Luís Vaz de Camões
Luís de Camões é um dos mais importantes poetas portugueses de todos os tempos, e seus poemas estão disponíveis no site mil frases. Sua obra é conhecida por sua profundidade, beleza e riqueza lírica, e inclui muitos dos poemas mais famosos e influentes da literatura portuguesa. Alguns dos poemas de Camões que podem ser encontrados no site mil frases incluem o "Os Lusíadas", um poema épico que celebra as grandes conquistas e descobertas portuguesas no século XVI; "Sonetos", uma coleção de poemas curtos e intensos que falam sobre o amor, a paixão e a tristeza; e "Sonetos de Amor", que exploram os desafios e as alegrias do amor. Qualquer que seja o tema ou o estilo, os poemas de Camões são uma fonte inesgotável de inspiração e reflexão para os leitores de todas as idades.
Luís Vaz de Camões
Eu cantarei de amor tão docemente, Por uns termos em si tão concertados, Que dois mil acidentes namorados Faça sentir ao peito que não sente. Farei que amor a todos avivente, Pintando mil segredos delicados, Brandas iras, suspiros magoados, Temerosa ousadia e pena ausente. Também, Senhora, do desprezo honesto De vossa vista branda e rigorosa, Contentar-me-ei dizendo a menor parte. Porém, pera cantar de vosso gesto A composição alta e milagrosa Aqui falta saber, engenho e arte.
Luís Vaz de Camões
Que me quereis, perpétuas saudades? Com que esperança inda me enganais? Que o tempo que se vai não torna mais, E se torna, não tornam as idades. Razão é já, ó anos, que vos vades, Porque estes tão ligeiros que passais, Nem todos pera um gosto são iguais, Nem sempre são conformes as vontades. Aquilo a que já quis é tão mudado, Que quase é outra cousa, porque os dias Têm o primeiro gosto já danado. Esperanças de novas alegrias Não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado, Que do contentamento são espias.
Luís Vaz de Camões
Se as penas com que Amor tão mal me trata Permitirem que eu tanto viva delas, Que veja escuro o lume das estrelas, Em cuja vista o meu se acende e mata; E se o tempo, que tudo desbarata Secar as frescas rosas sem colhê-las, Mostrando a linda cor das tranças belas Mudada de ouro fino em bela prata; Vereis, Senhora, então também mudado O pensamento e aspereza vossa, Quando não sirva já sua mudança. Suspirareis então pelo passado, Em tempo quando executar-se possa Em vosso arrepender minha vingança.
Luís Vaz de Camões
Se me vem tanta glória só de olhar-te, É pena desigual deixar de ver-te; Se presumo com obras merecer-te, Grão paga de um engano é desejar-te. Se aspiro por quem és a celebrar-te, Sei certo por quem sou que hei-de ofender-te; Se mal me quero a mim por bem querer-te, Que prémio querer posso mais que amar-te? Porque um tão raro amor não me socorre? Ó humano tesouro! Ó doce glória! Ditoso quem à morte por ti corre! Sempre escrita estarás nesta memória; E esta alma viverá, pois por ti morre, Porque ao fim da batalha é a vitória.
Luís Vaz de Camões
Quem vê, Senhora, claro e manifesto O lindo ser de vossos olhos belos, Se não perder de vista só em vê-los, Já não paga o que deve a vosso gesto. Este me parecia preço honesto; Mas eu, por de vantagem merecê-los, Dei mais a vida e alma por querê-los, Donde já não me fica mais de resto. Assim que a vida e alma e esperança, E tudo quanto tenho, tudo é vosso, E o proveito disso eu só o levo. Porque é tamanha bem-aventurança O dar-vos quanto tenho e quanto posso, Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.
Luís Vaz de Camões
O dia em que nasci moura e pereça, Não o queira jamais o tempo dar; Não torne mais ao Mundo, e, se tornar, Eclipse nesse passo o Sol padeça. A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça, Mostre o Mundo sinais de se acabar, Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar, A mãe ao próprio filho não conheça. As pessoas pasmadas, de ignorantes, As lágrimas no rosto, a cor perdida, Cuidem que o mundo já se destruiu. Ó gente temerosa, não te espantes, Que este dia deitou ao Mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu!
Luís Vaz de Camões
Julga-me a gente toda por perdido, Vendo-me tão entregue a meu cuidado, Andar sempre dos homens apartado E dos tratos humanos esquecido. Mas eu, que tenho o mundo conhecido, E quase que sobre ele ando dobrado, Tenho por baixo, rústico, enganado Quem não é com meu mal engrandecido. Vá revolvendo a terra, o mar e o vento, Busque riquezas, honras a outra gente, Vencendo ferro, fogo, frio e calma; Que eu só em humilde estado me contento De trazer esculpido eternamente Vosso fermoso gesto dentro na alma.
