Florbela Espanca
Florbela Espanca foi uma importante poetisa portuguesa do século XX, conhecida por sua poesia intensa e emotiva, que aborda temas como o amor, a paixão, a solidão e a liberdade. No site mil frases, é possível encontrar uma seleção de poemas de Florbela Espanca que refletem sua habilidade de captar os sentimentos mais profundos e expressá-los de maneira poética e sensível. Entre os poemas de Florbela Espanca disponíveis no site, encontram-se alguns de seus mais famosos, como "Noite", "Amor" e "Solidão", que falam sobre temas universais e profundamente humanos de maneira lírica e poética. A poesia de Florbela Espanca é uma leitura obrigatória para todos os amantes da poesia portuguesa e para aqueles que buscam se conectar com os sentimentos mais profundos e universais da humanidade.
Florbela Espanca
Até agora eu não me conhecia, Julgava que era eu e eu não era Aquela que em meus versos descrevera Tão clara como a fonte e como o dia. Mas que eu não era eu não o sabia E, mesmo que o soubesse, o não dissera... Olhos fitos em rútila quimera Andava atrás de mim... E não me via! Andava a procurar-me - pobre louca! - E achei o meu olhar no teu olhar, E a minha boca sobre a tua boca! E esta ânsia de viver, que nada acalma, É a chama da tua alma a esbrasear As apagadas cinzas da minha alma!
Florbela Espanca
Meu amor! Meu amante! Meu amigo! Colhe a hora que passa, hora divina, Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo! Sinto-me alegre e forte! Sou menina! Eu tenho, amor, a cinta esbelta e fina... Pele dourada de alabastro antigo... Frágeis mãos de madona florentina... - Vamos correr e rir por entre o trigo! Há rendas de gramíneas pelos montes... Papoulas rubras nos trigais maduros... Água azulada a cintilar nas fontes... E à volta, amor... tornemos, nas alfombras Dos caminhos selvagens e escuros, Num astro só as nossas duas sombras...
Florbela Espanca
Na vida nada tenho e nada sou; Eu ando a mendigar pelas estradas... No silêncio das noites estreladas Caminho, sem saber para onde vou! Tinha o manto do sol... quem mo roubou?! Quem pisou minhas rosas desfolhadas?! Quem foi que sobre as ondas revoltadas A minha taça de ouro espedaçou? Agora vou andando e mendigando, Sem que um olhar dos mundos infinitos Veja passar o verme, rastejando... Ah, quem me dera ser como os chacais Uivando os brados, rouquejando os gritos Na solidão dos ermos matagais!...
Florbela Espanca
Quanta mulher no teu passado, quanta! Tanta sombra em redor! Mas que me importa? Se delas veio o sonho que conforta, A sua vinda foi três vezes santa! Erva do chão que a mão de Deus levanta, Folhas murchas de rojo à tua porta... Quando eu for uma pobre coisa morta, Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta! Mas eu sou a manhã: apago estrelas! Hás de ver-me, beijar-me em todas elas, Mesmo na boca da que for mais linda! E quando a derradeira, enfim, vier, Nesse corpo vibrante de mulher Será o meu que hás de encontrar ainda..
Florbela Espanca
Diluído numa taça de ouro a arder Toledo é um rubi. E hoje é só nosso! O sol a rir...Viv ́alma...Não esboço Um gesto que me não sinta esvaecer... As tuas mãos tateiam-me a tremer... Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço, É como um jasmineiro em alvoroço Ébrio de sol, de aroma, de prazer! Cerro um pouco o olhar, onde subsiste Um romântico apelo vago e mudo - Um grande amor é sempre grave e triste. Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo... Uma torre ergue ao céu um grito agudo... Tua boca desfolha-me num beijo...
Florbela Espanca
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de infinito! Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim... É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
A noite empalidece.Alvorecer... Ouve-se mais o gargalhar da fonte... Sobre a cidade muda, o horizonte É uma orquídea estranha a florescer. Há andorinhas prontas a dizer A missa d ́alva, mal o sol desponte. Gritos de galos soam monte em monte Numa intensa alegria de viver. Passos ao longe...um vulto que se esvai... Em cada sombra Colombina trai... Anda o silêncio em volta a q ́rer falar... E o luar que desmaia, macerado, Lembra, pálido, tonto, esfarrapado, Um Pierrot, todo branco, a soluçar..
