos, as minhas Numa carícia transcendente e vã. E a tua boca a divinal manhã Que diz as frases com que me acarinhas, Há de pousar nas dolorosas linhas Da minha boca purpurina e sã. Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes; Só eles te dirão que tu existes Dentro de mim num riso d’alvorada! E nunca se amará ninguém melhor; Tu calando de mim o teu amor, Sem que eu nunca do meu te diga nada!...
Florbela Espanca
Eu era a desdenhosa, a indiferente. Nunca sentira em mim o coração Bater em violências de paixão, Como bate no peito à outra gente. Agora, olhas-me tu altivamente, Sem sombra de desejo ou de emoção, Enquanto as asas louras da ilusão Abrem dentro de mim ao sol nascente. Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte; Como nascida em carinhoso monte, Toda ela é riso, e é frescura e graça! Nela refresca a boca um só instante... Que importa?... Se o cansado viandante Bebe em todas as fontes... quando passa?...
Florbela Espanca
Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera Não lembrar! Em tardes dolorosas Lembro-me que fui a primavera Que em muros velhos faz nascer as rosas! As minhas mãos outrora carinhosas Pairavam como pombas... Quem soubera Por que tudo passou e foi quimera, E por que os muros velhos não dão rosas! São sempre os que eu recordo que me esquecem... Mas digo para mim: "Não me merecem..." E já não fico tão abandonada! Sinto que valho mais, mais pobrezinha: Que também é orgulho ser sozinha E também é nobreza não ter nada!
Florbela Espanca
Procurei o amor, que me mentiu. Pedi à vida mais do que ela dava; Eterna sonhadora edificava Meu castelo de luz que me caiu! Tanto clarão nas trevas refulgiu, E tanto beijo a boca me queimava! E era o sol que os longes deslumbrava Igual a tanto sol que me fugiu! Passei a vida a amar e a esquecer... Atrás do sol dum dia outro a aquecer As brumas dos atalhos por onde ando... E este amor que assim me vai fugindo É igual a outro amor que vai surgindo, Que há-de partir também... nem eu sei quando...
Florbela Espanca
Eu bebo a vida, a vida, a longos tragos Como um divino vinho de Falerno! Pousando em ti o meu olhar eterno Como pousam as folhas sobre os lagos... Os meus sonhos agora são mais vagos... O teu olhar em mim, hoje, é mais terno... E a vida já não é o rubro inferno Todo fantasmas tristes e pressagos! A vida, meu amor, quero vivê-la! Na mesma taça erguida em tuas mãos, Bocas unidas, hemos de bebê-la! Que importa o mundo e as ilusões defuntas?... Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?... O mundo, amor! ... As nossas bocas juntas!...
Florbela Espanca
A luz desmaia num fulgor d’aurora, Diz-nos adeus religiosamente... E eu que não creio em nada, sou mais crente Do que em menina, um dia, o fui... outrora... Não sei o que em mim ri, o que em mim chora, Tenho bênçãos de amor pra toda a gente! E a minha alma, sombria e penitente Soluça no infinito desta hora! Horas tristes que vão ao meu rosário... Ó minha cruz de tão pesado lenho! Ó meu áspero e intérmino Calvário! E a esta hora tudo em mim revive: Saudades de saudades que não tenho... Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...
Florbela Espanca
Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes Borboletas de sol, de asas magoadas, Pousam nos meus, suaves e cansadas Como em dois lírios roxos e dolentes... E os lírios fecham... Meu amor não sentes? Minha boca tem rosas desmaiadas, E a minhas pobres mãos são maceradas Como vagas saudades de doentes... O silêncio abre as mãos... entorna rosas... Andam no ar carícias vaporosas Como pálidas sedas, arrastando... E a tua boca rubra ao pé da minha É na suavidade da tardinha. Um coração ardente palpitando...
Florbela Espanca
Viver!... Beber o vento e o sol!... Erguer Ao céu os corações a palpitar! Deus fez os nossos braços pra prender, E a boca fez-se sangue pra beijar! A chama, sempre rubra, ao alto a arder!... Asas sempre perdidas a pairar, Mais alto para as estrelas desprender!... A glória!... A fama!... O orgulho de criar!... Da vida tenho o mel e tenho os travos No lago dos meus olhos de violetas, Nos meus beijos estáticos, pagãos!... Trago na boca o coração dos cravos! Boêmios, vagabundos, e poetas: - Como eu sou vossa irmã, ó meus irmãos!..
Florbela Espanca
Ser a moça mais linda do povoado, Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, Ver descer sobre o ninho aconchegado A bênção do Senhor em cada filho. Um vestido de chita bem lavado, Cheirando a alfazema e a tomilho... Com o luar matar a sede ao gado, Dar às pombas o sol num grão de milho... Ser pura como a água da cisterna, Ter confiança numa vida eterna Quando descer à "terra da verdade"... Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza! Dou por elas meu trono de princesa, E todos os meus reinos de ansiedade.
Florbela Espanca
Eu trago-te nas mãos o esquecimento Das horas más que tens vivido, amor! E para as tuas chagas o ungüento Com que sarei a minha própria dor. Os meus gestos são ondas de Sorrento... Trago no nome as letras duma flor... Foi dos meus olhos garços que um pintor Tirou a luz para pintar o vento... Dou-te o que tenho: o astro que dormita, O manto dos crepúsculos da tarde, O sol que é d ́ouro, a onda que palpita. Dou-te comigo o mundo que Deus fez! - Eu sou aquela de quem tens saudade, A princesa de conto: "Era uma vez..."