Poemas para Reflexão
Colectânea de poemas para reflectir e se encontrar. Temo também poemas de sobre a vida que deve consultar. Os poemas para refletir são aqueles que nos convidam a pensar sobre nossas próprias vidas, nossos valores, nossas escolhas e nossas relações. Eles podem ser profundos e introspectivos, ou leves e divertidos, mas sempre nos desafiam a olhar para dentro de nós mesmos e a considerar o que realmente importa. Os poemas para refletir podem tratar de assuntos filosóficos, políticos, sociais ou pessoais, e podem ser escritos de muitas maneiras diferentes, incluindo verso livre, rima ou formas tradicionais. Seja qual for o estilo ou a forma de escrita, os poemas para refletir são uma forma poderosa de nos conectar com nós mesmos e com o mundo ao nosso redor.
Florbela Espanca
Eu bebo a vida, a vida, a longos tragos Como um divino vinho de Falerno! Pousando em ti o meu olhar eterno Como pousam as folhas sobre os lagos... Os meus sonhos agora são mais vagos... O teu olhar em mim, hoje, é mais terno... E a vida já não é o rubro inferno Todo fantasmas tristes e pressagos! A vida, meu amor, quero vivê-la! Na mesma taça erguida em tuas mãos, Bocas unidas, hemos de bebê-la! Que importa o mundo e as ilusões defuntas?... Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?... O mundo, amor! ... As nossas bocas juntas!...
Florbela Espanca
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de infinito! Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim... É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
Neste tormento inútil, neste empenho De tornar em silêncio o que em mim canta, Sobem-me roucos brados à garganta Num clamor de loucura que contenho. Ó alma da charneca sacrossanta, Irmã da alma rútila que eu tenho, Dize para onde eu vou, donde é que venho Nesta dor que me exalta e me alevanta! Visões de mundos novos, de infinitos, Cadências de soluços e de gritos, Fogueira a esbrasear que me consome! Dize que mão é esta que me arrasta? Nódoa de sangue que palpita e alastra... Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
Florbela Espanca
Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera, Eu sou isto que vês: o sonho, a graça, Deu ao meu corpo, o vento, quando passa, Este ar escultural de bayadera... E de manhã o sol é uma cratera, Uma serpente de ouro que me enlaça... Trago nas mãos as mãos da primavera... E é para mim que em noites de desgraça Toca o vento Mozart, triste e solene, E à minha alma vibrante, posta a nu, Diz a chuva sonetos de Verlaine..." E, ao ver-me triste, a tília murmurou: "Já fui um dia poeta como tu... Ainda hás de ser tília como eu sou..."
Florbela Espanca
Passam no teu olhar nobres cortejos, Frotas, pendões ao vento sobranceiros, Lindos versos de antigos romanceiros, Céus do Oriente, em brasa, como beijos, Mares onde não cabem teus desejos; Passam no teu olhar mundos inteiros, Todo um povo de heróis e marinheiros, Lanças nuas em rútilos lampejos; Passam lendas e sonhos e milagres! Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres, Em centelhas de crença e de certeza! E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim, Amor, julgo trazer dentro de mim Um pedaço da terra portuguesa!
Alberto Caeiro
Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estacões A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente Vem sentar-se a meu lado. Mas eu fico triste como um pôr do Sol Para a nossa imaginação, Quando esfria no fundo da planície E se sente a noite entrada Como uma borboleta pela janela. Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. Com um ruído de chocalhos Para além da curva da estrada, Os meus pensamentos são contentes. Só tenho pena de saber que eles são contentes, Porque, se o não soubesse, Em vez de serem contentes e tristes, Seriam alegres e contentes. Pensar incomoda como andar à chuva Quando o vento cresce e parece que chove mais. Não tenho ambições nem desejos. Ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho. E se desejo às vezes, Por imaginar, ser cordeirinho (Ou ser o rebanho todo Para andar espalhado por toda a encosta A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo), É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz E corre um silêncio pela erva fora. Quando me sento a escrever versos Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos, Escrevo versos num papel que está no meu pensamento, Sinto um cajado nas mãos E vejo um recorte de mim No cimo dum outeiro, Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias, Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho, E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz E quer fingir que compreende. Saúdo todos os que me lerem, Tirando-lhes o chapéu largo Quando me vêem à minha porta Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. Saúdo-os e desejo-lhes sol E chuva, quando a chuva é precisa, E que as suas casas tenham Ao pé duma janela aberta Uma cadeira predilecta Onde se sentem, lendo os meus versos. E ao lerem os meus versos pensem Que sou qualquer coisa natural — Por exemplo, a árvore antiga À sombra da qual quando crianças Se sentavam com um baque, cansados de brincar, E limpavam o suor da testa quente Com a manga do bibe riscado.
