Poemas sobre Sonhos
Poesia que celebra a imaginação, a busca de objetivos e a realização de sonhos.
Fernando Pessoa
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa Substitui o calor. P'ra ser feliz tanta coisa é precisa. Este luzir é melhor. O que é a vida? O espaço é alguém para mim. Sonhando sou eu só. A luzir, em quem não tem fim E, sem querer, tem dó. Extensa, leve, inútil passageira, Ao roçar por mim traz Uma ilusão de sonho, em cuja esteira A minha vida jaz. Barco indelével pelo espaço da alma, Luz da candeia além Da eterna ausência da ansiada calma, Final do inútil bem. Que se quer, e, se veio, se desconhece Que, se flor, seria O tédio de o haver... E a chuva cresce Na noite agora fria. 18/09/1920
Fernando Pessoa
Cansado até dos deuses que não são... Ideais, sonhos... Como o sol é real E na objectiva coisa universal Não há o meu coração... Eu ergo a mão. Olho-a de mim, e o que ela é não sou eu. Ente mim e o que sou há a escuridão. Mas o que são a isto a terra e o céu? Houvesse ao menos, visto que a verdade É falsa, qualquer coisa verdadeira De outra maneira Que a impossível certeza ou realidade. Houvesse ao menos, sob o sol do mundo, Qualquer postiça realidade não O eterno abismo sem fundo, Crível talvez, mas tendo coração. Mas não há nada, salvo tudo sem mim. Crível por fora da razão, mas sem Que a razão acordasse e visse bem; Real com coração, (...) 10/07/1920
Álvaro de Campos
Ah, de que serve A arte que quer ser vida, sem a vida que quer ser? De que serve a arte se não é a arte que queremos? De que nos serve a vida se a queremos e não a buscamos, Se nunca é para nós a vida? Ah, p'ra saudar-te Era preciso o coração Da terra toda... O corpo-espírito das coisas,
Álvaro de Campos
NOCTURNO DE DIA ...Não: o que tenho é sono. O quê? Tanto cansaço por causa das responsabilidades, Tanta amargura por causa de talvez se não ser célebre Tanto desenvolvimento de opiniões sobre a imortalidade... O que tenho é sono, meu velho, sono... Deixem-me ao menos ter sono; quem sabe que mais terei?
Fernando Pessoa
A lembrada canção, Amor, renova agora. Na noite, olhos fechados, tua voz Dói-me no coração Por tudo quanto chora. Cantas ao pé de mim, e eu estou a sós. Não, a voz não é tua Que se ergue e acorda em mim Murmúrios de saudade e de inconstância, O luar não vem da lua Mas do meu ser afim Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância. Não, não é teu o canto Que como um astro ao fundo Da noite imensa do meu coração Chama em vão, chama tanto... Quem sou não sei... e o mundo?... Renova, amor, a antiga e vã canção. Cantas mais que por ti, Tua voz é uma ponte Por onde passa, inúmero, um segredo Que nunca recebi – Murmúrio do horizonte, Água na noite, morte que vem cedo. Assim, cantas sem que existas. Ao fim do luar pressinto Melhores sonhos que estes da ilusão 01/01/1920
Fernando Pessoa
Tudo quanto sonhei tenho perdido Antes de o ter. Um verso ao menos fique do inobtido, Música de perder. Pobre criança a quem não deram nada, Choras? É em vão. Como eu choro à beira da erma estrada. Perdi o coração. A ti talvez, que não te tens dado, Daria enfim... A mim... Sei eu que duro e inato fado Me espera a mim? 1920
Fernando Pessoa
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa Substitui o calor. P'ra ser feliz tanta coisa é precisa. Este luzir é melhor. O que é a vida? O espaço é alguém para mim. Sonhando sou eu só. A luzir, em quem não tem fim E, sem querer, tem dó. Extensa, leve, inútil passageira, Ao roçar por mim traz Uma ilusão de sonho, em cuja esteira A minha vida jaz. Barco indelével pelo espaço da alma, Luz da candeia além Da eterna ausência da ansiada calma, Final do inútil bem. Que se quer, e, se veio, se desconhece Que, se flor, seria O tédio de o haver... E a chuva cresce Na noite agora fria. 18/09/1920
Fernando Pessoa
Cansado até dos deuses que não são... Ideais, sonhos... Como o sol é real E na objectiva coisa universal Não há o meu coração... Eu ergo a mão. Olho-a de mim, e o que ela é não sou eu. Ente mim e o que sou há a escuridão. Mas o que são a isto a terra e o céu? Houvesse ao menos, visto que a verdade É falsa, qualquer coisa verdadeira De outra maneira Que a impossível certeza ou realidade. Houvesse ao menos, sob o sol do mundo, Qualquer postiça realidade não O eterno abismo sem fundo, Crível talvez, mas tendo coração. Mas não há nada, salvo tudo sem mim. Crível por fora da razão, mas sem Que a razão acordasse e visse bem; Real com coração, (...) 10/07/1920
Fernando Pessoa
A lembrada canção, Amor, renova agora. Na noite, olhos fechados, tua voz Dói-me no coração Por tudo quanto chora. Cantas ao pé de mim, e eu estou a sós. Não, a voz não é tua Que se ergue e acorda em mim Murmúrios de saudade e de inconstância, O luar não vem da lua Mas do meu ser afim Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância. Não, não é teu o canto Que como um astro ao fundo Da noite imensa do meu coração Chama em vão, chama tanto... Quem sou não sei... e o mundo?... Renova, amor, a antiga e vã canção. Cantas mais que por ti, Tua voz é uma ponte Por onde passa, inúmero, um segredo Que nunca recebi – Murmúrio do horizonte, Água na noite, morte que vem cedo. Assim, cantas sem que existas. Ao fim do luar pressinto Melhores sonhos que estes da ilusão 01/01/1920