Luís Vaz de Camões
Vencido está de amor Meu pensamento O mais que pode ser Vencida a vida, Sujeita a vos servir e Instituída, Oferecendo tudo A vosso intento. Contente deste bem, Louva o momento Outra vez renovar Tão bem perdida; A causa que me guia A tal ferida, Ou hora em que se viu Seu perdimento. Mil vezes desejando Está segura Com essa pretensão Nesta empresa, Tão estranha, tão doce, Honrosa e alta Voltando só por vós Outra ventura, Jurando não seguir Rara firmeza, Sem ser no vosso amor Achado em falta.
Luís Vaz de Camões
Senhora minha, se de pura inveja Amor me tolhe a vista delicada, A cor, de rosa e neve semeada, E dos olhos a luz que o Sol deseja, Não me pode tolher que vos não veja Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada, Onde vos terei sempre debuxada, Por mais cruel inimigo que me seja. Nela vos vejo, e vejo que não nasce Em belo e fresco prado deleitoso Senão flor que dá cheiro a toda a serra. Os lírios tendes nu~a e noutra face. Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso Quem os tiver, se há tanto bem na terra!
Luís Vaz de Camões
O cisne, quando sente ser chegada A hora que põe termo a sua vida, Música com voz alta e mui subida Levanta pela praia inabitada. Deseja ter a vida prolongada Chorando do viver a despedida; Com grande saudade da partida, Celebra o triste fim desta jornada. Assim, Senhora minha, quando via O triste fim que davam meus amores, Estando posto já no extremo fio, Com mais suave canto e harmonia Descantei pelos vossos desfavores La vuestra falsa fé y el amor mio.
Luís Vaz de Camões
Se pena por amar-vos se merece, Quem dela livre está? ou quem isento? Que alma, que razão, que entendimento Em ver-vos se não rende e obedece? Que mor glória na vida se oferece Que ocupar-se em vós o pensamento? Toda a pena cruel, todo o tormento Em ver-vos se não sente, mas esquece. Mas se merece pena quem amando Contínuo vos está, se vos ofende, O mundo matareis, que todo é vosso. Em mim, Senhora, podeis ir começando, Que claro se conhece e bem se entende Amar-vos quanto devo e quanto posso.
Luís Vaz de Camões
Sempre a Razão vencida foi de Amor; Mas, porque assim o pedia o coração, Quis Amor ser vencido da Razão. Ora que caso pode haver maior! Novo modo de morte e nova dor! Estranheza de grande admiração, Que perde suas forças a afeição, Por que não perca a pena o seu rigor. Pois nunca houve fraqueza no querer, Mas antes muito mais se esforça assim Um contrário com outro por vencer. Mas a Razão, que a luta vence, enfim, Não creio que é Razão; mas há-de ser Inclinação que eu tenho contra mim.
Luís Vaz de Camões
Coitado! que em um tempo choro e rio; Espero e temo, quero e aborreço; Juntamente me alegro e entristeço; Du~a cousa confio e desconfio. Voo sem asas; estou cego e guio; E no que valho mais menos mereço. Calo e dou vozes, falo e emudeço, Nada me contradiz, e eu aporfio. Queria, se ser pudesse, o impossível; Queria poder mudar-me e estar quedo; Usar de liberdade e estar cativo; Queria que visto fosse e invisível; Queira desenredar-me e mais me enredo: Tais os extremos em que triste vivo! Camões
Luís Vaz de Camões
Lembranças, que lembrais meu bem passado, Pera que sinta mais o mal presente, Deixai-me, se quereis, viver contente, Não me deixeis morrer em tal estado. Mas se também de tudo está ordenado Viver, como se vê, tão descontente, Venha, se vier, o bem por acidente, E dê a morte fim a meu cuidado. Que muito melhor é perder a vida, Perdendo-se as lembranças da memória, Pois fazem tanto dano ao pensamento. Assim que nada perde quem perdida A esperança traz de sua glória, Se esta vida há-de ser sempre em tormento. Luís Vaz de Camões
Luís Vaz de Camões
Nunca em amor danou o atrevimento; Favorece a Fortuna a ousadia; Porque sempre a encolhida cobardia De pedra serve ao livre pensamento. Quem se eleva ao sublime Firmamento, A Estrela nele encontra que lhe é guia; Que o bem que encerra em si a fantasia, São u~as ilusões que leva o vento. Abrir-se devem passos à ventura; Sem si próprio ninguém será ditoso; Os princípios somente a Sorte os move. Atrever-se é valor e não loucura; Perderá por cobarde o venturoso Que vos vê, se os temores não remove.
