Poemas sobre Sonhos

Poesia que celebra a imaginação, a busca de objetivos e a realização de sonhos.

Uma imagem com a seguinte frase Je veux changer mes pensées en oiseaux.

C. MAROT


Olha como, cortando os leves ares,

Passam do vale ao monte as andorinhas;

Vão pousar na verdura dos palmares,

Que, à tarde, cobre transparente véu;

Voam também como essas avezinhas

Meus sombrios, meus tristes pensamentos;

Zombam da fúria dos contrários ventos,

Fogem da terra, acercam-se do céu.


Porque o céu é também aquela estância

Onde respira a doce criatura,

Filha do nosso amor, sonho da infância,

Pensamento dos dias juvenis.

Lá, como esquiva flor, formosa e pura,

Vives tu escondida entre a folhagem,

Ó rainha do ermo, ó fresca imagem

Dos meus sonhos de amor calmo e feliz!


Vão para aquela estância enamorados,

Os pensamentos de minh'alma ansiosa;

Vão contar-lhe os meus dias gozados

E estas noites de lágrimas e dor.


Na tua fronte pousarão, mimosa,

Como as aves no cimo da palmeira,

Dizendo aos ecos a canção primeira

De um livro escrito pela mão do amor.


Dirão também como conservo ainda

No fundo de minh'alma essa lembrança

De tua imagem vaporosa e linda,

Único alento que me prende aqui.


E dirão mais que estrelas de esperança

Enchem a escuridão das noites minhas.

Como sobem ao monte as andorinhas,

Meus pensamentos voam para ti.



Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária.


In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994 v.3, p.51-52. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira

Joaquim Maria Machado de Assis

Je veux changer mes pensées en oiseaux. C. MAROT Olha como, cortando os leves ares, Passam do vale ao monte as andorinhas; Vão pousar na verdura dos palmares, Que, à tarde, cobre transparente véu; Voam também como essas avezinhas Meus sombrios, meus tristes pensamentos; Zombam da fúria dos contrários ventos, Fogem da terra, acercam-se do céu. Porque o céu é também aquela estância Onde respira a doce criatura, Filha do nosso amor, sonho da infância, Pensamento dos dias juvenis. Lá, como esquiva flor, formosa e pura, Vives tu escondida entre a folhagem, Ó rainha do ermo, ó fresca imagem Dos meus sonhos de amor calmo e feliz! Vão para aquela estância enamorados, Os pensamentos de minh'alma ansiosa; Vão contar-lhe os meus dias gozados E estas noites de lágrimas e dor. Na tua fronte pousarão, mimosa, Como as aves no cimo da palmeira, Dizendo aos ecos a canção primeira De um livro escrito pela mão do amor. Dirão também como conservo ainda No fundo de minh'alma essa lembrança De tua imagem vaporosa e linda, Único alento que me prende aqui. E dirão mais que estrelas de esperança Enchem a escuridão das noites minhas. Como sobem ao monte as andorinhas, Meus pensamentos voam para ti. Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária. In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994 v.3, p.51-52. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira

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Uma imagem com a seguinte frase Canto VII


II


Eis que um sonho, agitando as asas brancas

Leve espalha no cérebro do Almada,

Como gotas de chuva rara e fina,

Um pó sutil de mágicas patranhas.

Sonha.
.. Em que há de sonhar o grão prelado?

Vê no espaço um ginete alto e possante

À solta galopando, e logo nele,

Elmo de ouro, armadura de aço fino,

A briosa figura de um guerreiro.

Tenta irritado o indômito cavalo

O cavaleiro sacudir na terra,

Mastiga o freio, empina-se, escoiceia,

Voa de norte a sul, de leste a oeste,

Ora, a pata veloz roça nos mares,

Ora, igual ao tufão, descose as nuvens,

Mas o galhardo cavaleiro as rédeas

Coas fortes mãos encurta, e pouco a pouco

O ríspido quadrúpede sossega

E pára no ar. No rosto do guerreiro

Vê as próprias feições o grande Almada,

Olhos, cabelos, boca, faces, tudo,

Tudo é dele. Ó prodígio! Voz solene

Do ponto mais recôndito do espaço,

Onde estrela não há, não há planeta,

Estas palavras singulares solta:

"O bravo cavaleiro és tu, prelado,

E o domado corcel é o teu rebanho,

Que embalde morde o freio e se rebela

Contra ti que hás vencido el-rei e o povo,

Tornando em cinzas o atrevido Mustre."


