Poemas em Estrangeiro
Nem só o Português é lingua com belos poemas. Aqui pode encontrar uma seleção de Poemas em lingua estrangeira ricos em conhecimento e sabedoria.
Manuel Bandeira
Espanha no coração: No coração de Neruda, No vosso e em meu coração. Espanha da liberdade, Não a Espanha da opressão Espanha republicana: A Espanha de Franco, não! Velha Espanha de Pelaio, Do Cid, do Grã-Capitão! Espanha de honra e verdade, Não a Espanha da traição! Espanha de Dom Rodrigo, Não a do Conde Julião! Espanha republicana: - A Espanha de Franco, não! Espanha dos grandes místicos, Dos santos poetas, de João Da Cruz, de Teresa de Ávila E de Frei Luís de Leão! Espanha da livre crença, Jamais a da Inquisição! Espanha de Lope e Góngora, De Góia e Cervantes, não A de Felipe Segundo Nem Fernando, o balandrão! Espanha que se batia Contra o corso Napoleão! Espanha da liberdade: A Espanha de Franco, não! Espanha republicana, Noiva da revolução! Espanha atual de Picasso, De Casals, de Lorca, irmão Assassinado em Granada! Espanha no coração De Pablo Neruda, Espanha No vosso e em meu coração!
Manuel Bandeira
Da outra vida, Moreno, Olha-me de face, Com o bonito sorriso Pontual Adoçado pela bondade do nosso avô Costa Ribeiro. Olha-me de face, Bem de face, Com os olhos leais, Moreno. Conta-me o que tens visto, Que músicas ouves agora. Lembras-te ainda do cheiro dos bangiês de Pernambuco? Das tuas correrias de menino pelos descampados da Gávea? Lembras-te ainda da ponte que construíste sobre o Paraguai? Do pastoril de Cícero? Lembras-te ainda das pescarias de Cabo Frio? (Elas te deram não sei que ar salino e veleiro, Moreno.) O espanto que nos deixaste! Como fizeste crescer em nós o mistério augusto da morte! Todavia, Não te lamento não: A vida, Esta vida, Carlos já disse, Não presta. Mas o vazio de quem Eras marido e filho? — Filho único, Moreno.
Manuel Bandeira
Marinheiro triste Que voltas para bordo Que pensamentos são Esses que te ocupam? Alguma mulher Amante de passagem Que deixaste longe Num porto de escala? Ou tua amargura Tem outras raízes Largas fraternais Mais nobres mais fundas? Marinheiro triste De um país distante Passaste por mim Tão alheio a tudo Que nem pressentiste Marinheiro triste A onda viril De fraterno afeto Em que te envolvi. las triste e lúcido Antes melhor fora Que voltasses bêbedo Marinheiro triste! E eu que para casa Vou como tu vais Para o teu navio, Feroz casco sujo Amarrado ao cais, Também como tu Marinheiro triste Vou lúcido e triste. Amanhã terás Depois que partires O vento do largo O horizonte imenso O sal do mar alto! Mas eu, marinheiro? — Antes melhor fora Que voltasse bêbedo!
Manuel Bandeira
Dorme, dorme, dorme... Quem te alisa a testa Não é Malatesta, Nem Pantagruel — O poeta enorme. Quem te alisa a testa É aquele que vive Sempre adolescente Nos oásis mais frescos De tua lembrança. Dorme, ele te nina. Te nina, te conta — Sabes como é —, Te conta a experiência Do vário passado, Das várias idades. Te oferece a aurora Do primeiro riso. Te oferece o esmalte Do primeiro dente. A dor passará, Como antigamente Quando ele chegava. Dorme... Ele te nina Como se hoje fosses A sua menina.
