Poemas tristes
Colecção de poemas que retratam ou descrevem melâncolia. Os poemas melâncolicos são aqueles que expressam tristeza, saudade, solidão ou outras emoções negativas. Eles podem tratar de assuntos como o amor perdido, a morte, a mudança ou a incerteza. Os poemas melâncolicos geralmente têm um tom mais sombrio e introspectivo, e podem ser escritos de muitas maneiras diferentes, incluindo verso livre, rima ou formas tradicionais. A melancolia pode ser uma emoção difícil de expressar, mas os poemas melâncolicos nos permitem encontrar as palavras e as imagens que precisamos para expressar o que sentimos. Eles também nos ajudam a entender e a processar essas emoções de maneira mais profunda, e podem nos ajudar a encontrar consolo e significado em momentos de tristeza ou dificuldade.
Joaquim Maria Machado de Assis
Je veux changer mes pensées en oiseaux. C. MAROT Olha como, cortando os leves ares, Passam do vale ao monte as andorinhas; Vão pousar na verdura dos palmares, Que, à tarde, cobre transparente véu; Voam também como essas avezinhas Meus sombrios, meus tristes pensamentos; Zombam da fúria dos contrários ventos, Fogem da terra, acercam-se do céu. Porque o céu é também aquela estância Onde respira a doce criatura, Filha do nosso amor, sonho da infância, Pensamento dos dias juvenis. Lá, como esquiva flor, formosa e pura, Vives tu escondida entre a folhagem, Ó rainha do ermo, ó fresca imagem Dos meus sonhos de amor calmo e feliz! Vão para aquela estância enamorados, Os pensamentos de minh'alma ansiosa; Vão contar-lhe os meus dias gozados E estas noites de lágrimas e dor. Na tua fronte pousarão, mimosa, Como as aves no cimo da palmeira, Dizendo aos ecos a canção primeira De um livro escrito pela mão do amor. Dirão também como conservo ainda No fundo de minh'alma essa lembrança De tua imagem vaporosa e linda, Único alento que me prende aqui. E dirão mais que estrelas de esperança Enchem a escuridão das noites minhas. Como sobem ao monte as andorinhas, Meus pensamentos voam para ti. Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária. In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994 v.3, p.51-52. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira
Cesário Verde
O mundo é velha cena ensanguentada, Coberta de remendos, picaresca; A vida é chula farsa assobiada, Ou selvagem tragédia romanesca. Eu sei um bom rapaz, -- hoje uma ossada, -- Que amava certa dama pedantesca, Perversíssima, esquálida e chagada, Mas cheia de jactância quixotesca. Aos domingos a deia já rugosa, Concedia-lhe o braço, com preguiça, E o dengue, em atitude receosa, Na sujeição canina mais submissa, Levava na tremente mão nervosa, O livro com que a amante ia ouvir missa!
Manuel Bandeira
És como um lírio alvo e franzino, Nascido ao pôr do sol, à beira d'água, Numa paisagem erma onde cantava um sino A de nascer inconsolável mágoa... A vida é amarga. O amor, um pobre gozo... Hás de amar e sofrer incompreendido, Triste lírio franzino, inquieto, ansioso, Frágil e dolorido...
Manuel Bandeira
Olho a praia. A treva é densa. Ulula o mar, que não vejo, Naquela voz sem consolo, Naquela tristeza imensa Que há na voz do meu desejo. E nesse tom sem consolo Ouço a voz do meu destino: Má sina que desconheço, Vem vindo desde eu menino, Cresce quanto em anos cresço. — Voz de oceano que não vejo Da praia do meu desejo...
Manuel Bandeira
Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional.
Manuel Bandeira
Na sala obscura, onde branqueja A mancha ebúrnea do teclado, Morre e revive, expira, arqueja O estribilho desesperado. Um Pierrot de vestes de seda Negra, ele próprio toca e canta. O timbre múrmuro segreda Uma dor que sobe à garganta. E uma tristeza de tal sorte Vem nessa pobre voz humana, Que se pensa em fugir na morte À miséria cotidiana. Como a voz, também a mão geme. E na parede se debruça A sombra pálida, que treme, De uma garganta que soluça...