III


Deste agradável sonho consolado,

Abre o pastor os olhos, vira o corpo,

E outra vez adormece. Novo quadro

E diverso lhe pinta a fantasia.

Vê-se diante de provida mesa,

À direita do papa, e come e bebe

De cem bispos servido. Entusiasmado

Com as finezas de Alexandre Sétimo,

O prelado um discurso principia

Depois de haver tossido quatro vezes.

Os olhos fita num painel que estava

Na fronteira parede; a mão do artista

O belo e forte arcanjo debuxara

Que a Satanás venceu; às plantas suas

Jaz o eterno rebelde. Entrava apenas

No magnífico exórdio do discurso

O valoroso Almada, quando a tela

A tremer começou; subitamente

O brilhante Miguel desaparece,

E o diabo que ali prostrado fora

Toma a figura do execrando Mustre,

Levanta-se do chão; e com desprezo,

E com gesto de escárnio e de ameaça,

Os turvos olhos no prelado fita

E a devassa fatal nas mãos sustenta.

Pasmam do caso os circunstantes todos,

Enquanto o forte Almada tropeçando

Nas cadeiras, nos vasos, nas cortinas,

Foge aterrado, uma janela busca,

Dela, sem ver a altura, se despenha,

E de abismo em abismo vai rolando

Até cair da própria cama abaixo.


Imagem - 00010001



Publicado no livro Outras relíquias: prosa e verso (1910).


In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.269-270. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira)


NOTA: Poema inacabado, composto de 8 cantos. O canto 7 é composto de 17 parte

Joaquim Maria Machado de Assis

Canto VII II Eis que um sonho, agitando as asas brancas Leve espalha no cérebro do Almada, Como gotas de chuva rara e fina, Um pó sutil de mágicas patranhas. Sonha. .. Em que há de sonhar o grão prelado? Vê no espaço um ginete alto e possante À solta galopando, e logo nele, Elmo de ouro, armadura de aço fino, A briosa figura de um guerreiro. Tenta irritado o indômito cavalo O cavaleiro sacudir na terra, Mastiga o freio, empina-se, escoiceia, Voa de norte a sul, de leste a oeste, Ora, a pata veloz roça nos mares, Ora, igual ao tufão, descose as nuvens, Mas o galhardo cavaleiro as rédeas Coas fortes mãos encurta, e pouco a pouco O ríspido quadrúpede sossega E pára no ar. No rosto do guerreiro Vê as próprias feições o grande Almada, Olhos, cabelos, boca, faces, tudo, Tudo é dele. Ó prodígio! Voz solene Do ponto mais recôndito do espaço, Onde estrela não há, não há planeta, Estas palavras singulares solta: "O bravo cavaleiro és tu, prelado, E o domado corcel é o teu rebanho, Que embalde morde o freio e se rebela Contra ti que hás vencido el-rei e o povo, Tornando em cinzas o atrevido Mustre." III Deste agradável sonho consolado, Abre o pastor os olhos, vira o corpo, E outra vez adormece. Novo quadro E diverso lhe pinta a fantasia. Vê-se diante de provida mesa, À direita do papa, e come e bebe De cem bispos servido. Entusiasmado Com as finezas de Alexandre Sétimo, O prelado um discurso principia Depois de haver tossido quatro vezes. Os olhos fita num painel que estava Na fronteira parede; a mão do artista O belo e forte arcanjo debuxara Que a Satanás venceu; às plantas suas Jaz o eterno rebelde. Entrava apenas No magnífico exórdio do discurso O valoroso Almada, quando a tela A tremer começou; subitamente O brilhante Miguel desaparece, E o diabo que ali prostrado fora Toma a figura do execrando Mustre, Levanta-se do chão; e com desprezo, E com gesto de escárnio e de ameaça, Os turvos olhos no prelado fita E a devassa fatal nas mãos sustenta. Pasmam do caso os circunstantes todos, Enquanto o forte Almada tropeçando Nas cadeiras, nos vasos, nas cortinas, Foge aterrado, uma janela busca, Dela, sem ver a altura, se despenha, E de abismo em abismo vai rolando Até cair da própria cama abaixo. Imagem - 00010001 Publicado no livro Outras relíquias: prosa e verso (1910). In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.269-270. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira) NOTA: Poema inacabado, composto de 8 cantos. O canto 7 é composto de 17 parte