Álvaro de Campos
Ah, de que serve A arte que quer ser vida, sem a vida que quer ser? De que serve a arte se não é a arte que queremos? De que nos serve a vida se a queremos e não a buscamos, Se nunca é para nós a vida? Ah, p'ra saudar-te Era preciso o coração Da terra toda... O corpo-espírito das coisas,
Fernando Pessoa
Tudo quanto sonhei tenho perdido Antes de o ter. Um verso ao menos fique do inobtido, Música de perder. Pobre criança a quem não deram nada, Choras? É em vão. Como eu choro à beira da erma estrada. Perdi o coração. A ti talvez, que não te tens dado, Daria enfim... A mim... Sei eu que duro e inato fado Me espera a mim? 1920
Fernando Pessoa
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa Substitui o calor. P'ra ser feliz tanta coisa é precisa. Este luzir é melhor. O que é a vida? O espaço é alguém para mim. Sonhando sou eu só. A luzir, em quem não tem fim E, sem querer, tem dó. Extensa, leve, inútil passageira, Ao roçar por mim traz Uma ilusão de sonho, em cuja esteira A minha vida jaz. Barco indelével pelo espaço da alma, Luz da candeia além Da eterna ausência da ansiada calma, Final do inútil bem. Que se quer, e, se veio, se desconhece Que, se flor, seria O tédio de o haver... E a chuva cresce Na noite agora fria. 18/09/1920
Fernando Pessoa
Cansado até dos deuses que não são... Ideais, sonhos... Como o sol é real E na objectiva coisa universal Não há o meu coração... Eu ergo a mão. Olho-a de mim, e o que ela é não sou eu. Ente mim e o que sou há a escuridão. Mas o que são a isto a terra e o céu? Houvesse ao menos, visto que a verdade É falsa, qualquer coisa verdadeira De outra maneira Que a impossível certeza ou realidade. Houvesse ao menos, sob o sol do mundo, Qualquer postiça realidade não O eterno abismo sem fundo, Crível talvez, mas tendo coração. Mas não há nada, salvo tudo sem mim. Crível por fora da razão, mas sem Que a razão acordasse e visse bem; Real com coração, (...) 10/07/1920
Fernando Pessoa
A lembrada canção, Amor, renova agora. Na noite, olhos fechados, tua voz Dói-me no coração Por tudo quanto chora. Cantas ao pé de mim, e eu estou a sós. Não, a voz não é tua Que se ergue e acorda em mim Murmúrios de saudade e de inconstância, O luar não vem da lua Mas do meu ser afim Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância. Não, não é teu o canto Que como um astro ao fundo Da noite imensa do meu coração Chama em vão, chama tanto... Quem sou não sei... e o mundo?... Renova, amor, a antiga e vã canção. Cantas mais que por ti, Tua voz é uma ponte Por onde passa, inúmero, um segredo Que nunca recebi – Murmúrio do horizonte, Água na noite, morte que vem cedo. Assim, cantas sem que existas. Ao fim do luar pressinto Melhores sonhos que estes da ilusão 01/01/1920
Fernando Pessoa
Tudo quanto sonhei tenho perdido Antes de o ter. Um verso ao menos fique do inobtido, Música de perder. Pobre criança a quem não deram nada, Choras? É em vão. Como eu choro à beira da erma estrada. Perdi o coração. A ti talvez, que não te tens dado, Daria enfim... A mim... Sei eu que duro e inato fado Me espera a mim? 1920
Álvaro de Campos
NOCTURNO DE DIA ...Não: o que tenho é sono. O quê? Tanto cansaço por causa das responsabilidades, Tanta amargura por causa de talvez se não ser célebre Tanto desenvolvimento de opiniões sobre a imortalidade... O que tenho é sono, meu velho, sono... Deixem-me ao menos ter sono; quem sabe que mais terei?
Álvaro de Campos
Ah, de que serve A arte que quer ser vida, sem a vida que quer ser? De que serve a arte se não é a arte que queremos? De que nos serve a vida se a queremos e não a buscamos, Se nunca é para nós a vida? Ah, p'ra saudar-te Era preciso o coração Da terra toda... O corpo-espírito das coisas,
Fernando Pessoa
Gnomos do luar que faz selvas As florestas sossegadas, Que sois silêncios nas relvas, E em almas abandonadas Fazeis sombras enganadas, Que sempre se a gente olha Acabastes de passar E só um tremor de folha Que o vento pode explicar Fala de vós sem falar, Levai-me no vosso rastro, Que em minha alma quero ser Como vosso corpo, um astro Que só brilha quando houver Quem o suponha sem ver. Ah, sentir tudo de todos os feitios! Não ter alma, não ter Só diversos modos – Seja eu leitura variada Para mim mesmo! Assim eu que canto ou choro Quero velar-me e partir. Lembrando o que não memoro, Alguém me saiba sentir, Mas ninguém me definir. 26/08/1930
Fernando Pessoa
AH, JÁ ESTÁ tudo lido, Mesmo o que falta ler! Sonho, e ao meu ouvido Que música vem ter? Se escuto, nenhuma. Se não ouço ao luar Uma voz que é bruma Entra em meu sonhar E esta é a voz que canta Se não sei ouvir... Tudo em mim se encanta E esquece sentir. O que a voz canta Para sempre agora Na alma me fica Se a alma me ignora. Sinto, quero, sei que Só há ter perdido - E o eco de onde sonhei-me Esquece do meu ouvido.