Fernando Pessoa
Secção decicada aos Poemas de Fernando Pessoa pode também ver frases de fernando pessoa no mil frases. Além dos Poemas Que escreveu em seu nome Fernando Pessoa também escreveu muitos poemas que assinou como Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares...
Fernando Pessoa
É boa! Se fossem malmequeres! E é uma papoula Sozinha, com esse ar de «queres?» Veludo da natureza tola. Coitada! Por ela Saí da marcha pela estrada. Não a ponho na lapela. Oscila ao leve vento, muito Encarnada a arroxear. Deixei no chão o meu intuito. Caminharei sem regressar. 31/08/1930
Fernando Pessoa
Enfia, a agulha, E ergue do colo A costura enrugada. Escuta: (volto a folha Com desconsolo). Não ouviste nada. Os meus poemas, este E os outros que tenho – São só a brincar. Tu nunca os leste, E nem mesmo estranho Que ouças sem pensar. Mas dá-me um certo agrado Sentir que tos leio E que ouves sem saber. Faz um certo agrado. Dá-me um certo enleio... E ler é esquecer. 31/08/1930
Fernando Pessoa
AH, JÁ ESTÁ tudo lido, Mesmo o que falta ler! Sonho, e ao meu ouvido Que música vem ter? Se escuto, nenhuma. Se não ouço ao luar Uma voz que é bruma Entra em meu sonhar E esta é a voz que canta Se não sei ouvir... Tudo em mim se encanta E esquece sentir. O que a voz canta Para sempre agora Na alma me fica Se a alma me ignora. Sinto, quero, sei que Só há ter perdido - E o eco de onde sonhei-me Esquece do meu ouvido.
Fernando Pessoa
A pálida luz da manhã de inverno, O cais e a razão Não dão mais 'sperança, nem menos 'sperança sequer, Ao meu coração. O que tem que ser Será, quer eu queira que seja ou que não. No rumor do cais, no bulício do rio Na rua a acordar Não há mais sossego, nem menos sossego sequer, Para o meu 'sperar. O que tem que não ser Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.
Fernando Pessoa
A PARTE do indolente é a abstrata vida. Quem não emprega o esforço em conseguir, Mas o deixa ficar, deixa dormir, O deixa sem futuro e sem guarida, Que mais haurir pode da morta lida, Da sentida vaidade de seguir Um caminho, da inércia de sentir, Do extinto fogo e da visão perdida, Senão a calma aquiescência em ter No sangue entregue, e pelo corpo todo A consciência de nada qu'rer nem ser, A intervisão das coisas atingíveis, E o renunciá-las, como um lindo modo Das mãos que a palidez torna impassíveis.
Fernando Pessoa
Aqui está-se sossegado, Longe do mundo e da vida, Cheio de não ter passado, Até o futuro se olvida. Aqui está-se sossegado. Tinha os gestos inocentes, Seus olhos riam no fundo. Mas invisíveis serpentes Faziam-a ser do mundo. Tinha os gestos inocentes. Aqui tudo é paz e mar. Que longe a vista se perde Na solidão a tornar Em sombra o azul que é verde! Aqui tudo é paz e mar. Sim, poderia ter sido... Mas vontade nem razão O mundo têm conduzido A prazer ou conclusão. Sim, poderia ter sido... Agora não esqueço e sonho. Fecho os olhos, oiço o mar E de ouvi-lo bem, suponho Que veio azul a esverdear. Agora não esqueço e sonho. Não foi propósito, não. Os seus gestos inocentes Tocavam no coração Como invisíveis serpentes. Não foi propósito, não. Durmo, desperto e sozinho. Que tem sido a minha vida? Velas de inútil moinho — Um movimento sem lida... Durmo, desperto e sozinho. Nada explica nem consola. Tudo está certo depois. Mas a dor que nos desola, A mágoa de um não ser dois Nada explica nem consola.