Manuel Bandeira
Nesta quebrada de montanha, donde o mar Parece manso como em recôncavo de angra, Tudo o que há de infantil dentro em minh'alma sangra Na dor de te ter visto, é Mãe, agonizar! Entregue à sugestão evocadora do ermo, Em pranto rememoro o teu lento martírio Até quando exalaste, à ardente luz de um círio, A alma que se transia atada ao corpo enfermo. Relembro o rosto magro, onde a morte deixou Uma expressão como que atônita de espanto. (Que imagem de tão grave e prestigioso encanto Em teus olhos já meio inânimes passou?) Revejo os teus pequenos pés... A mão franzina... Tão musical... A fronte baixa... A boca exangue... A duas gerações passara já teu sangue, — Eras avó —, e morta eras uma menina. No silêncio daquela noite funeral Ouço a voz de meu pai chamando por teu nome. Mas não posso pensar em ti sem que me tome Todo a recordação medonha de teu mal! Tu, cujo coração era cheio de medos — Temias os trovões, o telegrama, o escuro — Ah, pobrezinha! um fim terrível, o mais duro, É que te sufocou com implacáveis dedos. Agora se me despedaça o coração A cada pormenor, e o revivo cem vezes, E choro neste instante o pranto de três meses (Durante os quais sorri para tua ilusão!), Enquanto que a buscar as solitárias ânsias, As mágoas sem consolo, as vontades quebradas, Voa, diluindo-se no longe das distâncias, A prece vesperal em fundas badaladas!
Manuel Bandeira
Cecília, és libérrima e exata Como a concha. Mas a concha é excessiva matéria, E a matéria mata. Cecília, és tão forte e tão frágil. Como a onda ao termo da luta. Mas a onda é água que afoga: Tu, não, és enxuta. Cecília, és, como o ar, Diáfana, diáfana. Mas o ar tem limites: Tu, quem te pode limitar? Definição: Concha, mas de orelha: Água, mas de lágrima; Ar com sentimento. — Brisa, viração Da asa de uma abelha. 7 de outubro de 1945
Manuel Bandeira
Espanha no coração: No coração de Neruda, No vosso e em meu coração. Espanha da liberdade, Não a Espanha da opressão Espanha republicana: A Espanha de Franco, não! Velha Espanha de Pelaio, Do Cid, do Grã-Capitão! Espanha de honra e verdade, Não a Espanha da traição! Espanha de Dom Rodrigo, Não a do Conde Julião! Espanha republicana: - A Espanha de Franco, não! Espanha dos grandes místicos, Dos santos poetas, de João Da Cruz, de Teresa de Ávila E de Frei Luís de Leão! Espanha da livre crença, Jamais a da Inquisição! Espanha de Lope e Góngora, De Góia e Cervantes, não A de Felipe Segundo Nem Fernando, o balandrão! Espanha que se batia Contra o corso Napoleão! Espanha da liberdade: A Espanha de Franco, não! Espanha republicana, Noiva da revolução! Espanha atual de Picasso, De Casals, de Lorca, irmão Assassinado em Granada! Espanha no coração De Pablo Neruda, Espanha No vosso e em meu coração!
Manuel Bandeira
De Colombina o infantil borzeguim Pierrot aperta a chorar de saudade. O sonho passou. Traz magoado o rim, Magoada a cabeça exposta à umidade. Lavou o orvalho o alvaiade e o carmim. A alva desponta. Dói-lhe a claridade Nos olhos tristes. Que é dela?... Arlequim Levou-a! e dobra o desejo à maldade De Colombina. O seu desencanto não tem um fim. Pobre Pierrot! Não lhe queiras assim. Que são teus amores?... — Ingenuidade E o gosto de buscar a própria dor. Ela é de dois?... Pois aceita a metade! Que essa metade é talvez todo o amor De Colombina... 1913
Manuel Bandeira
Amei Antônia de maneira insensata. Antônia morava numa casa que para mim não era casa, era um empíreo. Mas os anos foram passando. Os anos são inexoráveis. Antônia morreu. A casa em que Antônia morava foi posta abaixo. Eu mesmo já não sou aquele que amou Antônia e que Antônia não amou. Aliás, previno, muito humildemente, que isto não é crônica nem poema. E, apenas Uma nova versão, a mais recente, do tema ubi sunt, Que dedico, ofereço e consagro A meu dileto amigo Augusto Meyer.
