Poemas para Reflexão
Colectânea de poemas para reflectir e se encontrar. Temo também poemas de sobre a vida que deve consultar. Os poemas para refletir são aqueles que nos convidam a pensar sobre nossas próprias vidas, nossos valores, nossas escolhas e nossas relações. Eles podem ser profundos e introspectivos, ou leves e divertidos, mas sempre nos desafiam a olhar para dentro de nós mesmos e a considerar o que realmente importa. Os poemas para refletir podem tratar de assuntos filosóficos, políticos, sociais ou pessoais, e podem ser escritos de muitas maneiras diferentes, incluindo verso livre, rima ou formas tradicionais. Seja qual for o estilo ou a forma de escrita, os poemas para refletir são uma forma poderosa de nos conectar com nós mesmos e com o mundo ao nosso redor.
Olavo Bilac
Se por vinte anos, nesta furna escura, Deixei dormir a minha maldição, - Hoje, velha e cansada da amargura, Minh'alma se abrirá como um vulcão. E, em torrentes de cólera e loucura, Sobre a tua cabeça ferverão Vinte anos de silêncio e de tortura, Vinte anos de agonia e solidão... Maldita sejas pelo Ideal perdido! Pelo mal que fizeste sem querer! Pelo amor que morreu sem ter nascido! Pelas horas vividas sem prazer! Pela tristeza do que eu tenho sido! Pelo esplendor do que eu deixei de ser!... Olavo Bilac, in "Poesias"
Florbela Espanca
Amar! Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente... Amar! Amar! E não amar ninguém! Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente! Há uma Primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar! E se um dia hei de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... pra me encontrar... Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
Luís Vaz de Camões
Verdes são os campos, De cor de limão: Assim são os olhos Do meu coração. Campo, que te estendes Com verdura bela; Ovelhas, que nela Vosso pasto tendes, De ervas vos mantendes Que traz o Verão, E eu das lembranças Do meu coração. Gados que pasceis Com contentamento, Vosso mantimento Não no entendereis; Isso que comeis Não são ervas, não: São graças dos olhos Do meu coração.
Luís Vaz de Camões
Aquela cativa Que me tem cativo, Porque nela vivo Já não quer que viva. Eu nunca vi rosa Em suaves molhos, Que pera meus olhos Fosse mais fermosa. Nem no campo flores, Nem no céu estrelas Me parecem belas Como os meus amores. Rosto singular, Olhos sossegados, Pretos e cansados, Mas não de matar. U~a graça viva, Que neles lhe mora, Pera ser senhora De quem é cativa. Pretos os cabelos, Onde o povo vão Perde opinião Que os louros são belos. Pretidão de Amor, Tão doce a figura, Que a neve lhe jura Que trocara a cor. Leda mansidão, Que o siso acompanha; Bem parece estranha, Mas bárbara não. Presença serena Que a tormenta amansa; Nela, enfim, descansa Toda a minha pena. Esta é a cativa Que me tem cativo; E. pois nela vivo, É força que viva.
Luís Vaz de Camões
Quem presumir, Senhora, de louvar-vos Com humano saber, e não divino, Ficará de tamanha culpa dino Quamanha ficais sendo em contemplar-vos. Não pretenda ninguém de louvor dar-vos, Por mais que raro seja, e peregrino: Que vossa fermosura eu imagino Que Deus a ele só quis comparar-vos. Ditosa esta alma vossa, que quisestes Em posse pôr de prenda tão subida, Como, Senhora, foi a que me destes. Melhor a guardarei que a própria vida; Que, pois mercê tamanha me fizestes, De mim será jamais nunca esquecida.
Fernando Pessoa
O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
Florbela Espanca
Meio-dia. O sol a prumo cai ardente, Dourando tudo...ondeiam nos trigais D ́ouro fulvo, de leve...docemente... As papoulas sangrentas, sensuais... Andam asas no ar; e raparigas, Flores desabrochadas em canteiros, Mostram por entre o ouro das espigas Os perfis delicados e trigueiros... Tudo é tranqüilo, e casto, e sonhador... Olhando esta paisagem que é uma tela De Deus, eu penso então: onde há pintor, Onde há artista de saber profundo, Que possa imaginar coisa mais bela, Mais delicada e linda neste mundo?!
Florbela Espanca
Uns bezerritos bebem lentamente Na tranqüila levada do moinho. Perpassa nos seus olhos, vagamente, A sombra duma alma cor do linho! Junto deles um par. Naturalmente Namorados ou noivos. De mansinho Soltam frases d ́amor...e docemente Uma criança canta no caminho! Um trecho de paisagem campesina, Uma tela suave, pequenina, Um pedaço de terra sem igual! Oh, abre-me em teu seio a sepultura, Minha terra d ́amor e de ventura, Ó meu amado e lindo Portugal!
Luís Vaz de Camões
Se as penas com que Amor tão mal me trata Permitirem que eu tanto viva delas, Que veja escuro o lume das estrelas, Em cuja vista o meu se acende e mata; E se o tempo, que tudo desbarata Secar as frescas rosas sem colhê-las, Mostrando a linda cor das tranças belas Mudada de ouro fino em bela prata; Vereis, Senhora, então também mudado O pensamento e aspereza vossa, Quando não sirva já sua mudança. Suspirareis então pelo passado, Em tempo quando executar-se possa Em vosso arrepender minha vingança.