Fernando Pessoa
Como um vento na floresta, Minha emoção não tem fim. Nada sou, nada me resta. Não sei quem sou para mim. E como entre os arvoredos Há grandes sons de folhagem, Também agito segredos No fundo da minha imagem. E o grande ruído do vento Que as folhas cobrem de som Despe-me do pensamento: Sou ninguém, temo ser bom. 30/09/1930
Fernando Pessoa
Quanto fui peregrino Do meu próprio destino! Quanta vez desprezei O lar que sempre amei! Quanta vez rejeitando O que quisera ter, Fiz dos versos um brando Refúgio de não ser! E quanta vez, sabendo Que a mim estava esquecendo, E que quanto vivi – Tanto era o que perdi – Como o orgulhoso pobre Ao rejeitado lar Volvi o olhar, vil nobre Fidalgo só no chorar... Mas quanta vez descrente Do ser insubsistente Com que no Carnaval Da minha alma irreal Vestira o que sentisse Vi quem era quem não sou E tudo o que não disse Os olhos me turvou... Então, a sós comigo, Sem me ter por amigo, Criança ao pé dos céus, Pus a mão na de Deus. E no mistério escuro Senti a antiga mão Guiar-me, e fui seguro Como a quem deram pão. Por isso, a cada passo Que meu ser triste e lasso Sente sair do bem Que a alma, se é própria, tem, Minha mão de criança Sem medo nem esperança Para aquele que sou Dou na de Deus e vou. 07/10/1930
Fernando Pessoa
POEMAS CURTOS Meu ser vive na Noite e no Desejo. Minha alma é uma lembrança que há em mim; 12/12/1919 Longe de mim em mim existo À parte de quem sou, A sombra e o movimento em que consisto. 1920 Não haver deus é um deus também 1926 Saudade eterna, que pouco duras! 26/04/1926 ... Vaga história comezinha Que, pela voz das vozes, era a minha... Quem sou eu? Eles sabem e passaram. 1928 E a extensa e vária natureza é triste Quando no vau da luz as nuvens passam. 1928 O meu coração quebrou-se Como um bocado de vidro Quis viver e enganou-se... 01/10/1928 O abismo é o muro que tenho Ser eu não tem um tamanho. 1929 Mas eu, alheio sempre, sempre entrando O mais íntimo ser da minha vida, Vou dentro em mim a sombra procurando. 1929 Tenho pena até... nem sei... Do próprio mal que passei Pois passei quando passou. 1929 Teu corpo real que dorme É um frio no meu ser. 1930 Deus não tem unidade, Como a terei eu? 24/08/193 Quando nas pausas solenes Da natureza Os galos cantam solenes. 1930 Tão linda e finda a memoro! Tão pequena a enterrarão! Quem me entalou este choro Nas goelas do coração? 25/12/1931 Entre o sossego e o arvoredo, Entre a clareira e a solidão, Meu devaneio passa a medo Levando-me a alma pela mão. É tarde já, e ainda é cedo. (...) 1932 CEIFEIRA Mas não, é abstracta, é uma ave De som volteando no ar do ar, E a alma canta sem entrave Pois que o canto é que faz cantar. 1932 Eu tenho ideias e razões, Conheço a cor dos argumentos E nunca chego aos corações. 1932 Aquele peso em mim – meu coração. 1932 O sol doirava-te a cabeça loura. És morta. Eu vivo. Ainda há mundo e aurora. 1932 Tenho principalmente não ter nada, Dormir seria sono se o tivesse. 26/04/1932 Minhas mesmas emoções São coisas que me acontecem. 31/08/1932 Quase anónima sorris E o sol doura o teu cabelo. Porque é que, pra ser feliz, É preciso não sabê-lo? 25/09/1932 Quero, terei – Se não aqui, Noutro lugar que inda não sei. Nada perdi. Tudo serei. 09/01/1933 Teu inútil dever Quanta obra faça cobrirá a terra Como ao que a fez, nem haverá de ti Mais que a breve memória. 1934 O som continuo da chuva A se ouvir lá fora bem Deixa-nos a alma viúva Daquilo que já não tem. (...) 1934 Exígua lâmpada tranquila, Quem te alumia e me dá luz, Entre quem és e eu sou oscila. 30/11/1934 O meu sentimento é cinza Da minha imaginação, E eu deixo cair a cinza No cinzeiro da Razão. 12/06/1935 Já estou tranquilo. Já não espero nada. Já sobre meu vazio coração Desceu a inconsciência abençoada De nem querer uma ilusão. 20/07/1935 Criança, era outro... Naquele em que me tornei Cresci e esqueci. Tenho de meu, agora, um silêncio, uma lei. Ganhei ou perdi? Onde, em jardins exaustos Nada já tenha fim, Forma teus fúteis faustos De tédio e de cetim. Meus sonhos são exaustos, Dorme comigo e em mim. Não combati: ninguém mo mereceu. A natureza e depois a arte, amei. As mãos à chama que me a vida deu Aqueci. Ela cessa. Cessarei.
