Poemas de Saudade
Seleção de poemas sobre o tema da saudade no mil-frases.com. Veja também poemas de sentimentos Os poemas de saudade são aqueles que expressam a tristeza e a saudade que sentimos quando alguém ou algo é perdido. Eles podem tratar de assuntos como o amor perdido, a morte, a mudança ou a distância. Os poemas de saudade geralmente têm um tom mais melancólico e introspectivo, e podem ser escritos de muitas maneiras diferentes, incluindo verso livre, rima ou formas tradicionais. A saudade é uma emoção que todos nós experimentamos de alguma forma, e os poemas de saudade nos permitem encontrar as palavras e as imagens que precisamos para expressar o que sentimos. Eles também nos ajudam a entender e a processar essas emoções de maneira mais profunda, e podem nos ajudar a encontrar consolo e significado em momentos de tristeza ou dificuldade.
Manuel Bandeira
Os poucos versos que aí vão, Em lugar de outros é que os ponho. Tu que me lês, deixo ao teu sonho Imaginar como serão. Neles porás tua tristeza Ou bem teu júbilo, e, talvez, Lhes acharás, tu que me lês, Alguma sombra de beleza... Quem os ouviu não os amou. Meus pobres versos comovidos! Por isso fiquem esquecidos Onde o mau vento os atirou.
Manuel Bandeira
Que é de ti, melancolia?... Onde estais, cuidados meus?... Sabei que a minha alegria É toda vinda de Deus... Deitei-me triste e sombria, E amanheci como estou... Tão contente! Todavia Minha vida não mudou. Acaso enquanto dormia Esquecida de meus ais, Um sonho bom me envolvia? Se foi, não me lembro mais... Mas se foi sonho, devia Ser bom demais para mim... Senão, não me sentiria Tão maravilhada assim. Ó minha linda alegria, Trégua dos cuidados meus, Por que não vens todo dia, Se és toda vinda de Deus? Clavadel, 1913
Manuel Bandeira
A tarde cai, por demais Erma, úmida e silente... A chuva, em gotas glaciais, Chora monotonamente. E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e só, Às cartas que meu avô Escrevia a minha avó. Enternecido sorrio Do fervor desses carinhos: É que os conheci velhinhos, Quando o fogo era já frio. Cartas de antes do noivado... Cartas de amor que começa, Inquieto, maravilhado, E sem saber o que peça. Temendo a cada momento Ofendê-la, desgostá-la, Quer ler em seu pensamento E balbucia, não fala... A mão pálida tremia Contando o seu grande bem. Mas, como o dele, batia Dela o coração também A paixão, medrosa dantes, Cresceu, dominou-o todo. E as confissões hesitantes Mudaram logo de modo. Depois o espinho do ciúme... A dor... a visão da morte... Mas, calmado o vento, o lume Brilhou, mais puro e mais forte. E eu bendigo, envergonhado, Esse amor, avô do meu... Do meu — fruto sem cuidado Que inda verde apodreceu. O meu semblante está enxuto. Mas a alma, em gotas mansas, Chora, abismada no luto Das minhas desesperanças... E a noite vem, por demais Erma, úmida e silente... A chuva em pingos glaciais, Cai melancolicamente. E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e só, As cartas que, meu avô Escrevia a minha avó.
Manuel Bandeira
Enfim te vejo. Enfim no teu Repousa o meu olhar cansado. Quanto o turvou e escureceu O pranto amargo que correu Sem apagar teu vulto amado! Porém já tudo se perdeu No olvido imenso do passado: Pois que és feliz, feliz sou eu. Enfim te vejo! Embora morra incontentado, Bendigo o amor que Deus me deu. Bendigo-o como um dom sagrado. Como o só bem que há confortado Um coração que a dor venceu! Enfim te vejo!
Manuel Bandeira
Se fosse dor tudo na vida, Seria a morte o grande bem. Libertadora apetecida, A alma dir-lhe-ia, ansiosa: — "Vem! "Quer para a bem-aventurança "A Leves de um mundo espiritual "A minha essência, onde a esperança "Pôs o seu hálito vital; "Quer, no mistério que te esconde "Tu sejas, tão-somente, o fim: "— Olvido imperturbável, onde “Não restará nada de mim!” Mas horas há que marcam fundo... Feitas, em cada um de nós, De eternidades de segundo, Cuja saudade extingue a voz. Ao nosso ouvido, embaladora, A ama de todos os mortais, A esperança prometedora, Segreda coisas irreais. E a vida vai tecendo laços Quase impossíveis de romper: Tudo o que amamos são pedaços Vivos do nosso próprio ser. A vida assim nos afeiçoa, Prende. Antes fosse toda fel! Que ao se mostrar às vezes boa, Ela requinta em ser cruel...