Manuel Bandeira
Settembre. Andiamo. E tempo di migrare. A rainha, em São paulo, chama-me. É agora Maria Cacilda Stuart E fala com sotaque voluntarioso, Não paulista nem catarinense: Acento beckeriano (com ck, não cqu), Que suscita infartos de alma, Tão imperativos quanto os de miocárdio. Saio do hotel com quatro olhos, — Dois do presente, Dois do passado. Anhangabaú que já não é dos suicídios passionais! O Hotel Esplanada virou catacumba. Enfim a Rua Direita! A minha Rua Direita: Que saudades tinha dela! Ainda existe a Casa Kosmos, mas Não tem impermeáveis em liquidação. Praça Antônio Prado, onde Tudo é novo, salvo aquela meia dúzia de sobradinhos. Montanha-russa da Avenida de São João! O anjo cor-de-rosa não é mais cor-de-rosa: O tempo patinou-o de negro. Almoço com Di, Que hoje é Emiliano di Cavalcanti. Volto ao hotel pelo Anhangabaú. Onde as Juvenilidades auriverdes? Onde A passiflora? o espanto? a loucura? o desejo? Ubi sunt? Ubi sum? — Obrigado, Mário, pela tua companhia.
Manuel Bandeira
Louvo o Padre, louvo o Filho, O Espírito Santo louvo. Louvo Rachel, minha amiga, nata e flor do nosso povo. Ninguém tão Brasil quanto ela, pois que, com ser do Ceará, tem de todos os Estados, do Rio Grande ao Pará. Tão Brasil: quero dizer Brasil de toda maneira — brasílica, brasiliense, brasiliana, brasileira. Louvo o Padre, louvo o Filho, o Espírito Santo louvo. Louvo Rachel e, louvada uma vez, louvo-a de novo. Louvo a sua inteligência, e louvo o seu coração. Qual maior? Sinceramente, meus amigos, não sei não. Louvo os seus olhos bonitos, louvo a sua simpatia. Louvo a sua voz nortista, louvo o seu amor de tia. Louvo o Padre, louvo o Filho, o Espírito Santo louvo. Louvo Rachel, duas vezes louvada, e louvo-a de novo. Louvo o seu romance; O Quinze E os outros três; louvo As Três Marias especialmente, mais minhas que de vocês. Louvo a cronista gostosa. Louvo o seu teatro: Lampião e a nossa Beata Maria. Mas chega de louvação, porque, por mais que a louvemos, Nunca a louvaremos bem. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.
Manuel Bandeira
Louvo o Padre, louvo o Filho, O Espírito Santo louvo. Isto feito, louvo aquele Que ora chega aos sessent'anos E no meio de seus pares Prima pela qualidade: O poeta lúcido e límpido Que é Carlos Drummond de Andrade. Prima em Alguma Poesia, Prima no Brejo das Almas. Prima na Rosa do Povo, No Sentimento do Mundo. (Lírico ou participante, Sempre é poeta de verdade Esse homem lépido e limpo Que é Carlos Drummond de Andrade.) Como é fazendeiro do ar, O obscuro enigma dos astros Intui, capta em claro enigma. Claro, alto e raro. De resto Ponteia em viola de bolso Inteiramente à vontade O poeta diverso e múltiplo Que é Carlos Drummond de Andrade. Louvo o Padre, o Filho, o Espírito Santo, e após outra Trindade Louvo: o homem, o poeta, o amigo Que é Carlos Drummond de Andrade.
Manuel Bandeira
Louvo o Padre, louvo o Filho, Louvo o alto Espírito Santo. Após quê, Pégaso ensilho E, para mundial espanto, Remonto à paragem calma Onde, em práticas sem fim, Deambulam as Musas: na alma De Lula — Lula Jardim. Um jardim de muitas flores e sem espinhos nenhuns. Jardim da Ilha dos Amores Replanto em Garanhuns. Louvo o desenhista exato: Maneje lápis, carvão Ou pena, trace retrato Ou paisagem, é sua mão Segura, certeira, leve: Nunca vi tão leve assim. E é assim também quando escreve Romance ou conto o Jardim. Faz igualmente bom teatro, Ótima crítica. Tem Arte e engenho como quatro... Deus conserve-o tal, amém! Um dia a menina Alice No País das Maravilhas Passeava. Lula lhe disse: “Vamos ter filhos e filhas? Casemo-nos!” E casaram-se. Mas os filhos não vieram. Lula e Alice conformaram-se. Foi o melhor que fizeram. Pois louvo Lula de novo E louvo Alice também. Louvo o Padre, o Filho louvo E o Espírito Santo. Amém!