Luís Vaz de Camões
Erros meus, má fortuna, amor ardente Em minha perdição se conjuraram; Os erros e a fortuna sobejaram, Que pera mim bastava amor somente. Tudo passei; mas tenho tão presente A grande dor das cousas que passaram, Que as magoadas iras me ensinaram A não querer já nunca ser contente. Errei todo o discurso de meus anos; Dei causa [a] que a Fortuna castigasse As minhas mal fundadas esperanças. De amor não vi senão breves enganos. Oh! quem tanto pudesse, que fartasse Este meu duro Génio de vinganças!
Luís Vaz de Camões
Qual tem a borboleta por costume, Que, enlevada na luz da acesa vela, Dando vai voltas mil, até que nela Se queima agora, agore se consume, Tal eu correndo vou ao vivo lume Desses olhos gentis, Aónia bela; E abraso-me por mais que com cautela Livrar-me a parte racional presume. Conheço o muito a que se atreve a vista, O quanto se levanta o pensamento, O como vou morrendo claramente; Porém, não quer Amor que lhe resista, Nem a minha alma o quer; que em tal tormento, Qual em glória maior, está contente.
Luís Vaz de Camões
O tempo acaba o ano, o mês e a hora, A força, a arte, a manha, a fortaleza; O tempo acaba a fama e a riqueza, O tempo o mesmo tempo de si chora; O tempo busca e acaba o onde mora Qualquer ingratidão, qualquer dureza; Mas não pode acabar minha tristeza, Enquanto não quiserdes vós, Senhora. O tempo o claro dia torna escuro E o mais ledo prazer em choro triste; O tempo, a tempestade em grão bonança. Mas de abrandar o tempo estou seguro O peito de diamante, onde consiste A pena e o prazer desta esperança.
Luís Vaz de Camões
Quem diz que Amor é falso ou enganoso, Ligeiro, ingrato, vão desconhecido, Sem falta lhe terá bem merecido Que lhe seja cruel ou rigoroso. Amor é brando, é doce, e é piedoso. Quem o contrário diz não seja crido; Seja por cego e apaixonado tido, E aos homens, e inda aos Deuses, odioso. Se males faz Amor em mim se vêem; Em mim mostrando todo o seu rigor, Ao mundo quis mostrar quanto podia. Mas todas suas iras são de Amor; Todos os seus males são um bem, Que eu por todo outro bem não trocaria.
Luís Vaz de Camões
De quantas graças tinha, a Natureza Fez um belo e riquíssimo tesouro, E com rubis e rosas, neve e ouro, Formou sublime e angélica beleza. Pôs na boca os rubis, e na pureza Do belo rosto as rosas, por quem mouro; No cabelo o valor do metal louro; No peito a neve em que a alma tenho acesa. Mas nos olhos mostrou quanto podia, E fez deles um sol, onde se apura A luz mais clara que a do claro dia. Enfim, Senhora, em vossa compostura Ela a apurar chegou quanto sabia De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Luís Vaz de Camões
Ditoso seja aquele que somente Se queixa de amorosas esquivanças; Pois por elas não perde as esperanças De poder nalgum tempo ser contente. Ditoso seja quem, estando absente, Não sente mais que a pena das lembranças, Porque, inda mais que se tema de mudanças, Menos se teme a dor quando se sente. Ditoso seja, enfim, qualquer estado, Onde enganos, desprezos e isenção Trazem o coração atormentado. Mas triste de quem se sente magoado De erros em que não pode haver perdão, Sem ficar na alma a mágoa do pecado.
Luís Vaz de Camões
"Vejo-a na alma pintada, Quando me pede o desejo O natural que não vejo." Se só no ver puramente Me transformei no que vi, De vista tão excelente Mal poderei ser ausente, Enquanto o não for de mi. Porque a alma namorada A traz tão bem debuxada E a memória tanto voa, Que, se a não vejo em pessoa, "Vejo-a na alma pintada." O desejo, que se estende Ao que menos se concede, Sobre vós pede e pretende, Como o doente que pede O que mais se lhe defende. Eu, que em ausência vos vejo, Tenho piedade e pejo De me ver tão pobre estar, Que então não tenho que dar, "Quando me pede o desejo." Como àquele que cegou É cousa vista e notória, Que a Natureza ordenou Que se lhe dobre em memória O que em vista lhe faltou, Assim a mim, que não rejo Os olhos ao que desejo, Na memória e na firmeza Me concede a Natureza "O natural que não vejo."
Luís Vaz de Camões
Onde acharei lugar tão apartado E tão isento em tudo da ventura, Que, não digo eu de humana criatura, Mas nem de feras seja frequentado? Algum bosque medonho e carregado, Ou selva solitária, triste e escura, Sem fonte clara ou plácida verdura, Enfim, lugar conforme a meu cuidado? Porque ali, nas entranhas dos penedos, Em vida morto, sepultado em vida, Me queixe copiosa e livremente; Que, pois a minha pena é sem medida, Ali triste serei em dias ledos E dias tristes me farão contente.