Manuel Bandeira
Depois que a dor, depois que a desventura Caiu sobre o meu peito angustiado, Sempre te vi, solícita, a meu lado, Cheia de amor e cheia de ternura. É que em teu coração ainda perdura, Entre doces lembranças conservado, Aquele afeto simples e sagrado De nossa infância, ó meiga criatura. Por isso aqui minh'alma te abençoa: Tu foste a voz compadecida e boa Que no meu desalento me susteve. Por isso eu te amo, e, na miséria minha, Suplico aos céus que a mão de Deus te leve E te faça feliz, minha irmãzinha... Clavadel, 1913
Manuel Bandeira
Nesta quebrada de montanha, donde o mar Parece manso como em recôncavo de angra, Tudo o que há de infantil dentro em minh'alma sangra Na dor de te ter visto, é Mãe, agonizar! Entregue à sugestão evocadora do ermo, Em pranto rememoro o teu lento martírio Até quando exalaste, à ardente luz de um círio, A alma que se transia atada ao corpo enfermo. Relembro o rosto magro, onde a morte deixou Uma expressão como que atônita de espanto. (Que imagem de tão grave e prestigioso encanto Em teus olhos já meio inânimes passou?) Revejo os teus pequenos pés... A mão franzina... Tão musical... A fronte baixa... A boca exangue... A duas gerações passara já teu sangue, — Eras avó —, e morta eras uma menina. No silêncio daquela noite funeral Ouço a voz de meu pai chamando por teu nome. Mas não posso pensar em ti sem que me tome Todo a recordação medonha de teu mal! Tu, cujo coração era cheio de medos — Temias os trovões, o telegrama, o escuro — Ah, pobrezinha! um fim terrível, o mais duro, É que te sufocou com implacáveis dedos. Agora se me despedaça o coração A cada pormenor, e o revivo cem vezes, E choro neste instante o pranto de três meses (Durante os quais sorri para tua ilusão!), Enquanto que a buscar as solitárias ânsias, As mágoas sem consolo, as vontades quebradas, Voa, diluindo-se no longe das distâncias, A prece vesperal em fundas badaladas!
Manuel Bandeira
Morre a tarde. Erra no ar a divina fragrância. Fora, a mortiça luz do crepúsculo arde. Nas árvores, no oceano e no azul da distância Morre a tarde... Morrem as rosas. Minhas pálpebras se molham No pranto das desesperanças dolorosas. Sobre a mesa, pétala a pétala, se esfolham, Morrem as rosas... Morre o teu sonho?... Neste instante o pensamento Acabrunha o meu ser como um pesar medonho. Ah, por que temo assim? Dize: neste momento Morre o teu sonho...
Manuel Bandeira
O solitude! O pauvreté! Musset O céu parece de algodão. O dia morre. Choveu tanto! As minhas pálpebras estão Como embrumadas pelo pranto Sinto-o descer devagarinho, Cheio de mágoa e mansidão. A minha testa quer carinho, E pede afago a minha mão. Debalde o rio docemente Canta a monótona canção: Minh'alma é um menino doente Que a ama acalenta mas em vão. A névoa baixa. A obscuridade Cresce. Também no coração Pesada névoa de saudade Cai. Ó pobreza! Ó solidão! Clavadel, 1913
Manuel Bandeira
Quando cheguei, a tua casa sossegada, Tua casa colonial de telhas côncavas, Tinha o aspecto infeliz de casa abandonada. Tinha o ar de sofrer, numa funda saudade, A dor fina e sem remissão da tua ausência, Da tua adolescente e clara mocidade. Não havia uma flor nas roseiras desertas, E esse riso estival dos púrpuros gerânios Na treva interior das janelas abertas. A casa, hoje toda alegria hospitaleira. Era uma capelinha a que uma mão sacrílega Houvesse arrebatado a santa padroeira. Mas a santa voltou na graça do milagre, E por influição de seu gesto silente Abriram rosas, e na graça do milagre O jardim refloriu miraculosamente...
