Poemas de Aventura
Versos que exploram a emoção e a adrenalina das aventuras, tanto físicas quanto emocionais.
Ricardo Reis
Uma após uma as ondas apressadas Enrolam o seu verde movimento E chiam a alva 'spuma No moreno das praias. Uma após uma as nuvens vagarosas Rasgam o seu redondo movimento E o sol aquece o 'spaço Do ar entre as nuvens 'scassas. Indiferente a mim e eu a ela, A natureza deste dia calmo Furta pouco ao meu senso De se esvair o tempo. Só uma vaga pena inconsequente Pára um momento à porta da minha alma E após fitar-me um pouco Passa, a sorrir de nada. 23/11/1918
Ricardo Reis
Uma após uma as ondas apressadas Enrolam o seu verde movimento E chiam a alva 'spuma No moreno das praias. Uma após uma as nuvens vagarosas Rasgam o seu redondo movimento E o sol aquece o 'spaço Do ar entre as nuvens 'scassas. Indiferente a mim e eu a ela, A natureza deste dia calmo Furta pouco ao meu senso De se esvair o tempo. Só uma vaga pena inconsequente Pára um momento à porta da minha alma E após fitar-me um pouco Passa, a sorrir de nada. 23/11/1918
Ricardo Reis
Uma após uma as ondas apressadas Enrolam o seu verde movimento E chiam a alva 'spuma No moreno das praias. Uma após uma as nuvens vagarosas Rasgam o seu redondo movimento E o sol aquece o 'spaço Do ar entre as nuvens 'scassas. Indiferente a mim e eu a ela, A natureza deste dia calmo Furta pouco ao meu senso De se esvair o tempo. Só uma vaga pena inconsequente Pára um momento à porta da minha alma E após fitar-me um pouco Passa, a sorrir de nada. 23/11/1918
Ricardo Reis
Se já não torna a eterna primavera Que em sonhos conheci, O que é que o exausto coração espera Do que não tem em si? Se não há mais florir de árvores feitas Só de alguém as sonhar, Que coisas quer o coração perfeitas, Quando, e em que lugar? Não: contentemo-nos com ter a aragem Que, porque existe, vem Passar a mão sobre o alto da folhagem E assim nos faz um bem.
Álvaro de Campos
Quando olho para mim não me percebo. Tenho tanto a mania de sentir Que me extravio às vezes ao sair Das próprias sensações que eu recebo. O ar que respiro, este licor que bebo Pertencem ao meu modo de existir, E eu nunca sei como hei-de concluir As sensações que a meu pesar concebo. Nem nunca, propriamente, reparei Se na verdade sinto o que sinto. Eu Serei tal qual pareço em mim? serei Tal qual me julgo verdadeiramente? Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu, Nem sei bem se sou eu quem em mim sente. Lisboa, (uns seis a sete meses antes do Opiário) Agosto 1913
Álvaro de Campos
Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando, E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero. A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde, O coral das Maldivas em passagem cálida, Macau à uma hora da noite... Acordo de repente... Yat-lô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-... E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade... A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol... Dar-es-Salaam (a saída é difícil)... Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagáscar... Tempestades em torno ao Guardafui... E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada... E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo... Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei... Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos... Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti, Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz. A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me. Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge, Desta estrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso, Desta turbulência tranquila de sensações desencontradas, Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada, Deste desassossego no fundo de todos os cálices, Desta angústia no fundo de todos os prazeres, Desta saciedade antecipada na asa de todas as chávenas, Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias. Não sei se a vida é pouco ou de mais para mim. Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência, Consanguinidade com o mistério das coisas, choque Aos contactos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos, Ou se há outra significação para isto mais cómoda e feliz. Seja o que for, era melhor não ter nascido, Porque, de tão interessante que é a todos os momentos, A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger, A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas, E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos, Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs, E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso, Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida. Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços, É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas... Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro, Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca... Que há-de ser de mim? Que há-de ser de mim? Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão, Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra. Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos. Oh, mágoa imensa do mundo, o que falta é agir... Tão decadente, tão decadente, tão decadente... Só estou bem quando ouço música, e nem então. Jardins do século dezoito antes de 89, Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira? Como um bálsamo que não consola senão pela ideia de que é um bálsamo, A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai. Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se. Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver. Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente. Estou no caminho de todos e esbarram comigo. Minha quinta na província, Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti. Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir, E fica sempre, fica sempre, fica sempre, Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica... Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito. Só humanitariamente é que se pode viver. Só amando os homens, as acções, a banalidade dos trabalhos, Só assim – ai de mim! –, só assim se pode viver. Só assim, ó noite, e eu nunca poderei ser assim! Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo, Mas tudo ou sobrou ou foi pouco – não sei qual – e eu sofri. Vivi todos as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos, E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse. Amei e odiei como toda a gente, Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo, E para mim foi sempre a excepção, o choque, a válvula, o espasmo. Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti. Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito, Mágoa externa da Terra, choro silencioso do Mundo. Mão suave e antiga das emoções sem gesto, Irmã mais velha, virgem e triste, das ideias sem nexo, Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos, A direcção constantemente abandonada do nosso destino, A nossa incerteza pagã sem alegria, A nossa fraqueza cristã sem fé, O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases, A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos, A nossa vida, ó mãe, a nossa perdida vida... Não sei sentir, não sei ser humano, conviver De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra. Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido, Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens, Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta, Uma razão para descansar, uma necessidade de me distrair, Uma coisa vinda directamente da natureza para mim. Por isso sê para mim materna, ó noite tranquila... Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz, Tu que não existes, que és só a ausência da luz, Tu que não és uma coisa, um lugar, uma essência, uma vida, Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão, Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa, Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos, E sê frescor e alívio, ó noite, sobre a minha fronte... Tu, cuja vinda é tão suave que me parece um afastamento, Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja, Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho, Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva... Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente, Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens, Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem... Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo. Eu quero ser sempre aquele com quem simpatizo, Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo, Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia, Seja uma flor, abstracta, Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus. E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo. São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores, E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também Porque ser inferior é diferente de ser superior, E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão. Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de carácter, E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.Sim, como sou reiComo sou rei absoluto na minha simpatia,Basta que ela exista para que tenha razão de ser.Chorei, não procurei esconderTodos viram, fingiramPena de mim, não precisavaAli onde eu choreiQualquer um choravaDar a volta por cima que eu deiQuero ver quem davaUm homem de moral não fica no chãoNem quer que mulherVenha lhe dar a mãoReconhece a queda e não desanimaLevanta, sacode a poeiraE dá a volta por cima
Álvaro de Campos
Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando, E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero. A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde, O coral das Maldivas em passagem cálida, Macau à uma hora da noite... Acordo de repente... Yat-lô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-... E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade... A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol... Dar-es-Salaam (a saída é difícil)... Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagáscar... Tempestades em torno ao Guardafui... E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada... E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo... Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei... Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos... Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti, Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz. A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me. Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge, Desta estrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso, Desta turbulência tranquila de sensações desencontradas, Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada, Deste desassossego no fundo de todos os cálices, Desta angústia no fundo de todos os prazeres, Desta saciedade antecipada na asa de todas as chávenas, Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias. Não sei se a vida é pouco ou de mais para mim. Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência, Consanguinidade com o mistério das coisas, choque Aos contactos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos, Ou se há outra significação para isto mais cómoda e feliz. Seja o que for, era melhor não ter nascido, Porque, de tão interessante que é a todos os momentos, A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger, A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas, E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos, Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs, E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso, Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida. Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços, É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas... Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro, Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca... Que há-de ser de mim? Que há-de ser de mim? Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão, Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra. Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos. Oh, mágoa imensa do mundo, o que falta é agir... Tão decadente, tão decadente, tão decadente... Só estou bem quando ouço música, e nem então. Jardins do século dezoito antes de 89, Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira? Como um bálsamo que não consola senão pela ideia de que é um bálsamo, A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai. Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se. Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver. Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente. Estou no caminho de todos e esbarram comigo. Minha quinta na província, Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti. Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir, E fica sempre, fica sempre, fica sempre, Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica... Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito. Só humanitariamente é que se pode viver. Só amando os homens, as acções, a banalidade dos trabalhos, Só assim – ai de mim! –, só assim se pode viver. Só assim, ó noite, e eu nunca poderei ser assim! Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo, Mas tudo ou sobrou ou foi pouco – não sei qual – e eu sofri. Vivi todos as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos, E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse. Amei e odiei como toda a gente, Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo, E para mim foi sempre a excepção, o choque, a válvula, o espasmo. Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti. Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito, Mágoa externa da Terra, choro silencioso do Mundo. Mão suave e antiga das emoções sem gesto, Irmã mais velha, virgem e triste, das ideias sem nexo, Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos, A direcção constantemente abandonada do nosso destino, A nossa incerteza pagã sem alegria, A nossa fraqueza cristã sem fé, O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases, A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos, A nossa vida, ó mãe, a nossa perdida vida... Não sei sentir, não sei ser humano, conviver De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra. Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido, Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens, Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta, Uma razão para descansar, uma necessidade de me distrair, Uma coisa vinda directamente da natureza para mim. Por isso sê para mim materna, ó noite tranquila... Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz, Tu que não existes, que és só a ausência da luz, Tu que não és uma coisa, um lugar, uma essência, uma vida, Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão, Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa, Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos, E sê frescor e alívio, ó noite, sobre a minha fronte... Tu, cuja vinda é tão suave que me parece um afastamento, Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja, Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho, Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva... Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente, Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens, Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem... Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo. Eu quero ser sempre aquele com quem simpatizo, Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo, Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia, Seja uma flor, abstracta, Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus. E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo. São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores, E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também Porque ser inferior é diferente de ser superior, E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão. Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de carácter, E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.Sim, como sou reiComo sou rei absoluto na minha simpatia,Basta que ela exista para que tenha razão de ser.Chorei, não procurei esconderTodos viram, fingiramPena de mim, não precisavaAli onde eu choreiQualquer um choravaDar a volta por cima que eu deiQuero ver quem davaUm homem de moral não fica no chãoNem quer que mulherVenha lhe dar a mãoReconhece a queda e não desanimaLevanta, sacode a poeiraE dá a volta por cima
Álvaro de Campos
O florir do encontro casual Dos que hão sempre de ficar estranhos... O único olhar sem interesse recebido no acaso Da estrangeira rápida... O olhar de interesse da criança trazida pela mão Da mãe distraída... As palavras de episódio trocadas Com o viajante episódico Na episódica viagem... Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados... Caminho sem fim... 30/04/1926
Álvaro de Campos
No lugar dos palácios desertos e em ruínas À beira do mar, Leiamos, sorrindo, os segredos das sinas De quem sabe amar. Qualquer que ele seja, o destino daqueles Que o amor levou Para a sombra, ou na luz se fez a sombra deles, Qualquer fosse o voo. Por certo eles foram mais reais e felizes. 01/03/1917
Álvaro de Campos
Não: devagar. Devagar, porque não sei Onde quero ir. Há entre mim e os meus passos Uma divergência instintiva. Há entre quem sou e estou Uma diferença de verbo Que corresponde à realidade. Devagar... Sim, devagar... Quero pensar no que quer dizer Este devagar... Talvez o mundo exterior tenha pressa demais. Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo. Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima... Talvez isso tudo... Mas o que me preocupa é esta palavra devagar... O que é que tem que ser devagar? Se calhar é o universo... A verdade manda Deus que se diga. Mas ouviu alguém isso a Deus? 30/12/1934
Álvaro de Campos
O florir do encontro casual Dos que hão sempre de ficar estranhos... O único olhar sem interesse recebido no acaso Da estrangeira rápida... O olhar de interesse da criança trazida pela mão Da mãe distraída... As palavras de episódio trocadas Com o viajante episódico Na episódica viagem... Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados... Caminho sem fim... 30/04/1926
Álvaro de Campos
No lugar dos palácios desertos e em ruínas À beira do mar, Leiamos, sorrindo, os segredos das sinas De quem sabe amar. Qualquer que ele seja, o destino daqueles Que o amor levou Para a sombra, ou na luz se fez a sombra deles, Qualquer fosse o voo. Por certo eles foram mais reais e felizes. 01/03/1917
Álvaro de Campos
O florir do encontro casual Dos que hão sempre de ficar estranhos... O único olhar sem interesse recebido no acaso Da estrangeira rápida... O olhar de interesse da criança trazida pela mão Da mãe distraída... As palavras de episódio trocadas Com o viajante episódico Na episódica viagem... Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados... Caminho sem fim... 30/04/1926
Álvaro de Campos
AH, UM SONETO... Meu coração é um almirante louco que abandonou a profissão do mar e que vai relembrando pouco a pouco em casa a passear, a passear... No movimento (eu mesmo me desloco nesta cadeira, só de o imaginar) o mar abandonado fica em foco nos músculos cansados de parar. Há saudades nas pernas e nos braços. Há saudades no cérebro por fora. Há grandes raivas feitas de cansaços. Mas – esta é boa! – era do coração que eu falava... e onde diabo estou eu agora com almirante em vez de sensação?... (publicado na Presença, nº 34, Fevereiro de 1932)
Álvaro de Campos
V Há quanto tempo, Portugal, há quanto Vivemos separados! Ah, mas a alma, Esta alma incerta, nunca forte ou calma, Não se distrai de ti, nem bem nem tanto. Sonho, histérico oculto, um vão recanto... O rio Furness, que é o que aqui banha, Só ironicamente me acompanha, Que estou parado e ele correndo tanto... Tanto? Sim, tanto relativamente... Arre, acabemos com as distinções, As subtilezas, o interstício, o entre, A metafísica das sensações — Acabemos com isto e tudo mais... Ah, que ânsia humana de ser rio ou cais!