Poemas sobre Sonhos
Poesia que celebra a imaginação, a busca de objetivos e a realização de sonhos.
Florbela Espanca
Na vida nada tenho e nada sou; Eu ando a mendigar pelas estradas... No silêncio das noites estreladas Caminho, sem saber para onde vou! Tinha o manto do sol... quem mo roubou?! Quem pisou minhas rosas desfolhadas?! Quem foi que sobre as ondas revoltadas A minha taça de ouro espedaçou? Agora vou andando e mendigando, Sem que um olhar dos mundos infinitos Veja passar o verme, rastejando... Ah, quem me dera ser como os chacais Uivando os brados, rouquejando os gritos Na solidão dos ermos matagais!...
Florbela Espanca
Quanta mulher no teu passado, quanta! Tanta sombra em redor! Mas que me importa? Se delas veio o sonho que conforta, A sua vinda foi três vezes santa! Erva do chão que a mão de Deus levanta, Folhas murchas de rojo à tua porta... Quando eu for uma pobre coisa morta, Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta! Mas eu sou a manhã: apago estrelas! Hás de ver-me, beijar-me em todas elas, Mesmo na boca da que for mais linda! E quando a derradeira, enfim, vier, Nesse corpo vibrante de mulher Será o meu que hás de encontrar ainda..
Florbela Espanca
A noite empalidece.Alvorecer... Ouve-se mais o gargalhar da fonte... Sobre a cidade muda, o horizonte É uma orquídea estranha a florescer. Há andorinhas prontas a dizer A missa d ́alva, mal o sol desponte. Gritos de galos soam monte em monte Numa intensa alegria de viver. Passos ao longe...um vulto que se esvai... Em cada sombra Colombina trai... Anda o silêncio em volta a q ́rer falar... E o luar que desmaia, macerado, Lembra, pálido, tonto, esfarrapado, Um Pierrot, todo branco, a soluçar..
Florbela Espanca
Nesse país de lenda, que me encanta, Ficaram meus brocados, que despi, E as jóias que p ́las aias reparti Como outras rosas de Rainha Santa! Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta! Foi por lá que as semeei e que as perdi... Mostrem-me esse País onde eu nasci! Mostrem-me o reino de que eu sou infanta! Ó meu país de sonho e de ansiedade, Não sei se esta quimera que me assombra, É feita de mentira ou de verdade! Quero voltar! Não sei por onde vim... Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra Por entre tanta sombra igual a mim!
Florbela Espanca
Amiga... noiva... irmã... o que quiseres! Por ti, todos os céus terão estrelas, Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las, Ao beijar a esmola que me deres. Podes amar até outras mulheres! - Hei de compor, sonhar palavras belas, Lindos versos de dor só para elas, Para em lânguidas noites lhes dizeres! Crucificada em mim, sobre os meus braços, Hei de pousar a boca nos teus passos Pra não serem pisados por ninguém. E depois... Ah, depois de dores tamanhas, Nascerás outra vez de outras entranhas, Nascerás outra vez de uma outra mãe!
Florbela Espanca
Neste tormento inútil, neste empenho De tornar em silêncio o que em mim canta, Sobem-me roucos brados à garganta Num clamor de loucura que contenho. Ó alma da charneca sacrossanta, Irmã da alma rútila que eu tenho, Dize para onde eu vou, donde é que venho Nesta dor que me exalta e me alevanta! Visões de mundos novos, de infinitos, Cadências de soluços e de gritos, Fogueira a esbrasear que me consome! Dize que mão é esta que me arrasta? Nódoa de sangue que palpita e alastra... Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
Florbela Espanca
No divino impudor da mocidade, Nesse êxtase pagão que vence a sorte, Num frêmito vibrante de ansiedade, Dou-te meu corpo prometido à morte! A sombra entre a mentira e a verdade... A nuvem que arrastou o vento norte... - Meu corpo! Trago nele um vinho forte: Meus beijos de volúpia e de maldade! Trago dálias vermelhas no regaço... São os dedos do sol quando te abraço, Cravados no teu peito como lanças! E do meu corpo os leves arabescos Vão-te envolvendo em círculos dantescos Felinamente, em voluptuosas danças...