Luís Vaz de Camões
Senhora minha, se de pura inveja Amor me tolhe a vista delicada, A cor, de rosa e neve semeada, E dos olhos a luz que o Sol deseja, Não me pode tolher que vos não veja Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada, Onde vos terei sempre debuxada, Por mais cruel inimigo que me seja. Nela vos vejo, e vejo que não nasce Em belo e fresco prado deleitoso Senão flor que dá cheiro a toda a serra. Os lírios tendes nu~a e noutra face. Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso Quem os tiver, se há tanto bem na terra!
Luís Vaz de Camões
Qual tem a borboleta por costume, Que, enlevada na luz da acesa vela, Dando vai voltas mil, até que nela Se queima agora, agore se consume, Tal eu correndo vou ao vivo lume Desses olhos gentis, Aónia bela; E abraso-me por mais que com cautela Livrar-me a parte racional presume. Conheço o muito a que se atreve a vista, O quanto se levanta o pensamento, O como vou morrendo claramente; Porém, não quer Amor que lhe resista, Nem a minha alma o quer; que em tal tormento, Qual em glória maior, está contente.
Luís Vaz de Camões
Ditoso seja aquele que somente Se queixa de amorosas esquivanças; Pois por elas não perde as esperanças De poder nalgum tempo ser contente. Ditoso seja quem, estando absente, Não sente mais que a pena das lembranças, Porque, inda mais que se tema de mudanças, Menos se teme a dor quando se sente. Ditoso seja, enfim, qualquer estado, Onde enganos, desprezos e isenção Trazem o coração atormentado. Mas triste de quem se sente magoado De erros em que não pode haver perdão, Sem ficar na alma a mágoa do pecado.
Luís Vaz de Camões
Onde acharei lugar tão apartado E tão isento em tudo da ventura, Que, não digo eu de humana criatura, Mas nem de feras seja frequentado? Algum bosque medonho e carregado, Ou selva solitária, triste e escura, Sem fonte clara ou plácida verdura, Enfim, lugar conforme a meu cuidado? Porque ali, nas entranhas dos penedos, Em vida morto, sepultado em vida, Me queixe copiosa e livremente; Que, pois a minha pena é sem medida, Ali triste serei em dias ledos E dias tristes me farão contente.
Florbela Espanca
Tudo é vaidade neste mundo vão... Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada! E mal desponta em nós a madrugada, Vem logo a noite encher o coração! Até o amor nos mente, essa canção Que nosso peito ri `a gargalhada, Flor que é nascida e logo desfolhada, Pétalas que se pisam pelo chão!... Beijos d ́amor? Pra quê?!... Tristes vaidades! Sonhos que logo são realidades, Que nos deixam a alma como morta! Só acredita neles quem é louca! Beijos d ́amor que vão de boca em boca, Como pobres que vão de porta em porta!...
Ricardo Reis
Sob a leve tutela De deuses descuidosos, Quero gastar as concedidas horas Desta fadada vida. Nada podendo contra O ser que me fizeram, Desejo ao menos que me haja o Fado Dado a paz por destino. Da verdade não quero Mais que a vida; que os deuses Dão vida e não verdade, nem talvez Saibam qual a verdade.
Florbela Espanca
Meu doido coração aonde vais, No teu imenso anseio de liberdade? Toma cautela com a realidade; Meu pobre coração olha cais! Deixa-te estar quietinho! Não amais A doce quietação da soledade? Tuas lindas quimeras irreais Não valem o prazer duma saudade! Tu chamas ao meu seio, negra prisão!... Ai, vê lá bem, ó doido coração, Não te deslumbre o brilho do luar! Não ́stendas tuas asas para o longe... Deixa-te estar quietinho, triste monge, Na paz da tua cela, a soluçar!..
Florbela Espanca
Meu coração da cor dos rubros vinhos Rasga a mortalha do meu peito brando E vai fugindo, e tonto vai andando A perder-se nas brumas dos caminhos. Meu coração o místico profeta, O paladino audaz da desventura, Que sonha ser um santo e um poeta, Vai procurar o Paço da Ventura... Meu coração não chega lá decerto... Não conhece o caminho nem o trilho, Nem há memória desse sítio incerto... Eu tecerei uns sonhos irreais... Como essa mãe que viu partir o filho, Como esse filho que não voltou mais
Florbela Espanca
Ando perdida nestes sonhos verdes De ter nascido e não saber quem sou, Ando ceguinha a tatear paredes E nem ao menos sei quem me cegou! Não vejo nada, tudo é morto e vago... E a minha alma cega, ao abandono Faz-me lembrar o nenúfar dum lago ́Stendendo as asas brancas cor do sonho... Ter dentro d ́alma na luz de todo o mundo E não ver nada nesse mar sem fundo, Poetas meus irmãos, que triste sorte!... E chamam-nos a nós Iluminados! Pobres cegos sem culpas, sem pecados, A sofrer pelos outros té à morte!
Florbela Espanca
Tirar dentro do peito a emoção, A lúcida verdade, o sentimento! - E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!... Sonhar um verso d ́alto pensamento, E puro como um ritmo d ́oração! - E ser, depois de vir do coração, O pó, o nada, o sonho dum momento!... São assim ocos, rudes, os meus versos: Rimas perdidas, vendavais dispersos, Com que eu iludo os outros, com que minto! Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
Florbela Espanca
Não sei quem és. Já não te vejo bem... E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...) Sonho que um outro sonho me desfez? Fantasma de que amor? Sombra de quem? Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?... - Não sei se tu, amor, assim me vês!... Nossos olhos não são nossos, talvez... Assim, tu não és tu! Não és ninguém!... És tudo e não és nada... És a desgraça... És quem nem sequer vejo; és um que passa... És sorriso de Deus que não mereço... És aquele que vive e que morreu... És aquele que é quase um outro eu... És aquele que nem sequer conheço...