Manuel Bandeira
Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo. Louvado Deus, louvo o santo De quem este Rio é filho. Louvo o santo padroeiro — Bravo São Sebastião — Que num dia de janeiro Lhe deu santa defensão. Louvo a cidade nascida No morro Cara de Cão, Logo depois transferida Para o Castelo, de então Descendo as faldas do outeiro, Avultando em arredores, Subindo a morros maiores, — Grande Rio de Janeiro! Rio de Janeiro, agora De quatrocentos janeiros... Ó Rio de meus primeiros Sonhos! (A última hora De minha vida oxalá Venha sob teus céus serenos, Porque assim sentirei menos O meu despejo de cá.) Cidade de sol e bruma, Se não és mais capital Desta nação, não faz mal: Jamais capital nenhuma, Rio, empanará teu brilho, Igualará teu encanto. Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo.
Manuel Bandeira
Nos teus poemas de cadências bíblicas Recolheste o som das coisas mais efêmeras: O vento que enternece as praias desertas, O desfolhar das rosas cansadas de viver, As vozes mais longínquas da infância, Os risos emudecidos das amadas mortas: Matilde, Esmeralda, a misteriosa Luciana, E Josefina, complicado ser que é mulher e é também o Brasil. A tudo que é transitório soubeste Dar, com a tua grave melancolia, A densidade do eterno. Mais de uma vez fizeste aos homens advertências terríveis. Mas tua glória maior é ser aquele Que soube falar a Deus nos ritmos de sua palavra. 10 de setembro de 1940 SONETO PLAGIADO DE AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT E de súbito n'alma incompreendida Esta mágoa, esta pena, esta agonia; Nos olhos ressequidos a sombria Fonte de pranto, quente e irreprimida. No espírito deserto a impressentida Misteriosa presença que não via; A consciência do mal que não sabia, Aparecida, desaparecida... Até bem pouco, era uma imagem baça. Agora, neste instante de certeza, Surgindo claro, como nunca o vi! E nesse olhar tocado pela graça Do céu, não sei que angélica pureza, — Pureza que não tenho, que perdi.
Manuel Bandeira
Thiago de Mello, cuidado! Poupa o teu novo sorriso. Não o dês (nem é preciso) Ao amigo refalsado, Ão crítico canastrão, Ao político safado, À mulher sem coração! Não o dês (nem é decente) À direita e à esquerda, a tantas Inúteis coisas e gente: A fariseus faroleiros, A calhordas sicofantas, Brasileiros, estrangeiros! Adverte, em teus desenganos, Que vale vinte e três anos, Mil e oitocentos cruzeiros!
Manuel Bandeira
"Casa-Grande & Senzala" Grande livro que fala Desta nossa leseira Brasileira. Mas com aquele forte Cheiro e sabor do Norte — Dos engenhos de cana (Massangana!) Com fuxicos danados E chamegos safados De mulecas fulôs Com sinhôs! A mania ariana Do Oliveira Viana Leva aqui a sua lambada Bem puxada. Se nos brasis abunda Jenipapo na bunda, Se somos todos uns Octoruns, Que importa? É lá desgraça? Essa história de raça, Raças más, raças boas — Diz o Boas — É coisa que passou com o franciú Gobineau. Pois o mal do mestiço Não está nisso. Está em causas sociais, De higiene e outras que tais: Assim pensa, assim fala Casa Grande & Senzala. Livro que à ciência alia A profunda poesia Que o passado revoca E nos toca A alma de brasileiro, Que o portuga femeeiro Fez e o mau fado quis Infeliz!