Florbela Espanca
Rasga esses versos que eu te fiz, amor! Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento, Que a cinza os cubra, que os arraste o vento, Que a tempestade os leve aonde for! Rasga-os na mente, se os souberes de cor, Que volte ao nada o nada de um momento! Julguei-me grande pelo sentimento, E pelo orgulho ainda sou maior!... Tanto verso já disse o que eu sonhei! Tantos penaram já o que eu penei! Asas que passam, todo o mundo as sente... Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida! Como se um grande amor cá nesta vida Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...
Fernando Pessoa
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa Substitui o calor. P'ra ser feliz tanta coisa é precisa. Este luzir é melhor. O que é a vida? O espaço é alguém para mim. Sonhando sou eu só. A luzir, em quem não tem fim E, sem querer, tem dó. Extensa, leve, inútil passageira, Ao roçar por mim traz Uma ilusão de sonho, em cuja esteira A minha vida jaz. Barco indelével pelo espaço da alma, Luz da candeia além Da eterna ausência da ansiada calma, Final do inútil bem. Que se quer, e, se veio, se desconhece Que, se flor, seria O tédio de o haver... E a chuva cresce Na noite agora fria. 18/09/1920
Fernando Pessoa
Cansado até dos deuses que não são... Ideais, sonhos... Como o sol é real E na objectiva coisa universal Não há o meu coração... Eu ergo a mão. Olho-a de mim, e o que ela é não sou eu. Ente mim e o que sou há a escuridão. Mas o que são a isto a terra e o céu? Houvesse ao menos, visto que a verdade É falsa, qualquer coisa verdadeira De outra maneira Que a impossível certeza ou realidade. Houvesse ao menos, sob o sol do mundo, Qualquer postiça realidade não O eterno abismo sem fundo, Crível talvez, mas tendo coração. Mas não há nada, salvo tudo sem mim. Crível por fora da razão, mas sem Que a razão acordasse e visse bem; Real com coração, (...) 10/07/1920
Fernando Pessoa
A lembrada canção, Amor, renova agora. Na noite, olhos fechados, tua voz Dói-me no coração Por tudo quanto chora. Cantas ao pé de mim, e eu estou a sós. Não, a voz não é tua Que se ergue e acorda em mim Murmúrios de saudade e de inconstância, O luar não vem da lua Mas do meu ser afim Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância. Não, não é teu o canto Que como um astro ao fundo Da noite imensa do meu coração Chama em vão, chama tanto... Quem sou não sei... e o mundo?... Renova, amor, a antiga e vã canção. Cantas mais que por ti, Tua voz é uma ponte Por onde passa, inúmero, um segredo Que nunca recebi – Murmúrio do horizonte, Água na noite, morte que vem cedo. Assim, cantas sem que existas. Ao fim do luar pressinto Melhores sonhos que estes da ilusão 01/01/1920
Fernando Pessoa
Tudo quanto sonhei tenho perdido Antes de o ter. Um verso ao menos fique do inobtido, Música de perder. Pobre criança a quem não deram nada, Choras? É em vão. Como eu choro à beira da erma estrada. Perdi o coração. A ti talvez, que não te tens dado, Daria enfim... A mim... Sei eu que duro e inato fado Me espera a mim? 1920
Fernando Pessoa
A lembrada canção, Amor, renova agora. Na noite, olhos fechados, tua voz Dói-me no coração Por tudo quanto chora. Cantas ao pé de mim, e eu estou a sós. Não, a voz não é tua Que se ergue e acorda em mim Murmúrios de saudade e de inconstância, O luar não vem da lua Mas do meu ser afim Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância. Não, não é teu o canto Que como um astro ao fundo Da noite imensa do meu coração Chama em vão, chama tanto... Quem sou não sei... e o mundo?... Renova, amor, a antiga e vã canção. Cantas mais que por ti, Tua voz é uma ponte Por onde passa, inúmero, um segredo Que nunca recebi – Murmúrio do horizonte, Água na noite, morte que vem cedo. Assim, cantas sem que existas. Ao fim do luar pressinto Melhores sonhos que estes da ilusão 01/01/1920
Fernando Pessoa
Tudo quanto sonhei tenho perdido Antes de o ter. Um verso ao menos fique do inobtido, Música de perder. Pobre criança a quem não deram nada, Choras? É em vão. Como eu choro à beira da erma estrada. Perdi o coração. A ti talvez, que não te tens dado, Daria enfim... A mim... Sei eu que duro e inato fado Me espera a mim? 1920