Manuel Bandeira
Settembre. Andiamo. E tempo di migrare. A rainha, em São paulo, chama-me. É agora Maria Cacilda Stuart E fala com sotaque voluntarioso, Não paulista nem catarinense: Acento beckeriano (com ck, não cqu), Que suscita infartos de alma, Tão imperativos quanto os de miocárdio. Saio do hotel com quatro olhos, — Dois do presente, Dois do passado. Anhangabaú que já não é dos suicídios passionais! O Hotel Esplanada virou catacumba. Enfim a Rua Direita! A minha Rua Direita: Que saudades tinha dela! Ainda existe a Casa Kosmos, mas Não tem impermeáveis em liquidação. Praça Antônio Prado, onde Tudo é novo, salvo aquela meia dúzia de sobradinhos. Montanha-russa da Avenida de São João! O anjo cor-de-rosa não é mais cor-de-rosa: O tempo patinou-o de negro. Almoço com Di, Que hoje é Emiliano di Cavalcanti. Volto ao hotel pelo Anhangabaú. Onde as Juvenilidades auriverdes? Onde A passiflora? o espanto? a loucura? o desejo? Ubi sunt? Ubi sum? — Obrigado, Mário, pela tua companhia.
Manuel Bandeira
A vida Não vale a pena e a dor de ser vivida. Os corpos se entendem mas as almas não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. Vou-me embora p'ra Pasárgada! Aqui eu não sou feliz. Quero esquecer tudo: — À dor de ser homem... Este anseio infinito e vão De possuir o que me possui. Quero descansar Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei... Na vida inteira que podia ter sido e que não foi. Quero descansar. Morrer. Morrer de corpo e alma. Completamente. (Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir.) Quando a Indesejada das gentes chegar Encontrará lavrado o campo, a casa limpa. À mesa posta, Com cada coisa em seu lugar. Rio, 1965
Manuel Bandeira
"Ó Poesia! Ó mãe moribunda" Assim clamou Banville um dia Na Europa, terra sem segunda Da grande, da nobre poesia. Aqui ficara sem sentido Esse grito de descoragem: Vives, Guilherme, e eu, comovido, Ponho a teus pés minha homenagem. Toda a alma humana, da mais funda Mágoa à mais etérea alegria, Vibra, ora grave, ora jucunda, Em teus poemas de alta mestria. Por isso, e porque sempre hás sido Em captar as vozes da aragem Mais sutil o mais fino ouvido, Ponho a teus pés minha homenagem. Se no artesanato se funda Aquela apurada euritmia Da arte melhor e mais fecunda, Há que ver na longa teoria De teus livros, no tom subido De tua lírica mensagem Il miglior fabro, como és tido: Ponho a teus pés minha homenagem. OFERTA — Príncipe do verso medido Ou livre, e da rima, e da imagem, Irmão admirado e querido, Ponho a teus pés minha homenagem.
Manuel Bandeira
O meu quarto de dormir a cavaleiro da entrada da barra. Entram por ele dentro Os ares oceânicos, Maresias atlânticas: São Paulo de Luanda, Figueira da Foz, praias gaélicas da Irlanda... O comentário musical da paisagem só podia ser o sussurro sinfônico da vida civil. No entanto o que ouço neste momento é um silvo agudo de sagiúim: Minha vizinha de baixo comprou um sagiim.