Manuel Bandeira
Mário Inteligência Sabor Surpresa As neblinas paulistas condensaram-se em ácidos sarcásticos E queimaram a epiderme azul dos aços virginais Mas nas sombras mais fundas ficaram os docementes dos nanquins mais melancólicos!... Como será São Paulo... O Paraná com os pinhais intratáveis? (Não servem para uma exploração regular da indústria do papel) Goiás! Ilha do Bananal! Mas os índios? Os mosquitos? Os botocudos e os borrachudos... Como será o Brasil?... Como será São Paulo? São Paulo era a Sé Velha Cercada de sobradinhos coloniais Na Rua de São João a escala cromática dos pára-sóis dos engraxates Progredior Politeama A Casa Garraux vendia também objetos de arte Camilo Castelo Branco não sabia ainda da existência dos piraquaras do Paraíba Não havia ainda Vasco Porcalho livreiro-editor encomendando a toda a gente uma novela safada Havia sim a Avenida Tiradentes espapaçada ao sol como um feriado nacional E o edifício do Liceu implorando baixinho que o deixassem em tijolo aparente (Lá dentro eu desenhando a bico de pena motivos arquitetônicos do Renascimento... As minhas arquiteturas corroídas!...) Duas vezes por semana música no Jardim da Luz A banda do maestro Antão A primeira da América do Sul O samba de Alexandre Levi Bis! Bis! O namorozinho nacional passeando cheio de dengue entre os zincos lambuzados de cerveja Não havia guaraná bebida depurativa e tônico-refrigerante Quem fazia o policiamento era a torre da Inglesa O relógio grande batia os quartos um dois três quatro e recomeçava indefinidamente sem compreender como aquela gente podia ainda ouvir Puccini E em torno dele a garoa paulistana irônica silenciosa encharcava todos os minutos Mas as garoas condensaram-se em ácidos sarcásticos E queimaram a epiderme azul dos aços virginais: Mário de Andrade! Como será São Paulo? Não havia mais bandeirantes Nem a lembrança de Álvares de Azevedo O antigo Largo de São Bento com as árvores nuas e magrinhas Pedia tanto um pouco de neve que lhe desse um arzinho de Paris Os filhos de Bernardino de Campos faziam parte do cordão Nem Teatro Municipal nem Esplanada Hotel Só havia um viaduto: Anhangabaú dos suicídios passionais! Ponte Grande! Cambuci! E o cemitério da Consolação... Mário um cigarro O punho forte do subconsciente campeia e conjuga os relâmpagos mais díspares Os ritmos mais dissolutos Raivas Testamentos de Heiligenstadt Amores fantasmagorias carnavais porrada Coisas absolutamente incompreensíveis Como as obras de Deus Raivas raivas Bondade A girândola do último dia de novena Tudo Para todos os lados CATÓLICO Mário um cigarro Positivamente esta quarta-feira está cotidiana demais O leite da manhã tinha mais água O sol está banal como uma taça de campeonato Como os bronzes comerciais que representam o Trabalho Eu não sei latim Não sei cálculo diferencial e integral Não sei tocar piano (por causa de uma sonatina de Steibelt) Não compreendo absolutamente Fichte Schelling e Hegel Victor Hugo é pau Byron é pau Mário um cigarro CAPORAL LAVADO! Numa pia de igreja em Bizâncio está gravada esta inscrição NIPSONANOMHMATAMHMONANOSPIN Soletrada da direita para a esquerda recompõe o mesmo sentido Lava os pecados não laves só a cara Mário eles não lavam nem os pecados nem a cara Os homens são horríveis POR ISSO HÁ QUE OS AMAR Com os docementes dos nanquins mais melancólicos Brasil Como será o Brasil? MÁRIO DE ANDRADE
Manuel Bandeira
Nudez anatômica Onde madrugais Areia dormente! Quem vem lá, Vinícius Não o de Morais Mas o de imorais Poemas vai perdido Tão perdidamente Pela bomba atômica. E diz-lhe ao ouvido: — Ai bombinha atômica Vem comigo vem! Sou tão delicado Sou um monstrozinho De delicadeza! Meu amor meu bem Me ama me possui Me faz em pedaços! Já não sou Vinícius Sou o que jamais Fui: Mar de Sargaços Cabo Guardafui! Cantarei na lira Casimiriana Versos que esqueceram Às musas de Gôngora! E te chamarei Cupincha Nux Vomica Oriana Ariana! Ah mal sei que e é igual a mc2 Perdão bomba atômica! Sou um sórdido poeta Fundo em matemática E te amo ai de mim! Vem ó pomba atômica! Vem minha bombinha Pombinha rolinha Do meu coração! Vem como és agora: Te quero novinha Donzela pucela Antes da ebaente Desintegração!
