Poemas sobre Crescimento Pessoal
Versos que exploram o processo de crescimento, autoconhecimento e evolução pessoal.
Ricardo Reis
Seguro assento na coluna firme Dos versos em que fico, Nem temo o influxo inúmero futuro Dos tempos e do olvido; Que a mente, quando, fixa, em si contempla Os reflexos do mundo, Deles se plasma torna, e à arte o mundo Cria, que não a mente. Assim na placa o externo instante grava Seu ser, durando nela. 29/01/1921 (Athena, nº 1, Outubro de 1924)
Ricardo Reis
Ad juvenem rosam offerentem A flor que és, não a que dás, eu quero. Porque me negas o que te não peço? Tão curto tempo é a mais longa vida, E a juventude nela! Flor vives, vã; porque te flor não cumpres? Se te sorver esquivo o infausto abismo, Perene velarás, absurda sombra, O que não dou buscando. Na oculta margem onde os lírios frios Da infera leiva crescem, e a corrente Monótona, não sabe onde é o dia, Sussurro gemebundo.
Ricardo Reis
Ad juvenem rosam offerentem A flor que és, não a que dás, eu quero. Porque me negas o que te não peço? Tão curto tempo é a mais longa vida, E a juventude nela! Flor vives, vã; porque te flor não cumpres? Se te sorver esquivo o infausto abismo, Perene velarás, absurda sombra, O que não dou buscando. Na oculta margem onde os lírios frios Da infera leiva crescem, e a corrente Monótona, não sabe onde é o dia, Sussurro gemebundo.
Ricardo Reis
Este, seu escasso campo ora lavrando, Ora, solene, olhando-o com a vista De quem a um filho olha, goza incerto A não-pensada vida. Das fingidas fronteiras a mudança O arado lhe não tolhe, nem o empece Per que concílios se o destino rege Dos povos pacientes. Pouco mais no presente do futuro Que as ervas que arrancou, seguro vive A antiga vida que não torna, e fica, Filhos, diversa e sua.
Ricardo Reis
Dia após dia a mesma vida é a mesma. O que decorre, Lídia, No que nós somos como em que não somos Igualmente decorre. Colhido, o fruto deperece; e cai Nunca sendo colhido. Igual é o fado, quer o procuremos, Quer o 'speremos. Sorte Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa Forma alheio e invencível. 02/09/1923
Ricardo Reis
Dia após dia a mesma vida é a mesma. O que decorre, Lídia, No que nós somos como em que não somos Igualmente decorre. Colhido, o fruto deperece; e cai Nunca sendo colhido. Igual é o fado, quer o procuremos, Quer o 'speremos. Sorte Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa Forma alheio e invencível. 02/09/1923
Ricardo Reis
Não queiras, Lídia, edificar no espaço Que figuras futuro, ou prometer-te Esta ou aquela vida. Tu própria és tua vida. Não te destines. Tu não és futura. Cumpre hoje, e a gestal taça gosta A que prevês seguinte Não gozes na que gozas. Quem sabe se entre a taça que tu bebes E a que queres que siga a muda Sorte Não interpõe, saindo, Toda (...)
Ricardo Reis
Cedo de mais vem sempre, Cloé, o inverno. É sempre prematuro, inda que o espere Nosso hábito, o esfriar Do desejo que houve. Não entardece que não morra o dia. Não nasce amor ou fé em nós que não Morra com isso ao menos O não amar ou crer. Todo o gesto que o nosso corpo faz Com o repouso anterior contrasta. Nesta má circunstância Do tempo eternos somos. Só sabe da arte com que viva a vida Aquele que, de tão contínua usá-la, Furte ao tempo a vitória Das mudanças depressa, E entardecendo como um dia trópico, Até ao fim inevitável guie Uma igual vida, súbito Precipite no abismo.
Ricardo Reis
Cedo de mais vem sempre, Cloé, o inverno. É sempre prematuro, inda que o espere Nosso hábito, o esfriar Do desejo que houve. Não entardece que não morra o dia. Não nasce amor ou fé em nós que não Morra com isso ao menos O não amar ou crer. Todo o gesto que o nosso corpo faz Com o repouso anterior contrasta. Nesta má circunstância Do tempo eternos somos. Só sabe da arte com que viva a vida Aquele que, de tão contínua usá-la, Furte ao tempo a vitória Das mudanças depressa, E entardecendo como um dia trópico, Até ao fim inevitável guie Uma igual vida, súbito Precipite no abismo.
Ricardo Reis
Sofro, Lídia, do medo do destino. Qualquer pequena cousa de onde pode Brotar uma ordem nova em minha vida, Lídia, me aterra. Qualquer cousa, qual seja, que transforme Meu plano curso de existência, embora Para melhores cousas o transforme, Por transformar Odeio, e não o quero. Os deuses dessem Que ininterrupta minha vida fosse Uma planície sem relevos, indo Até ao fim. A glória embora eu nunca haurisse, ou nunca Amor ou justa estima dessem-me outros, Basta que a vida seja só a vida E que eu a viva.
