Poemas de Esperança
Poemas que celebram a esperança, inspirando otimismo e positividade, mesmo em tempos difíceis.
Manuel Bandeira
Penso em Natal. No teu Natal. Para a bondade A minh'alma se volta. Uma grande saudade Cresce em todo o meu ser magoado pela ausência. Tudo é saudade... A voz dos sinos... A cadência Do rio... E esta saudade é boa como um sonho! E esta saudade é um sonho... Evoco-te... Componho O ambiente cuja luz os teus cabelos douram. Figuro os olhos teus, tristes como eles foram No momento final de nossa despedida... O teu busto pendeu como um lírio sem vida, E tu sonhas, na paz divina do Natal... Ó minha amiga, aceita a carícia filial De minh'alma a teus pés humilhada de rastos. Seca o pranto feliz sobre os meus olhos castos... Ampara a minha fronte, e que a minha ternura Se torne insexual, mais do que humana — pura Como aquela fervente e benfazeja luz Que Madalena viu nos olhos de Jesus... Clavadel, 1913
Manuel Bandeira
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro (Embora a manhã já estivesse avançada). Chovia. Chovia uma triste chuva de resignação Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite. Então me levantei, Bebi o café que eu mesmo preparei, Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando... — Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.
Manuel Bandeira
Quando o poeta aparece, Sacha levanta os olhos claros, Onde a surpresa é o sol que vai nascer. O poeta a seguir diz coisas incríveis, Desce ao fogo central da Terra, Sobe na ponta mais alta das nuvens, Faz gurugutu pif paf, Dança de velho, Vira Exu. Sacha sorri como o primeiro arco-íris. O poeta estende os braços, Sacha vem com ele. A serenidade voltou de muito longe. Que se passou do outro lado? Sacha mediunizada — Ah — pa — papapá — papá — Transmite em Morse ao poeta A última mensagem dos Anjos. 1931
Manuel Bandeira
Ao balanço das águas, Ao trépido pulsar Da máquina, embalar As persistentes mágoas Das peremptas feridas... Beber o céu nos ventos Sabendo a sonolentos Sais e iodados-relentos. Anseios de insofridas Esperas e esperanças Diluem-se na bruma Como na vaga a espuma — Flores de espumas mansas — Que a um lado e outro abotoa Da cortadora proa. Azuis de águas e céus... Sou nada, e entanto agora Eis-me centro finito Do círculo infinito De mar e céus afora. — Estou onde está Deus.
Manuel Bandeira
Da América infeliz porção mais doente, Brasil, ao te deixar, entre a alvadia Crepuscular espuma, eu não sabia Dizer se ia contente ou descontente. Já não me entendo mais. Meu subconsciente Me serve angústia em vez de fantasia, Medos em vez de imagens. E em sombria Pena se faz passado o meu presente. Ah, se me desse Deus a força antiga, Quando eu sorria ao mal sem esperança E mudava os soluços em cantiga! Bem não é que a alma pede e não alcança. Mal sem motivo é o que ora me castiga, E ainda que dor menor, mal sem mudança. 25.7.1957
Manuel Bandeira
Não pairas mais aqui. Sei que distante Estás de mim, no grêmio de Maria Desfrutando a inefável alegria Da alta contemplação edificante. Mas foi aqui que ao sol do eterno dia Tua alma, entre assustada e confiante, Viu descender à paz purificante Teu corpo, ainda cansado da agonia. Senti-te as asas de anjo em mesto arranco Voejar aqui, retidas pelo aceno Do irmão, saudoso de teu riso franco. Quarenta anos lá vão. De teu moreno Encanto hoje que resta? O eco pequeno, Pequeno de teu sonho — um sonho branco!
Manuel Bandeira
A Moussy Ao deitar-me para a dormida, Desejara maior repouso Do que adormecer, e não ouso Desejar o jazer sem vida. Vida é possibilidade De sofrimento; quando menos, Do sofrimento da saudade, Com os seus vãos apelos e acenos. Mas a não haver outra vida, Aos que morrem pode a saudade Dar-lhes, senão a eternidade, Um prolongamento de vida. Então, por que neste momento Me sinto tão amargo assim? E a saudade me é um tal tormento, Se estás viva dentro de mim?