Fernando Pessoa
Vou em mim como entre bosques Vou-me fazendo paisagem Para me desconhecer. Nos meus sonhos sinto aragem, Nos meus desejos descer Passeio entre arvoredo Nos meandros de quem sinto Quando sinto sem sentir...... Vaga clareira de instinto Pinheiral todo a subir.... Sorriso que no regato Através dos ramos curvos O sol , espreitando, achou. Fluir de água, com tons turvos, Onde uma pedra adensou. Grande alegria das mágoas Quando o declive da encosta Apressa o passo ou querer... De que é que a minha alma gosta Ser que eu tenho de saber. Muita curva, muita coisa Todas com gentes de fora Na alma que sinto assim. Que paisagem, quem se ignora! Meu Deus, que é feito de mim?
Fernando Pessoa
Dói-me quem sou. E em meio da emoção Ergue a fronte de torre um pensamento. É como se na imensa solidão De uma alma a sós consigo, o coração Tivesse cérebro e conhecimento. Numa amargura artificial consisto Fiel a qualquer ideia que não sei, Como um fingido cortesão me visto Dos trajes majestosos em que existo Para a presença artificial do rei. Sim, tudo é sonhar quanto sou e quero. Tudo das mãos caídas se deixou. Braços dispersos, desolado espero. Mendigo pelo fim do desespero, Que quis pedir esmola e não ousou.
Fernando Pessoa
Árvore verde, Meu pensamento Em ti se perde. Ver é dormir Neste momento. Que bom não ser 'Stando acordado ! Também em mim enverdecer Em folhas dado ! Tremulamente Sentir no corpo Brisa na alma ! Não ser quem sente, Mas tem a calma. Eu tinha um sonho Que me encantava. Se a manhã vinha, Como eu a odiava ! Volvia a noite, E o sonho a mim. Era o meu lar, Minha alma afim. Depois perdi-o. Lembro ? Quem dera ! Se eu nunca soube O que ele era.
Fernando Pessoa
II Dói viver, nada sou que valha ser. Tardo-me porque penso e tudo rui. Tento saber, porque tentar é ser. Longe de isto ser tudo, tudo flui. Mágoa que, indiferente, faz viver. Névoa que, diferente, em tudo influi. O exílio nada do que foi sequer Ilude, fixa, dá, faz ou possui. Assim, nocturna, a áreas indecisas, O prelúdio perdido traz à mente O que das ilhas mortas foi só brisas, E o que a memória análoga dedica Ao sonho, e onde, lua na corrente, Não passa o sonho e a água inútil fica.
Fernando Pessoa
III Análogo começo, Uníssono me peço, Gaia ciência o assomo — Falha no último tomo, Onde prolixo ameaço Paralelo transpasso O entreaberto haver Diagonal a ser. O interlúdio vernal, Conquista do fatal, Onde, veludo, afaga A última que alaga. Timbre do vespertino, Ali, caricia, o hino Outonou entre preces Antes que, água, comeces.