Manuel Bandeira
1. Doces de açúcar e gemas São teus versos, e teus doces Sabem a poemas: não fosses Toda doce em cada poema! 2. Pouco e coco rimam, sim, Mas quando o coco é o seu coco, Que, por mais que seja, é pouco (Pelo menos para mim!). 3. Não veio doce, mas veio Verso seu, que me é tão doce Como se doce ele fosse: Mais que doce: doce e meio!
Manuel Bandeira
Como foi que temperaste, Portugal, meu avozinho, Esse gosto misturado De saudade e de carinho? Esse gosto misturado De pele branca e trigueira, — Gosto de África e de Europa, Que é o da gente brasileira? Gosto de samba e de fado, Portugal, meu avozinho. Ai Portugal que ensinaste Ao Brasil o teu carinho! Tu de um lado, e do outro lado Nós... No meio o mar profundo... Mas, por mais fundo que seja, Somos os dois um só mundo. Grande mundo de ternura, Feito de três continentes... Ai, mundo de Portugal, Gente mãe de tantas gentes! Ai, Portugal, de Camões, Do bom trigo e do bom vinho, Que nos deste, ai avozinho, Este gosto misturado, Que é saudade e que é carinho!
Manuel Bandeira
Marcus Vinícius Cruz de Moraes, Eu não sabia Que no teu nome Tu carregavas À tua cruz De fogo e lavas. Cruz da poesia? Cruz do renome? Marcus Vinícius Que em tuas puras, Tuas selvagens Raras imagens Da mais pungente Melancolia Ficaste ardente Para jamais: Quais são teus vícios, Vinícius, quais, Para os purgares Nas consulares Assinaturas? Marcus Vinícius, Eu já te tinha (E te ofereço Esta tetinha) Como um dos marcos De maior preço Do bom lirismo Da pátria minha. Mas não sabia Que fosses Marcus Pelo batismo. Hoje que o sei, Te gritarei Num poema bem, Bem, não! no mais Pantafaçudo Que já compus: — Marcus Vinícius Cruz de Moraes (Mello também), De cruz a cruz Eu te saúdo!
Manuel Bandeira
Glória aos poetas de Portugal. Glória a D. Dinis. Glória a Gil Vicente. Glória a Camões. Glória a Bocage, a Garrett, a João de Deus (mas todos são de Deus, e há um santo; Antero de Quental). Glória a Junqueiro. Glória ao sempre Verde Cesário. Glória a Antônio Nobre. Glória a Eugênio de Castro. A Pessoa e seus heterônimos. A Camilo Pessanha. Glória a tantos mais, a todos mais. — Glória a Teixeira de Pascoais.
Manuel Bandeira
Craveiro, dá-me uma rosa! Mas não qualquer, General: Que eu quero, Craveiro, a rosa Mais linda de Portugal! Não me dês rosa de sal. Não me dês rosa de azar. Não me dês, Craveiro, rosa Dos jardins de Salazar! A Portugal mando um cravo. Mas não qualquer, General: Mando o cravo mais bonito Da minha terra natal! Não cravo de Juscelino, Nem de nenhum general! Não cravo (se há lá já cravos!) Da futura capital. Mando o puro cravo branco Da pátria não oficial: Cravo de amor, — sem política, Só de amor, meu General.
