Poemas em Estrangeiro
Nem só o Português é lingua com belos poemas. Aqui pode encontrar uma seleção de Poemas em lingua estrangeira ricos em conhecimento e sabedoria.
Joaquim Maria Machado de Assis
Que deviendra dans l'éternité l'âme d'un homme qui a fait Polichinelle toute sa vie? Mme. DE STAEL Musa, depõe a lira! Cantos de amor, cantos de glória esquece! Novo assunto aparece Que o gênio move e a indignação inspira. Esta esfera é mais vasta, E vence a letra nova a letra antiga! Musa, toma a vergasta, E os arlequins fustiga. Como aos olhos de Roma, — Cadáver do que foi, pávido império De Caio e de Tibério, — O filho de Agripina ousado assoma; E a lira sobraçando, Ante o povo idiota e amedrontado, Pedia, ameaçando, O aplauso acostumado; E o povo que beijava Outrora ao deus Calígula o vestido, De novo submetido Ao régio saltimbanco o aplauso dava. E tu, tu não te abrias, Ó céu de Roma, à cena degradante! E tu, tu não caías, Ó raio chamejante! Tal na história que passa Neste de luzes século famoso, O engenho portentoso Sabe iludir a néscia população; Não busca o mal tecido Canto de outrora; a moderna insolência Não encanta o ouvido, Fascina a consciência! Vede; o aspecto vistoso, O olhar, seguro, altivo e penetrante, E certo ar arrogante Que impõe com aparências de assombroso; Não vacila, não tomba, Caminha sobre a corda firme e alerta; Tem consigo a maromba E a ovação é certa. Tamanha gentileza, Tal segurança, ostentação tão grande, A multidão expande Com ares de legítima grandeza. O gosto pervertido Acha o sublime neste abatimento, E dá-lhe agradecido O louro e o monumento. Do saber, da virtude, Logra fazer, em prêmio dos trabalhos, Um manto de retalhos Que à consciência universal ilude. Não cora, não se peja Do papel, nem da máscara indecente, E ainda inspira inveja Esta glória insolente! (. ..) Imagem - 00010001 Publicado no livro Crisálida: poesias (1864). In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.196-197. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira
José Gonçalves de Magalhães
Longe do belo céu da Pátria minha, Que a mente me acendia, Em tempo mais feliz, em qu'eu cantava Das palmeiras à sombra os pátrios feitos; Sem mais ouvir o vago som dos bosques, Nem o bramido fúnebre das ondas, Que n'alma me excitavam Altos, sublimes turbilhões de idéias; Com que cântico novo O Dia saudarei da Liberdade? Ausente do saudoso, pátrio ninho, Em regiões tão mortas, Para mim sem encantos, e atrativos, Gela-se o estro ao peregrino vate. Tu também, que nos trópicos te ostentas Fulgurante de luz, e rei dos astros, Tu, oh sol, neste céu teu brilho perdes. (...) Dia da Liberdade! Tu só dissipas hoje esta tristeza Que a vida me angustia. Tu só me acordas hoje do letargo Em que esta alma se abisma, De resistir cansada a tantas dores. Ah! talvez que de ti poucos se lembrem Neste estranho país, onde tu passas Sem culto, sem fulgor, como em deserto Caminha o viajor silencioso. Mas rápidos os dias se devolvem; E tu, oh sol, que pálido me aclaras Nestas longínquas plagas, Brilhante ainda raiarás na Pátria, E ouvirás meus hinos Em honra deste Dia, não magoados Co'os fúnebres acentos da saudade. Publicado no livro Suspiros Poéticos e Saudades (1836). Poema integrante da série Saudades. In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
Que mágico pincel, mimo de Apolo, Com muda locução, com vivas cores, Faz da Pátria passar os Defensores Desde o pólo do Sul do Norte ao pólo? Quem tanto esmalta o Brasileiro solo? Estes belos painéis, tão faladores Mais encantos possuem que os Amores Quando da terna mãe se erguem do colo. Rafael do Brasil, eu te saúdo. Tu serás entre nós das Belas Artes Um novo vingador, um forte escudo. Honra à Pátria não dão feroces Martes, Mas Artistas quais tu! Elmano, eis tudo Porque atroam do mundo as quatro partes. Publicado no livro Poesias (1832). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