Manuel Bandeira
Para Odylo e Nazareth Por ser quem era e filho de quem era, Eu queria-lhe bem. Pouco eu sabia Do que no coração ele trazia. Era discreto. A sua primavera Não gritava. Tranquilo em sua espera, Não se apressava. O que é que pretendia? Fazer o bem aos outros, e o fazia: Pelos que amava tudo, e a vida, dera. E a noite veio em que, quando contente Findava ele o seu dia, a sorte fera Lhe surgiu de improviso pela frente. E o que pelos que amava a vida dera, Pela que a amava a deu valentemente, Por ser quem era e filho de quem era.
Manuel Bandeira
"Ó Poesia! Ó mãe moribunda" Assim clamou Banville um dia Na Europa, terra sem segunda Da grande, da nobre poesia. Aqui ficara sem sentido Esse grito de descoragem: Vives, Guilherme, e eu, comovido, Ponho a teus pés minha homenagem. Toda a alma humana, da mais funda Mágoa à mais etérea alegria, Vibra, ora grave, ora jucunda, Em teus poemas de alta mestria. Por isso, e porque sempre hás sido Em captar as vozes da aragem Mais sutil o mais fino ouvido, Ponho a teus pés minha homenagem. Se no artesanato se funda Aquela apurada euritmia Da arte melhor e mais fecunda, Há que ver na longa teoria De teus livros, no tom subido De tua lírica mensagem Il miglior fabro, como és tido: Ponho a teus pés minha homenagem. OFERTA — Príncipe do verso medido Ou livre, e da rima, e da imagem, Irmão admirado e querido, Ponho a teus pés minha homenagem.
Manuel Bandeira
Uns tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria. Tenho todos os motivos menos um de ser triste. Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria... Abaixo Amiel! E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff. Sim, já perdi pai, mãe, irmãos. Perdi a saúde também. É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band. Uns tomam éter, outros cocaína. Eu tomo alegria! Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda. Mistura muito excelente de chás... Esta foi açafata... — Não, foi arrumadeira. E está dançando com o ex-prefeito municipal: Tão Brasil! De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil... Há até a fração incipiente amarela Na figura de um japonês. O japonês também dança maxixe: Acugêlê banzai! A filha do usineiro de Campos Olha com repugnáância Para a crioula imoral. . No entanto o que faz a indecência da outra É dengue nos olhos maravilhosos da moça. E aquele cair de ombros... Mas ela não sabe... Tão Brasil! Ninguém se lembra de política... Nem dos oito mil quilômetros de costa... O algodão do Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa? Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos. A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca. Eu tomo alegria! Petrópolis, 1925
Manuel Bandeira
Perdi o jeito de sofrer. Ora essa. Não sinto mais aquele gosto cabotino da tristeza. Quero alegria! Me dá alegria, Santa Teresa! Santa Teresa não, Teresinha... Teresinha... Teresinha... Teresinha do Menino Jesus. Me dá alegria! Me dá a força de acreditar de novo No Pelo Sinal Da Santa Cruz! Me dá alegria! Me dá alegria, Santa Teresa!... Santa Teresa não, Teresinha... Teresinha do Menino Jesus.
Manuel Bandeira
Frescura das sereias e do orvalho, Graça dos brancos pés dos pequeninos, Voz das manhãs cantando pelos sinos, Rosa mais alta no mais alto galho: De quem me valerei, se não me valho De ti, que tens a chave dos destinos Em que arderam meus sonhos cristalinos Feitos cinza que em pranto ao vento espalho? Também te vi chorar... Também sofreste A dor de ver secarem pela estrada As fontes da esperança... E não cedeste! Antes, pobre, despida e trespassada, Soubeste dar à vida, em que morreste, Tudo — à vida, que nunca te deu nada! 28 de janeiro de1939
Manuel Bandeira
Aceitar O castigo imerecido, Não por fraqueza, mas por altivez. No tormento mais fundo o teu gemido Trocar num grito de ódio a quem o fez. As delícias da carne e pensamento Com que o instinto da espécie nos engana Sobpor ao generoso sentimento De uma afeição mais simplesmente humana. Não tremer de esperança nem de espanto. Nada pedir nem desejar senão A coragem de ser um novo santo Sem fé num mundo além do mundo. E então Morrer sem uma lágrima, que a vida Não vale a pena e a dor de ser vivida.