Manuel Bandeira
Isabel querida — A menininha mais bonitinha, mais engraçadinha, mais bizurunguinha que eu já vi na minha vida — amorável, adorável, a d o r á v e l ! Mas é mesmo uma menina? Ou será, Manuel, lírio da campina botão de rosa no galho, ou na manhã fria de abril, cristalina gotinha de orvalho? (De orvalho ou de mel?) Se não é um doce, é como se fosse. É mais: um anjinho muito seriozinho caído do céu por descuido, com uma bonequinha loura e coradinha nos braços. Que bom que é um anjo fresquinho caído do céu! Rogo a Deus, nosso Senhor, seres meu anjo-guardião: se um dia, seja em que for, eu cair em tentação (sou tão grande pecador!) peço-te que tu me salves, salves o bardo Manuel, Isabel, — Isabel Moreira Alves.
Manuel Bandeira
Mar que ouvi sempre cantar murmúrios Na doce queixa das elegias, Como se fosses, nas tardes frias De tons purpúreos, A voz das minhas melancolias: Com que delícia neste infortúnio, Com que selvagem, profundo gozo, Hoje te vejo bater raivoso, Na maré-cheia de novilúnio, Mar rumoroso! Com que amargura mordes a areia, Cuspindo a baba da acre salsugem, No torvelinho de ondas que rugem Na maré-cheia, Mar de sargaços e de amuragem! As minhas cóleras homicidas, Meus velhos ódios de iconoclasta, Quedam-se absortos diante da vasta, Pérfida vaga que tudo arrasta, Mar que intimidas! Em tuas ondas precipitadas, Onde flamejam lampejos ruivos, Gemem sereias despedaçadas, Em longos uivos Multiplicados pelas quebradas. Mar que arremetes, mas que não cansas, Mar de blasfêmias e de vinganças, Como te invejo! Dentro em meu peito Eu trago um pântano insatisfeito De corrompidas desesperanças!... 1913
Manuel Bandeira
Bélgica dos canais de labor perseverante, Que a usura das cousas, tempo afora, Tempo adiante, Fez para agora e para jamais Canais de infinita, enternecida poesia... Bélgica dos canais, Bélgica de cujos canais Saiu ao mar mais de uma ingênua vela branca... Mais de uma vela nova... mais de uma vela virgem... Bélgica das velas brancas e virgens! Bélgica dos velhos paços municipais, Umidos da nostalgia De um nobre passado irrevocável. Bélgica dos pintores flamengos. Bélgica onde Verlaine escreveu Sagesse. Bélgica das beguines, Das humildes beguines de mãos postas, em prece, Sob os toucados de linho simbólicos. * Bélgica de Malines. Bélgica de Bruges-a-morta... Bélgica dos carrilhões católicos. Bélgica dos poetas iniciadores, Bélgica de Maeterlinck (La Mort de Tintagiles, Pelléas et Mélisande.) Bélgica de Verhaeren e dos campos alucinados de Flandres. Bélgica das velas ingênuas e virgens.
Manuel Bandeira
Sino de Belém, Sino da Paixão... Sino de Belém, Sino da Paixão... Sino do Bonfim!... Sino do Bonfim... Sino de Belém, pelos que inda vêm! Sino de Belém bate bem-bem-bem. Sino da Paixão, pelos que lá vão! Sino da Paixão bate bão-bão-bão. Sino do Bonfim, por quem chora assim?... Sino de Belém, que graça ele tem! Sino de Belém bate bem-bem-bem. Sino da Paixão — pela minha irmã! Sino da Paixão — pela minha mãe! Sino do Bonfim, que vai ser de mim?... Sino de Belém, como soa bem! Sino de Belém bate bem-bem-bem. Sino da Paixão... Por meu pai?... — Não! Não!... Sino da Paixão bate bão-bão-bão. Sino do Bonfim, baterás por mim?... Sino de Belém, Sino da Paixão... Sino da Paixão, pelo meu irmão... Sino da Paixão, Sino do Bonfim... Sino do Bonfim, ai de mim, por mim! Sino de Belém, que graça ele tem!