Manuel Bandeira
Uma pesada, rude canseira Toma-me todo. Por mal de mim, Ela me é cara... De tal maneira, Que às vezes gosto que seja assim... É bem verdade que me tortura Mais do que as dores que já conheço. E em tais momentos se me afigura Que estou morrendo... que desfaleço... Lembrança amarga do meu passado... Como ela punge! Como ela dói! Porque hoje o vejo mais desolado, Mais desgraçado do que ele foi... Tédios e penas cuja memória Me era mais leve que a cinza leve, Pesam-me agora... contam-me a história Do que a minh'alma quis e não teve... O ermo infinito do meu desejo Alonga, amplia cada pesar... Pesar doentio... Tudo o que vejo Tem uma tinta crepuscular... Faço em segredo canções mais tristes E mais ingênuas que as de Fortúnio: Canções ingênuas que nunca ouvistes, Volúpia obscura deste infortúnio... Às vezes volvo, por esquecê-la, À vista súplice em derredor. Mas tenho medo de que sem ela A desventura seja maior... Sem pensamentos e sem cuidados, Minh'alma tímida e pervertida, Queda-se de olhos desencantados Para o sagrado labor da vida... Teresópolis, 1912
Manuel Bandeira
Penso em Natal. No teu Natal. Para a bondade A minh'alma se volta. Uma grande saudade Cresce em todo o meu ser magoado pela ausência. Tudo é saudade... A voz dos sinos... A cadência Do rio... E esta saudade é boa como um sonho! E esta saudade é um sonho... Evoco-te... Componho O ambiente cuja luz os teus cabelos douram. Figuro os olhos teus, tristes como eles foram No momento final de nossa despedida... O teu busto pendeu como um lírio sem vida, E tu sonhas, na paz divina do Natal... Ó minha amiga, aceita a carícia filial De minh'alma a teus pés humilhada de rastos. Seca o pranto feliz sobre os meus olhos castos... Ampara a minha fronte, e que a minha ternura Se torne insexual, mais do que humana — pura Como aquela fervente e benfazeja luz Que Madalena viu nos olhos de Jesus... Clavadel, 1913
Manuel Bandeira
Do que dissestes, alma fria, Já nada vos acode mais?... Éramos sós... Fora chovia... Quanta ternura em mim havia! (Em vós também... Por que o negais?) Hoje, contudo, nem me olhais... Pobre de mim! Por que seria? Acaso arrependida estais Do que dissestes? É bem possível que o estejais... O amor é cousa fugidia... Eu, no entretanto, que em tal dia Gozei momentos sem iguais, Eu não me esquecerei jamais Do que dissestes.
Manuel Bandeira
Quando aquele que o beijo infiel traíra no Horto, Desfaleceu na cruz, das montanhas ao mar Gemeu, com grande pranto e feio soluçar, Uma voz que dizia: — "O Grande Pã é morto!... "Aquele deleitoso, almo viver absorto "No amor da natureza augusta e familiar, "O ledo rito antigo, outrem veio mudar "Em doutrina de amargo e rudo desconforto. "Faunos, morrei! Morrei, Dríades e Napéias! "Oréades gentis que a flauta do Egipã "Congraçava na relva em rondas e coréias, "Morrei! Apague o vento os tenuíssimos laivos "Dos ágeis pés sutis... Bosques, desencantai-vos... "Fontes do ermo, chorai que é morto o grande Pã!...
Manuel Bandeira
Eu quis um dia, como Schumann, compor Um carnaval todo subjetivo: Um carnaval em que o só motivo Fosse o meu próprio ser interior... Quando o acabei — a diferença que havia! O de Schumann é um poema cheio de amor, E de frescura, e de mocidade... E o meu tinha a morta mortacor Da senilidade e da amargura... — O meu carnaval sem nenhuma alegria!... 1919
Manuel Bandeira
Quando o enterro passou Os homens que se achavam no café Tiraram o chapéu maquinalmente Saudavam o morto distraídos Estavam todos voltados para a vida Absortos na vida Confiantes na vida. Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado Olhando o esquife longamente Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade Que a vida é traição E saudava a matéria que passava Liberta para sempre da alma extinta.
Manuel Bandeira
Amei Antônia de maneira insensata. Antônia morava numa casa que para mim não era casa, era um empíreo. Mas os anos foram passando. Os anos são inexoráveis. Antônia morreu. A casa em que Antônia morava foi posta abaixo. Eu mesmo já não sou aquele que amou Antônia e que Antônia não amou. Aliás, previno, muito humildemente, que isto não é crônica nem poema. E, apenas Uma nova versão, a mais recente, do tema ubi sunt, Que dedico, ofereço e consagro A meu dileto amigo Augusto Meyer.