Florbela Espanca
Nesse país de lenda, que me encanta, Ficaram meus brocados, que despi, E as jóias que p ́las aias reparti Como outras rosas de Rainha Santa! Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta! Foi por lá que as semeei e que as perdi... Mostrem-me esse País onde eu nasci! Mostrem-me o reino de que eu sou infanta! Ó meu país de sonho e de ansiedade, Não sei se esta quimera que me assombra, É feita de mentira ou de verdade! Quero voltar! Não sei por onde vim... Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra Por entre tanta sombra igual a mim!
Florbela Espanca
Amiga... noiva... irmã... o que quiseres! Por ti, todos os céus terão estrelas, Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las, Ao beijar a esmola que me deres. Podes amar até outras mulheres! - Hei de compor, sonhar palavras belas, Lindos versos de dor só para elas, Para em lânguidas noites lhes dizeres! Crucificada em mim, sobre os meus braços, Hei de pousar a boca nos teus passos Pra não serem pisados por ninguém. E depois... Ah, depois de dores tamanhas, Nascerás outra vez de outras entranhas, Nascerás outra vez de uma outra mãe!
Florbela Espanca
Não me digas adeus, ó sombra amiga, Abranda mais o ritmo dos teus passos; Sente o perfume da paixão antiga, Dos nossos bons e cândidos abraços! Sou dona de místicos cansaços, A fantástica e estranha rapariga Que um dia ficou presa nos teus braços... Não vás ainda embora, ó sombra amiga! Teu amor fez de mim um lago triste: Quantas ondas a rir que não lhe ouviste, Quanta canção de ondinas lá no fundo! Espera...espera...ó minha sombra amada... Vê que pra além de mim já não há nada E nunca mais me encontrarás neste mundo!
Florbela Espanca
Neste tormento inútil, neste empenho De tornar em silêncio o que em mim canta, Sobem-me roucos brados à garganta Num clamor de loucura que contenho. Ó alma da charneca sacrossanta, Irmã da alma rútila que eu tenho, Dize para onde eu vou, donde é que venho Nesta dor que me exalta e me alevanta! Visões de mundos novos, de infinitos, Cadências de soluços e de gritos, Fogueira a esbrasear que me consome! Dize que mão é esta que me arrasta? Nódoa de sangue que palpita e alastra... Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
Florbela Espanca
No divino impudor da mocidade, Nesse êxtase pagão que vence a sorte, Num frêmito vibrante de ansiedade, Dou-te meu corpo prometido à morte! A sombra entre a mentira e a verdade... A nuvem que arrastou o vento norte... - Meu corpo! Trago nele um vinho forte: Meus beijos de volúpia e de maldade! Trago dálias vermelhas no regaço... São os dedos do sol quando te abraço, Cravados no teu peito como lanças! E do meu corpo os leves arabescos Vão-te envolvendo em círculos dantescos Felinamente, em voluptuosas danças...
Florbela Espanca
Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera, Eu sou isto que vês: o sonho, a graça, Deu ao meu corpo, o vento, quando passa, Este ar escultural de bayadera... E de manhã o sol é uma cratera, Uma serpente de ouro que me enlaça... Trago nas mãos as mãos da primavera... E é para mim que em noites de desgraça Toca o vento Mozart, triste e solene, E à minha alma vibrante, posta a nu, Diz a chuva sonetos de Verlaine..." E, ao ver-me triste, a tília murmurou: "Já fui um dia poeta como tu... Ainda hás de ser tília como eu sou..."
Florbela Espanca
Quem me dera voltar à inocência Das coisas brutas, sãs, inanimadas, Despir o vão orgulho, a incoerência: - Mantos rotos de estátuas mutiladas! Ah! Arrancar às carnes laceradas Seu mísero segredo de consciência! Ah! Poder ser apenas florescência De astros em puras noites deslumbradas! Ser nostálgico choupo ao entardecer, De ramos graves, plácidos, absortos Na mágica tarefa de viver! Ser haste, seiva, ramaria inquieta, Erguer ao sol o coração dos mortos Na urna de ouro de uma flor aberta!...
Florbela Espanca
Quem fez ao sapo o leito carmesim De rosas desfolhadas à noitinha? E quem vestiu de monja a andorinha, E perfumou as sombras do jardim? Quem cinzelou estrelas no jasmim? Quem deu esses cabelos de rainha Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha Alma a sangrar? Quem me criou a mim? Quem fez os homens e deu vida aos lobos? Santa Tereza em místicos arroubos? Os monstros? E os profetas? E o luar? Quem nos deu asas para andar de rastros? Quem nos deu olhos para ver os astros? - Sem nos dar braços para os alcançar?