Fernando Pessoa
Cansa ser, sentir dói, pensar destrui. Alheia a nós, em nós e fora, Rui a hora, e tudo nela rui. Inutilmente a alma o chora. De que serve? O que é que tem que servir? Pálido esboço leve Do sol de Inverno sobre meu leito a sorrir... Vago sussurro breve. Das pequenas vozes com que a manhã acorda, Da fútil promessa do dia, Morta ao nascer, na esperança longínqua e absurda Em que a alma se fia. 01/01/1921
Fernando Pessoa
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa Substitui o calor. P'ra ser feliz tanta coisa é precisa. Este luzir é melhor. O que é a vida? O espaço é alguém para mim. Sonhando sou eu só. A luzir, em quem não tem fim E, sem querer, tem dó. Extensa, leve, inútil passageira, Ao roçar por mim traz Uma ilusão de sonho, em cuja esteira A minha vida jaz. Barco indelével pelo espaço da alma, Luz da candeia além Da eterna ausência da ansiada calma, Final do inútil bem. Que se quer, e, se veio, se desconhece Que, se flor, seria O tédio de o haver... E a chuva cresce Na noite agora fria. 18/09/1920
Fernando Pessoa
Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado; Não venhas falar, nem sorrir. Estou cansado de tudo, estou cansado E quero só dormir. Dormir até acordado, sonhando Ou até sem sonhar, Mas envolto num vago abandono brando A não ter que pensar. Nunca soube querer, nunca soube sentir, até Pensar não foi certo em mim. Deitei fora entre ortigas o que era a minha fé, Escrevi numa página em branco, «Fim». As princesas incógnitas ficaram desconhecidas, Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro Acumulei em mim um milhão difuso de vidas, Mas nunca encontrei parceiro. Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales, Só quero dormir, uma morte que seja Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales – Que ninguém deseja nem não deseja. Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo As esperanças e ambições que tive, E hoje sou apenas um suicídio tardo, Um desejo de dormir que ainda vive. Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma, Como um barco abandonado, Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma Sem se lhe saber o passado. E o comandante do navio que segue deveras Entrevê na distância do mar O fim do último representante das galeras, Que não sabia nadar. 28/08/1927
Fernando Pessoa
Cansado até dos deuses que não são... Ideais, sonhos... Como o sol é real E na objectiva coisa universal Não há o meu coração... Eu ergo a mão. Olho-a de mim, e o que ela é não sou eu. Ente mim e o que sou há a escuridão. Mas o que são a isto a terra e o céu? Houvesse ao menos, visto que a verdade É falsa, qualquer coisa verdadeira De outra maneira Que a impossível certeza ou realidade. Houvesse ao menos, sob o sol do mundo, Qualquer postiça realidade não O eterno abismo sem fundo, Crível talvez, mas tendo coração. Mas não há nada, salvo tudo sem mim. Crível por fora da razão, mas sem Que a razão acordasse e visse bem; Real com coração, (...) 10/07/1920
Álvaro de Campos
Sim, é claro, O Universo é negro, sobretudo de noite. Mas eu sou como toda a gente, Não tenha eu dores de dentes nem calos e as outras dores passam. Com as outras dores fazem-se versos. Com as que doem, grita-se. A constituição íntima da poesia Ajuda muito... (Como analgésico serve para as dores da alma, que são fracas...) Deixem-me dormir.
Ricardo Reis
Sob a leve tutela De deuses descuidosos, Quero gastar as concedidas horas Desta fadada vida. Nada podendo contra O ser que me fizeram, Desejo ao menos que me haja o Fado Dado a paz por destino. Da verdade não quero Mais que a vida; que os deuses Dão vida e não verdade, nem talvez Saibam qual a verdade.
Fernando Pessoa
Outros terão Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo. A inteira, negra e fria solidão Está comigo. A outros talvez Há alguma coisa quente, igual, afim No mundo real. Não chega nunca a vez Para mim. «Que importa?» Digo, mas só Deus sabe que o não creio. Nem um casual mendigo à minha porta Sentar se veio. «Quem tem de ser?» Não sofre menos quem o reconhece. Sofre quem finge desprezar sofrer Pois não esquece. Isto até quando? Só tenho por consolação Que os olhos se me vão acostumando À escuridão 13/01/1920
Fernando Pessoa
Outros terão Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo. A inteira, negra e fria solidão Está comigo. A outros talvez Há alguma coisa quente, igual, afim No mundo real. Não chega nunca a vez Para mim. «Que importa?» Digo, mas só Deus sabe que o não creio. Nem um casual mendigo à minha porta Sentar se veio. «Quem tem de ser?» Não sofre menos quem o reconhece. Sofre quem finge desprezar sofrer Pois não esquece. Isto até quando? Só tenho por consolação Que os olhos se me vão acostumando À escuridão 13/01/1920
Fernando Pessoa
Pousa um momento, Um só momento em mim, Não só o olhar, também o pensamento. Que a vida tenha fim Nesse momento! No olhar a alma também Olhando-me, e eu a ver Tudo quanto de ti teu olhar tem. A ver até esquecer Que tu és tu também. Só tua alma sem tu Só o teu pensamento E eu onde, alma sem eu. Tudo o que sou Ficou com o momento E o momento parou. 12/12/1919
Fernando Pessoa
Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado; Não venhas falar, nem sorrir. Estou cansado de tudo, estou cansado E quero só dormir. Dormir até acordado, sonhando Ou até sem sonhar, Mas envolto num vago abandono brando A não ter que pensar. Nunca soube querer, nunca soube sentir, até Pensar não foi certo em mim. Deitei fora entre ortigas o que era a minha fé, Escrevi numa página em branco, «Fim». As princesas incógnitas ficaram desconhecidas, Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro Acumulei em mim um milhão difuso de vidas, Mas nunca encontrei parceiro. Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales, Só quero dormir, uma morte que seja Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales – Que ninguém deseja nem não deseja. Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo As esperanças e ambições que tive, E hoje sou apenas um suicídio tardo, Um desejo de dormir que ainda vive. Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma, Como um barco abandonado, Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma Sem se lhe saber o passado. E o comandante do navio que segue deveras Entrevê na distância do mar O fim do último representante das galeras, Que não sabia nadar. 28/08/1927