(...) "No Brasil, como sabes, qualquer zote Um formado doutor se conceitua; Quem pra trolha nasceu, ou pro rabote Não creias que consulte a sorte sua; Toda a baixa gentalha deste lote Em política ao menos se insinua. O vadio, o pedante, o mentecapto Pra os públicos empregos julga-se apto. "Não é com má tenção qu'isto te digo, Mas sim porqu'ad reum o caso o pede, Tu mesmo terás dito lá contigo Que o pedantismo no Brasil tem sede: Quem tem um Governante por amigo Alcança tudo que deseja, e pede, Não se gradua o mérito e a virtude, Pra escravo, e adulador basta que estude. "Há muito qu'este mal nos assolapa E tem feito o Brasil andar à-toa; Toma um alvar de patriota a capa, E defensor da Pátria se apregoa. Dos patriotas é tão grande o mapa Quanto o dos asnos, qu'ela galardoa; Quem talentos não tem, nem tem ofício Um emprego requer em sacrifício "Era o tempo da nossa Independência Em que certa Família dominava, E, como hoje se faz, por influência D'algum patrono, tudo se alcançava. Do nosso Herói não foi baldada a agência, E como patriota se inculcava Alegando ser Jovem Fluminense, Pôde um lugar obter de Amanuense. (...) "Mas coitado! uma idéia o afligia, Era o seu mau estado monetário; Nada tinha de seu; e ele bem via Que tudo no Brasil era precário. Seu lugar d'um Ministro dependia; Sendo tudo interino e arbitrário, Tudo cair podia num instante, Quanto mais ele, mísero pedante! (. ..) Publicado no livro Episódio da Infernal Comédia ou Da Minha Viagem ao Inferno (1836). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
Pela Pátria, e por mim a voz desprendo Ao som da lira que a saudade empunha; Verdade, e gratidão guiam meu canto, Não sórdida cobiça Debret, digno Francês, Pintor preclaro, Caro Amigo; Homem firme, sábio Mestre, Eu te agradeço os bens, que tu fizeste A mim, e à Pátria minha. De um bom filho é dever ao pai ser útil; Mas de homem o dever é ser a todos: Assaz útil nos fôste, assaz nos deste De homem, de amigo provas. Saudosa a tua Pátria ora te chama, E para receber-te estende os braços; Chama-te a Pátria, não hesites, cumpre Os deveres de filho. Deixa embora o Brasil, que tanto prezas; Não mais encares suas belas cenas; Sei que ele é sedutor, que tem encantos Que os alvedrios prendem. Sei quanto no meu peito a Pátria impera, Que mais o meu amor subir não pode; Como pois poderei aconselhar-te Que a tua Pátria deixes? Ah não! não se dirá, que um Brasileiro A tanto se atreveu; embora, embora Não honre o teu pincel a nossa história, Nem as nossas paisagens. Tu conheces meu peito, assaz tu sabes Que honra, e virtude assim n'alma me gritam. Indócil coração eu não possuo, Indiferente a tudo. Morno pesar me enluta, e me profliga Agora que o Brasil, e a mim tu deixas. Ah não condenes que entrecorte o canto Com ais, e com suspiros. Em nossos corações agradecidos Tu soubeste, oh Debret, gravar teu nome, E neles viverás, enquanto as Artes Amadores tiverem. (. ..) Sim, oh Debret, será teu nome eterno; E quando outro penhor tu nos não desses, Um Araújo só bastante fôra Para honra tua, e nossa. (. ..) Mas outros deixas monumentos vivos; Existem os Carvalhos, e os Arrudas, Que a muda Natureza em breves quadros Mimosos representam. Oxalá que eu também sem desonrar-te Que teu discíp'lo fui dizer pudesse; Mas ao menos direi, sou teu amigo, E basta-me tal glória. Se este fraco tributo de amizade For aos olhos do Mundo apresentado, Conheça o quanto a gratidão domina No peito Brasileiro. Imagem - 00410006 Publicado no livro Poesias (1832). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
Manuel Bandeira
Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional.
Manuel Bandeira
Quando n'alma pesar de tua raça A névoa da apagada e vil tristeza, Busque ela sempre a glória que não passa, Em teu poema de heroísmo e de beleza. Gênio purificado na desgraça, Tu resumiste em ti toda a grandeza: Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça O amor da grande pátria portuguesa. E enquanto o fero canto ecoar na mente Da estirpe que em perigos sublimados Plantou a cruz em cada continente, Não morrerá sem poetas nem soldados A língua em que cantaste rudemente As armas e os barões assinalados.
Manuel Bandeira
Eurico Alves, poeta baiano, Salpicado de orvalho, leite cru e tenro cocô de cabrito, Sinto muito, mas não posso ir a Feira de Sant'Ana. Sou poeta da cidade. Meus pulmões viraram máquinas inumanas e aprenderam a respirar O gás carbônico das salas de cinema. Como o pão que o diabo amassou. Bebo leite de lata. Falo com A., que é ladrão. Aperto a mão de B., que é assassino. Há anos que não vejo romper o sol, que não lavo os olhos nas cores das madrugadas. Eurico Alves, poeta baiano, Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais da roça.