Florbela Espanca
Na cidade de Assis, Il Poverello Santo, três vezes santo, andou pregando Que o sol, a terra, a flor, o rocio brando, Da pobreza o tristíssimo flagelo, Tudo quanto há de vil, quanto há de belo, Tudo era nosso irmão! - E assim sonhando, Pelas estradas da Umbria foi forjando Da cadeia do amor o maior elo! "Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã Água..." Ah! Poverello! Em mim, essa lição Perdeu-se como vela em mar de mágoa Batida por furiosos vendavais! - Eu fui na vida a irmã de um só irmão, E já não sou a irmã de ninguém mais!
Florbela Espanca
Horas mortas... Curvada aos pés do monte A planície é um brasido... e, torturadas, As árvores sangrentas, revoltadas, Gritam a Deus a bênção duma fonte! E quando, manhã alta, o sol posponte A ouro a giesta, a arder, pelas estradas, Esfíngicas, recortam desgrenhadas Os trágicos perfis no horizonte! Árvores! Corações, almas que choram, Almas iguais à minha, almas que imploram Em vão remédio para tanta mágoa! Árvores! Não choreis! Olhai e vede: - Também ando a gritar, morta de sede, Pedindo a Deus a minha gota d ́água!
Florbela Espanca
Queria tanto saber porque sou eu! Quem me enjeitou neste caminho escuro? Queria tanto saber porque seguro Nas minhas mãos o bem que não é meu! Quem me dirá se, lá no alto, o céu Também é para o mau, para o perjuro? Para onde vai a alma, que morreu? Queria encontrar Deus! Tanto o procuro! A estrada de Damasco, o meu caminho, O meu bordão de estrelas de ceguinho, Água da fonte de que estou sedenta! Quem sabe se este anseio de eternidade, A tropeçar na sombra, é a verdade, É já a mão de Deus que me acalenta?
Florbela Espanca
Frêmito do meu corpo a procurar-te, Febre das minhas mãos na tua pele Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel, Doído anseio dos meus braços a abraçar-te, Olhos buscando os teus por toda a parte, Sede de beijos, amargor de fel, Estonteante fome, áspera e cruel, Que nada existe que a mitigue e a farte! E vejo-te tão longe! Sinto tua alma Junto da minha, uma lagoa calma, A dizer-me, a cantar que não me amas... E o meu coração que tu não sentes, Vai boiando ao acaso das correntes, Esquife negro sobre um mar de chamas...
Florbela Espanca
Dize-me, amor, como te sou querida, Conta-me a glória do teu sonho eleito, Aninha-me a sorrir junto ao teu peito, Arranca-me dos pântanos da vida. Embriagada numa estranha lida, Trago nas mãos o coração desfeito, Mostra-me a luz, ensina-me o preceito Que me salve e levante redimida! Nesta negra cisterna em que me afundo, Sem quimeras, sem crenças, sem turnura, Agonia sem fé dum moribundo, Grito o teu nome numa sede estranha, Como se fosse, amor, toda a frescura Das cristalinas águas da montanha!
Florbela Espanca
Passam no teu olhar nobres cortejos, Frotas, pendões ao vento sobranceiros, Lindos versos de antigos romanceiros, Céus do Oriente, em brasa, como beijos, Mares onde não cabem teus desejos; Passam no teu olhar mundos inteiros, Todo um povo de heróis e marinheiros, Lanças nuas em rútilos lampejos; Passam lendas e sonhos e milagres! Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres, Em centelhas de crença e de certeza! E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim, Amor, julgo trazer dentro de mim Um pedaço da terra portuguesa!
Florbela Espanca
Este querer-te bem sem me quereres, Este sofrer por ti constantemente, Andar atrás de ti sem tu me veres Faria piedade a toda a gente. Mesmo a beijar-me a tua boca mente... Quantos sangrentos beijos de mulheres Pousa na minha a tua boca ardente, E quanto engano nos seus vãos dizeres!... Mas que me importa a mim que me não queiras, Se esta pena, esta dor, estas canseiras, Este mísero pungir, árduo e profundo, Do teu frio desamor, dos teus desdéns, É, na vida, o mais alto dos meus bens? É tudo quanto eu tenho neste mundo?
Florbela Espanca
Rasga esses versos que eu te fiz, amor! Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento, Que a cinza os cubra, que os arraste o vento, Que a tempestade os leve aonde for! Rasga-os na mente, se os souberes de cor, Que volte ao nada o nada de um momento! Julguei-me grande pelo sentimento, E pelo orgulho ainda sou maior!... Tanto verso já disse o que eu sonhei! Tantos penaram já o que eu penei! Asas que passam, todo o mundo as sente... Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida! Como se um grande amor cá nesta vida Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...