Manuel Bandeira
Da América infeliz porção mais doente, Brasil, ao te deixar, entre a alvadia Crepuscular espuma, eu não sabia Dizer se ia contente ou descontente. Já não me entendo mais. Meu subconsciente Me serve angústia em vez de fantasia, Medos em vez de imagens. E em sombria Pena se faz passado o meu presente. Ah, se me desse Deus a força antiga, Quando eu sorria ao mal sem esperança E mudava os soluços em cantiga! Bem não é que a alma pede e não alcança. Mal sem motivo é o que ora me castiga, E ainda que dor menor, mal sem mudança. 25.7.1957
Manuel Bandeira
Quando olhada de face, era um abril. Quando olhada de lado, era um agosto. Duas mulheres numa: tinha o rosto Gordo de frente, magro de perfil. Fazia as sobrancelhas como um til; A boca, como um o (quase). Isto posto, Não vou dizer o quanto a amei. Nem gosto De me lembrar, que são tristezas mil. Eis senão quando um dia... Mas, caluda! Não me vai bem fazer uma canção Desesperada, como fez Neruda. Amor total e falho... Puro e impuro... Amor de velho adolescente... E tão Sabendo a cinza e a pêssego maduro...
Manuel Bandeira
Na calada Da alta noite, Quando a sombra é como a augusta Antecipação da morte, Grita o fauno: — "Bem que velho, Te reclamo. Bem que velho, Te desejo, Quero e chamo, O novelletum quod ludis In solitudine cordis! Ó desejada que ainda Não sabes que és desejada! Deixa os brancos véus do pejo E no inóspito jardim Das oliveiras te cobre De cilício da paixão! Respira as auras ardentes, Cospe fogo, Vira vento e furacão, Sopra rijo sobre mim, Me delabra, me ensorcela, Ninfa bela! Não jamais Ninfomaníaca: és triste, Ês calada, És elegíaca. Por isso mesmo é que te amo, Te desejo, Quero e chamo, "Ninfa! Aonde estás? Aonde?..." Grita o fauno, mas só o eco De sua voz lhe responde Na calada Da alta noite, Quando a sombra é como a augusta Antecipação da morte.
Manuel Bandeira
A Moussy Ao deitar-me para a dormida, Desejara maior repouso Do que adormecer, e não ouso Desejar o jazer sem vida. Vida é possibilidade De sofrimento; quando menos, Do sofrimento da saudade, Com os seus vãos apelos e acenos. Mas a não haver outra vida, Aos que morrem pode a saudade Dar-lhes, senão a eternidade, Um prolongamento de vida. Então, por que neste momento Me sinto tão amargo assim? E a saudade me é um tal tormento, Se estás viva dentro de mim?
Manuel Bandeira
O amor disse-me adeus, e eu disse: "Adeus, Amor! Tu fazes bem: a mocidade Quer a mocidade." Os meus amigos Me felicitam: "Como estás bem conservado!" Mas eu sei que no Louvre e outros museus, e até no nosso Há múmias do velho Egito que estão como eu bem conservadas. Sei mais que posso ainda receber e dar carinhos e ternura. Mas acho isso pouco, e exijo a iluminância, o inesperado, O trauma, o magma... Adeus, Amor! Todavia não estou sozinho. Nunca estive. A vida inteira Vivi em tête-à-tête com uma senhora magra, séria, Da maior distinção. E agora até sou seu vizinho. Tu que me lês adivinhaste ela quem é. Pois é. Portanto digo: "Adeus, Amor!" E à venerável minha vizinha: “Ao teu dispor! Mas olha, vem Para a nossa entrevista última, Pela mão da tua divina Senhora — Nossa Senhora da Boa Morte".
Manuel Bandeira
A vida Não vale a pena e a dor de ser vivida. Os corpos se entendem mas as almas não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. Vou-me embora p'ra Pasárgada! Aqui eu não sou feliz. Quero esquecer tudo: — À dor de ser homem... Este anseio infinito e vão De possuir o que me possui. Quero descansar Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei... Na vida inteira que podia ter sido e que não foi. Quero descansar. Morrer. Morrer de corpo e alma. Completamente. (Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir.) Quando a Indesejada das gentes chegar Encontrará lavrado o campo, a casa limpa. À mesa posta, Com cada coisa em seu lugar. Rio, 1965