Manuel Bandeira
Escuta o gazal que fiz, Darling, em louvor de Hafiz: — Poeta de Chiraz, teu verso Tuas mágoas e as minhas diz. Pois no mistério do mundo Também me sinto infeliz. Falaste: “Amarei constante Aquela que não me quis.” E as filhas de Samarcanda, Cameleiros e sufis Ainda repetem os cantos Em que choras e sorris. As bem-amadas ingratas, São pó; tu, vives, Hafiz! Petrópolis, 1943
Manuel Bandeira
A doce tarde morre. E tão mansa Ela esmorece, Tão lentamente no céu de prece, Que assim parece, toda repouso, Como um suspiro de extinto gozo De uma profunda, longa esperança Que, enfim cumprida, morre, descansa... E enquanto a mansa tarde agoniza, Por entre a névoa fria do mar Toda a minh'alma foge na brisa: Tenho vontade de me matar! Oh, ter vontade de se matar... Bem sei é cousa que não se diz. Que mais a vida me pode dar? Sou tão feliz! — Vem, noite mansa...
Manuel Bandeira
A tua boca ingênua e triste E voluptuosa, que eu saberia fazer Sorrir em meio dos pesares e chorar em meio das alegrias, A tua boca ingênua e triste É dele quando ele bem quer. Os teus seios miraculosos, Que amamentaram sem perder O precário frescor da pubescência, Teus seios, que são como os seios intatos das virgens, São dele quando ele bem quer. O teu claro ventre, Onde como no ventre da terra ouço bater O mistério de novas vidas e de novos pensamentos, Teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha de mar e céu ao pôr do sol, É dele quando ele bem quer. Só não é dele a tua tristeza. Tristeza dos que perderam o gosto de viver. Dos que a vida traiu impiedosamente. Tristeza de criança que se deve afagar e acalentar. (A minha tristeza também!...) Só não é dele a tua tristeza, ó minha triste amiga! Porque ele não a quer. 1913
Manuel Bandeira
Quando perderes o gosto humilde da tristeza, Quando, nas horas melancólicas do dia, Não ouvires mais os lábios da sombra Murmurarem ao teu ouvido As palavras de voluptuosa beleza Ou de casta sabedoria; Quando a tua tristeza não for mais que amargura, Quando perderes todo estímulo e toda crença, — A fé no bem e na virtude, A confiança nos teus amigos e na tua amante, Quando o próprio dia se te mudar em noite escura De desconsolação e malquerença; Quando, na agonia de tudo o que passa Ante os olhos imóveis do infinito, Na dor de ver murcharem as rosas, E como as rosas tudo o que é belo e frágil, Não sentires em teu ânimo aflito Crescer a ânsia de vida como uma divina graça: Quando tiveres inveja, quando o ciúme Crestar os últimos lírios de tua alma desvirginada; Quando em teus olhos áridos Estancarem-se as fontes das suaves lágrimas Em que se amorteceu o pecaminoso lume De tua inquieta mocidade: Então sorri pela última vez, tristemente, À tudo o que outrora Amaste. Sorri tristemente... Sorri mansamente... em um sorriso pálido... pálido Como o beijo religioso que puseste Na fronte morta de tua mãe... sobre a sua fronte morta...
Fernando Pessoa
PRESSÁGIO Vinham, louras, de preto Ondeando até mim Pelo jardim secreto Na véspera do fim. Nos olhos toucas tinham Reflexos de um jardim Que não o por onde vinham Na véspera do fim. Mas passam... Nunca me viram E eu quanto sonhei afim A essas que se partiram Na véspera do fim. 10/04/1927
Fernando Pessoa
Como um vento na floresta, Minha emoção não tem fim. Nada sou, nada me resta. Não sei quem sou para mim. E como entre os arvoredos Há grandes sons de folhagem, Também agito segredos No fundo da minha imagem. E o grande ruído do vento Que as folhas cobrem de som Despe-me do pensamento: Sou ninguém, temo ser bom. 30/09/1930
Ricardo Reis
Sob a leve tutela De deuses descuidosos, Quero gastar as concedidas horas Desta fadada vida. Nada podendo contra O ser que me fizeram, Desejo ao menos que me haja o Fado Dado a paz por destino. Da verdade não quero Mais que a vida; que os deuses Dão vida e não verdade, nem talvez Saibam qual a verdade.