Álvaro de Campos
REGRESSO AO LAR (END OF THE BOOK) Há quanto tempo não escrevo um soneto. Mas não importa: escrevo este agora. Sonetos são infância, e, nesta hora, A minha infância é só um ponto preto, Que num imóvel e fatal trajecto Do comboio que sou me deita fora. E o soneto é como alguém que mora Há dois dias em tudo que projecto. Graças a Deus, ainda sei que há Catorze linhas a cumprir iguais Para a gente saber onde é que está... Mas onde a gente está, ou eu, não sei... Não quero saber mais de nada mais E berdamerda para o que saberei.
Ricardo Reis
Dia após dia a mesma vida é a mesma. O que decorre, Lídia, No que nós somos como em que não somos Igualmente decorre. Colhido, o fruto deperece; e cai Nunca sendo colhido. Igual é o fado, quer o procuremos, Quer o 'speremos. Sorte Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa Forma alheio e invencível. 02/09/1923
Álvaro de Campos
Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro! Vida da origem da minha inspiração! Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada. Alma abstracta e visual até aos ossos, Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo, Refúgio das saudades de todos os deuses antigos, Espírito humano da terra materna, Flor acima do dilúvio da inteligência subjectiva... Mestre, meu mestre! Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim! Meu mestre e meu guia! A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou, Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente, Natural como um dia mostrando tudo, Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade. Meu coração não aprendeu nada. Meu coração não é nada, Meu coração está perdido. Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu. Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi! Depois tudo é cansaço neste mundo onde se querem coisas, Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas, Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente. Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento Pela indiferença de toda a vila. Depois, tenho sido como as ervas arrancadas, Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido. Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça, E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém Depois, mas porque é que ensinaste a clareza da vista, Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? Porque é que me chamaste para o alto dos montes Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar? Porque é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela Como quem está carregado de ouro num deserto, Ou canta com voz divina entre ruínas? Porque é que me acordaste para a sensação e a nova alma, Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha? Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele Poeta decadente, estupidamente pretensioso, Que poderia ao menos vir a agradar, E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver. Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano! Feliz o homem marçano, Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada, Que tem a sua vida usual, Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio. Que dorme sono, Que come comida, Que bebe bebida, e por isso tem alegria. A calma que tinhas, deste-ma, e foi inquietação. Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo. Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir. 15/04/1928
Álvaro de Campos
Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro! Vida da origem da minha inspiração! Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada. Alma abstracta e visual até aos ossos, Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo, Refúgio das saudades de todos os deuses antigos, Espírito humano da terra materna, Flor acima do dilúvio da inteligência subjectiva... Mestre, meu mestre! Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim! Meu mestre e meu guia! A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou, Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente, Natural como um dia mostrando tudo, Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade. Meu coração não aprendeu nada. Meu coração não é nada, Meu coração está perdido. Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu. Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi! Depois tudo é cansaço neste mundo onde se querem coisas, Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas, Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente. Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento Pela indiferença de toda a vila. Depois, tenho sido como as ervas arrancadas, Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido. Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça, E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém Depois, mas porque é que ensinaste a clareza da vista, Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? Porque é que me chamaste para o alto dos montes Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar? Porque é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela Como quem está carregado de ouro num deserto, Ou canta com voz divina entre ruínas? Porque é que me acordaste para a sensação e a nova alma, Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha? Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele Poeta decadente, estupidamente pretensioso, Que poderia ao menos vir a agradar, E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver. Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano! Feliz o homem marçano, Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada, Que tem a sua vida usual, Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio. Que dorme sono, Que come comida, Que bebe bebida, e por isso tem alegria. A calma que tinhas, deste-ma, e foi inquietação. Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo. Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir. 15/04/1928
Álvaro de Campos
Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro! Vida da origem da minha inspiração! Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada. Alma abstracta e visual até aos ossos, Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo, Refúgio das saudades de todos os deuses antigos, Espírito humano da terra materna, Flor acima do dilúvio da inteligência subjectiva... Mestre, meu mestre! Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim! Meu mestre e meu guia! A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou, Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente, Natural como um dia mostrando tudo, Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade. Meu coração não aprendeu nada. Meu coração não é nada, Meu coração está perdido. Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu. Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi! Depois tudo é cansaço neste mundo onde se querem coisas, Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas, Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente. Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento Pela indiferença de toda a vila. Depois, tenho sido como as ervas arrancadas, Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido. Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça, E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém Depois, mas porque é que ensinaste a clareza da vista, Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? Porque é que me chamaste para o alto dos montes Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar? Porque é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela Como quem está carregado de ouro num deserto, Ou canta com voz divina entre ruínas? Porque é que me acordaste para a sensação e a nova alma, Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha? Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele Poeta decadente, estupidamente pretensioso, Que poderia ao menos vir a agradar, E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver. Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano! Feliz o homem marçano, Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada, Que tem a sua vida usual, Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio. Que dorme sono, Que come comida, Que bebe bebida, e por isso tem alegria. A calma que tinhas, deste-ma, e foi inquietação. Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo. Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir. 15/04/1928
Álvaro de Campos
PECADO ORIGINAL Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? Será essa, se alguém a escrever, A verdadeira história da humanidade. O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo; O que não há somos nós, e a verdade está aí. Sou quem falhei ser. Somos todos quem nos supusemos. A nossa realidade é o que não conseguimos nunca. Que é daquela nossa verdade – o sonho à janela do infância? Que é daquela nossa certeza – o propósito à mesa de depois? Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas Sobre o parapeito alto da janela de sacada, Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar. Que é da minha realidade, que só tenho a vida? Que é de mim, que sou só quem existo? Quantos Césares fui! Na alma, e com alguma verdade; Na imaginação, e com alguma justiça; Na inteligência, e com alguma razão – Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Quantos Césares fui! Quantos Césares fui! Quantos Césares fui! 07/12/1933
Álvaro de Campos
DACTILOGRAFIA Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano, Firmo o projecto, aqui isolado, Remoto até de quem eu sou. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, O tic-tac estalado das máquinas de escrever. Que náusea da vida! Que abjecção esta regularidade! Que sono este ser assim! Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros (Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância), Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho, Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve, Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes. Outrora. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, O tic-tac estalado das máquinas de escrever. Temos todos duas vidas: A verdadeira, que é a que sonhamos na infância, E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa; A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros, Que é a prática, a útil, Aquela em que acabam por nos meter num caixão. Na outra não há caixões, nem mortes, Há só ilustrações de infância: Grandes livros coloridos, para ver mas não ler; Grandes páginas de cores para recordar mais tarde. Na outra somos nós, Na outra vivemos; Nesta morremos, que é o que viver quer dizer; Neste momento, pela náusea, vivo na outra... Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro. Ergue a voz o tic-tac estalado das máquinas de escrever. 19/12/1933 (publicado na Presença, nº 1, 2ª série, Novembro de 1939)
Álvaro de Campos
Minha imaginação é um Arco de Triunfo. Por baixo passa roda a Vida. Passa a vida comercial de hoje, automóveis, camiões, Passa a vida tradicional nos trajes de alguns regimentos, Passam todas as classes sociais, passam todas as formas de vida, E no momento em que passam na sombra do Arco de Triunfo Qualquer coisa de triunfal cai sobre eles, E eles são, um momento, pequenos e grandes. São momentaneamente um triunfo que eu os faço ser. O Arco de Triunfo da minha Imaginação Assenta de um lado sobre Deus e do outro Sobre o quotidiano, sobre o mesquinho (segundo se julga), Sobre a faina de todas as horas, as sensações de todos os momentos, E as rápidas intenções que morrem antes do gesto. Eu-próprio, aparte e fora da minha imaginação, E contudo parte dela, Sou a figura triunfal que olha do alto do arco, Que sai do arco e lhe pertence, E fita quem passa por baixo elevada e suspensa, Monstruosa e bela. Mas às grandes horas da minha sensação, Quando em vez de rectilínea, ela é circular E gira vertiginosamente sobre si-própria, O Arco desaparece, funde-se com a gente que passa, E eu sinto que sou o Arco, e o espaço que ele abrange, E toda a gente que passa, E todo o passado da gente que passa, E todo o futuro da gente que passa, E toda a gente que passará E toda a gente que já passou. Sinto isto, e ao senti-lo sou cada vez mais A figura esculpida a sair do alto do arco Que fita para baixo O universo que passa. Mas eu próprio sou o Universo, Eu próprio sou sujeito e objecto, Eu próprio sou Arco e Rua, Eu próprio cinjo e deixo passar, abranjo e liberto, Fito de alto, e de baixo fito-me fitando, Passo por baixo, fico em cima, quedo-me dos lados, Totalizo e transcendo, Realizo Deus numa arquitectura triunfal De arco de Triunfo posto sobre o universo, De arco de triunfo construído Sobre todas as sensações de todos que sentem E sobre todas as sensações de todas as sensações... Poesia do ímpeto e do giro, Da vertigem e da explosão, Poesia dinâmica, sensacionista, silvando Pela minha imaginação fora em torrentes de fogo, Em grandes rios de chama, em grandes vulcões de lume.
Álvaro de Campos
Há tanto tempo que não sou capaz De escrever um poema extenso! Há anos... Perdi a virtude do desenvolvimento rítmico Em que a ideia e a forma, Numa unidade de corpo com alma, Unanimemente se moviam... Perdi tudo que me fazia consciente De uma certeza qualquer no meu ser... Hoje o que me resta? O sol que está sem que eu o chamasse... O dia que me não custou esforço... Uma brisa, com a festa de uma brisa Que me dão uma consciência do ar... E o egoísmo doméstico de não querer mais nada Mas, ah!, minha <i>Ode Triunfal</i> , O teu movimento rectilíneo! Ah, minha <i>Ode Marítima</i> A tua estrutura geral em estrofe antiestrofe e epodo! E os meus planos, então, os meus planos — Esses é que eram as grandes odes. E aquela a <i> </i> última a suprema a impossível!