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Uma imagem com a seguinte frase Dos vates a antiga usança

Quis respeitoso seguir,

Ensaiando em anagrama

Teu doce nome exprimir;

Mas a mente em vão se cansa,

No desejo que me inflama

Nada me vem acudir.


Não desistindo da idéia,

Volto a ela sem cessar;

Diversos nomes invento,

Sem nenhum poder achar,

Que seja nome de idéia,

E se preste ao meu intento,

Sem o teu muito ocultar.


Vendo alfim que não podia

Teu anagrama fazer;

Que quantos eu inventava

Nada queriam dizer;

Uma idéia à fantasia,

Quando já nada esperava,

Me veio enfim socorrer.


Foi idéia luminosa,

Direi quase inspiração,

Pois que senti de repente

Palpitar-me o coração.

Sua força imperiosa

Foi tal, qu'eu obediente

Dei-lhe pronta execução.


De papel em uma fita

Teu lindo nome escrevi;

Pondo as letras separadas,

Co'a tesoura as dividi.

Cada solta letra escrita

Enrolei, e baralhadas,

Numa caixinha as meti.


Tudo ao acaso deixando,

Da sorte o cofre agitei;

E tirando-as de uma em uma,

Uma após outra as tracei.

Oh prodígio! Oh pasmo! Quando

Esta maravilha suma

De um mero acaso esperei?


Já Urânia — escrito estava!

Foi Amor quem o escreveu!

Não, não foi obra do acaso;

Teu nome veio do céu!

Aquele — já — me ordenava

Que da Urânia do Parnaso

Fosse o nome agora teu.


Que para mim renascida

A Musa Urânia serás.

Que ao céu e a Deus minha mente

Tu sempre levantarás.

Musa real, não fingida,

Unida a mim ternamente,

Celeste amor me terás.



Publicado no livro Urânia (1862).


In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194

José Gonçalves de Magalhães

Dos vates a antiga usança Quis respeitoso seguir, Ensaiando em anagrama Teu doce nome exprimir; Mas a mente em vão se cansa, No desejo que me inflama Nada me vem acudir. Não desistindo da idéia, Volto a ela sem cessar; Diversos nomes invento, Sem nenhum poder achar, Que seja nome de idéia, E se preste ao meu intento, Sem o teu muito ocultar. Vendo alfim que não podia Teu anagrama fazer; Que quantos eu inventava Nada queriam dizer; Uma idéia à fantasia, Quando já nada esperava, Me veio enfim socorrer. Foi idéia luminosa, Direi quase inspiração, Pois que senti de repente Palpitar-me o coração. Sua força imperiosa Foi tal, qu'eu obediente Dei-lhe pronta execução. De papel em uma fita Teu lindo nome escrevi; Pondo as letras separadas, Co'a tesoura as dividi. Cada solta letra escrita Enrolei, e baralhadas, Numa caixinha as meti. Tudo ao acaso deixando, Da sorte o cofre agitei; E tirando-as de uma em uma, Uma após outra as tracei. Oh prodígio! Oh pasmo! Quando Esta maravilha suma De um mero acaso esperei? Já Urânia — escrito estava! Foi Amor quem o escreveu! Não, não foi obra do acaso; Teu nome veio do céu! Aquele — já — me ordenava Que da Urânia do Parnaso Fosse o nome agora teu. Que para mim renascida A Musa Urânia serás. Que ao céu e a Deus minha mente Tu sempre levantarás. Musa real, não fingida, Unida a mim ternamente, Celeste amor me terás. Publicado no livro Urânia (1862). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194

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