Manuel Bandeira
Nos teus poemas de cadências bíblicas Recolheste o som das coisas mais efêmeras: O vento que enternece as praias desertas, O desfolhar das rosas cansadas de viver, As vozes mais longínquas da infância, Os risos emudecidos das amadas mortas: Matilde, Esmeralda, a misteriosa Luciana, E Josefina, complicado ser que é mulher e é também o Brasil. A tudo que é transitório soubeste Dar, com a tua grave melancolia, A densidade do eterno. Mais de uma vez fizeste aos homens advertências terríveis. Mas tua glória maior é ser aquele Que soube falar a Deus nos ritmos de sua palavra. 10 de setembro de 1940 SONETO PLAGIADO DE AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT E de súbito n'alma incompreendida Esta mágoa, esta pena, esta agonia; Nos olhos ressequidos a sombria Fonte de pranto, quente e irreprimida. No espírito deserto a impressentida Misteriosa presença que não via; A consciência do mal que não sabia, Aparecida, desaparecida... Até bem pouco, era uma imagem baça. Agora, neste instante de certeza, Surgindo claro, como nunca o vi! E nesse olhar tocado pela graça Do céu, não sei que angélica pureza, — Pureza que não tenho, que perdi.
Manuel Bandeira
Escuta o gazal que fiz, Darling, em louvor de Hafiz: — Poeta de Chiraz, teu verso Tuas mágoas e as minhas diz. Pois no mistério do mundo Também me sinto infeliz. Falaste: “Amarei constante Aquela que não me quis.” E as filhas de Samarcanda, Cameleiros e sufis Ainda repetem os cantos Em que choras e sorris. As bem-amadas ingratas, São pó; tu, vives, Hafiz! Petrópolis, 1943
Manuel Bandeira
Como tenho pensado em ti na solidão das noites úmidas, De névoa úmida, Na areia úmida! Eu te sabia assim também, assim olhando a mesma cousa No ermo da noite que repousa. E era como se a vida, Mansa, pousasse as mãos sobre a minha ferida... Mas, ah! como eu sentia A falta de teu ser de volúpia e tristeza! O mar... Onde se via o movimento da água, Era como se a água estremecesse em mil sorrisos. Como uma carne de mulher sob a carícia. O luar era um afago tão suave, — Tão imaterial — E ao mesmo tempo tão voluptuoso e tão grave! O luar era a minha inefável carícia: A água era teu corpo a estremecer-se com delícia. Ah, em música pôr o que eu então sentia! Unir no espasmo da harmonia Esses dois ritmos contrastantes: O frêmito tão perdidamente alegre de amor sob a carícia E essa grave volúpia da luz branca. Oh, viver contigo! Viver contigo todos os instantes... Vivermos juntos, como seria viver a verdadeira vida, Harmoniosa e pura, Sem lastimar a fuga irreparável dos anos, Dos anos lentos e monótonos que passam, Esperando sempre que maior ventura Viesse um dia no beijo infinito da mesma morte...
Manuel Bandeira
Mar que ouvi sempre cantar murmúrios Na doce queixa das elegias, Como se fosses, nas tardes frias De tons purpúreos, A voz das minhas melancolias: Com que delícia neste infortúnio, Com que selvagem, profundo gozo, Hoje te vejo bater raivoso, Na maré-cheia de novilúnio, Mar rumoroso! Com que amargura mordes a areia, Cuspindo a baba da acre salsugem, No torvelinho de ondas que rugem Na maré-cheia, Mar de sargaços e de amuragem! As minhas cóleras homicidas, Meus velhos ódios de iconoclasta, Quedam-se absortos diante da vasta, Pérfida vaga que tudo arrasta, Mar que intimidas! Em tuas ondas precipitadas, Onde flamejam lampejos ruivos, Gemem sereias despedaçadas, Em longos uivos Multiplicados pelas quebradas. Mar que arremetes, mas que não cansas, Mar de blasfêmias e de vinganças, Como te invejo! Dentro em meu peito Eu trago um pântano insatisfeito De corrompidas desesperanças!... 1913