Poemas em Estrangeiro
Nem só o Português é lingua com belos poemas. Aqui pode encontrar uma seleção de Poemas em lingua estrangeira ricos em conhecimento e sabedoria.
Manuel Bandeira
Nudez anatômica Onde madrugais Areia dormente! Quem vem lá, Vinícius Não o de Morais Mas o de imorais Poemas vai perdido Tão perdidamente Pela bomba atômica. E diz-lhe ao ouvido: — Ai bombinha atômica Vem comigo vem! Sou tão delicado Sou um monstrozinho De delicadeza! Meu amor meu bem Me ama me possui Me faz em pedaços! Já não sou Vinícius Sou o que jamais Fui: Mar de Sargaços Cabo Guardafui! Cantarei na lira Casimiriana Versos que esqueceram Às musas de Gôngora! E te chamarei Cupincha Nux Vomica Oriana Ariana! Ah mal sei que e é igual a mc2 Perdão bomba atômica! Sou um sórdido poeta Fundo em matemática E te amo ai de mim! Vem ó pomba atômica! Vem minha bombinha Pombinha rolinha Do meu coração! Vem como és agora: Te quero novinha Donzela pucela Antes da ebaente Desintegração!
Manuel Bandeira
1. Doces de açúcar e gemas São teus versos, e teus doces Sabem a poemas: não fosses Toda doce em cada poema! 2. Pouco e coco rimam, sim, Mas quando o coco é o seu coco, Que, por mais que seja, é pouco (Pelo menos para mim!). 3. Não veio doce, mas veio Verso seu, que me é tão doce Como se doce ele fosse: Mais que doce: doce e meio!
Manuel Bandeira
Como foi que temperaste, Portugal, meu avozinho, Esse gosto misturado De saudade e de carinho? Esse gosto misturado De pele branca e trigueira, — Gosto de África e de Europa, Que é o da gente brasileira? Gosto de samba e de fado, Portugal, meu avozinho. Ai Portugal que ensinaste Ao Brasil o teu carinho! Tu de um lado, e do outro lado Nós... No meio o mar profundo... Mas, por mais fundo que seja, Somos os dois um só mundo. Grande mundo de ternura, Feito de três continentes... Ai, mundo de Portugal, Gente mãe de tantas gentes! Ai, Portugal, de Camões, Do bom trigo e do bom vinho, Que nos deste, ai avozinho, Este gosto misturado, Que é saudade e que é carinho!
Manuel Bandeira
Marcus Vinícius Cruz de Moraes, Eu não sabia Que no teu nome Tu carregavas À tua cruz De fogo e lavas. Cruz da poesia? Cruz do renome? Marcus Vinícius Que em tuas puras, Tuas selvagens Raras imagens Da mais pungente Melancolia Ficaste ardente Para jamais: Quais são teus vícios, Vinícius, quais, Para os purgares Nas consulares Assinaturas? Marcus Vinícius, Eu já te tinha (E te ofereço Esta tetinha) Como um dos marcos De maior preço Do bom lirismo Da pátria minha. Mas não sabia Que fosses Marcus Pelo batismo. Hoje que o sei, Te gritarei Num poema bem, Bem, não! no mais Pantafaçudo Que já compus: — Marcus Vinícius Cruz de Moraes (Mello também), De cruz a cruz Eu te saúdo!
Manuel Bandeira
Glória aos poetas de Portugal. Glória a D. Dinis. Glória a Gil Vicente. Glória a Camões. Glória a Bocage, a Garrett, a João de Deus (mas todos são de Deus, e há um santo; Antero de Quental). Glória a Junqueiro. Glória ao sempre Verde Cesário. Glória a Antônio Nobre. Glória a Eugênio de Castro. A Pessoa e seus heterônimos. A Camilo Pessanha. Glória a tantos mais, a todos mais. — Glória a Teixeira de Pascoais.
Manuel Bandeira
Craveiro, dá-me uma rosa! Mas não qualquer, General: Que eu quero, Craveiro, a rosa Mais linda de Portugal! Não me dês rosa de sal. Não me dês rosa de azar. Não me dês, Craveiro, rosa Dos jardins de Salazar! A Portugal mando um cravo. Mas não qualquer, General: Mando o cravo mais bonito Da minha terra natal! Não cravo de Juscelino, Nem de nenhum general! Não cravo (se há lá já cravos!) Da futura capital. Mando o puro cravo branco Da pátria não oficial: Cravo de amor, — sem política, Só de amor, meu General.
Manuel Bandeira
Isabel querida — A menininha mais bonitinha, mais engraçadinha, mais bizurunguinha que eu já vi na minha vida — amorável, adorável, a d o r á v e l ! Mas é mesmo uma menina? Ou será, Manuel, lírio da campina botão de rosa no galho, ou na manhã fria de abril, cristalina gotinha de orvalho? (De orvalho ou de mel?) Se não é um doce, é como se fosse. É mais: um anjinho muito seriozinho caído do céu por descuido, com uma bonequinha loura e coradinha nos braços. Que bom que é um anjo fresquinho caído do céu! Rogo a Deus, nosso Senhor, seres meu anjo-guardião: se um dia, seja em que for, eu cair em tentação (sou tão grande pecador!) peço-te que tu me salves, salves o bardo Manuel, Isabel, — Isabel Moreira Alves.
Manuel Bandeira
Mar que ouvi sempre cantar murmúrios Na doce queixa das elegias, Como se fosses, nas tardes frias De tons purpúreos, A voz das minhas melancolias: Com que delícia neste infortúnio, Com que selvagem, profundo gozo, Hoje te vejo bater raivoso, Na maré-cheia de novilúnio, Mar rumoroso! Com que amargura mordes a areia, Cuspindo a baba da acre salsugem, No torvelinho de ondas que rugem Na maré-cheia, Mar de sargaços e de amuragem! As minhas cóleras homicidas, Meus velhos ódios de iconoclasta, Quedam-se absortos diante da vasta, Pérfida vaga que tudo arrasta, Mar que intimidas! Em tuas ondas precipitadas, Onde flamejam lampejos ruivos, Gemem sereias despedaçadas, Em longos uivos Multiplicados pelas quebradas. Mar que arremetes, mas que não cansas, Mar de blasfêmias e de vinganças, Como te invejo! Dentro em meu peito Eu trago um pântano insatisfeito De corrompidas desesperanças!... 1913
Manuel Bandeira
Bélgica dos canais de labor perseverante, Que a usura das cousas, tempo afora, Tempo adiante, Fez para agora e para jamais Canais de infinita, enternecida poesia... Bélgica dos canais, Bélgica de cujos canais Saiu ao mar mais de uma ingênua vela branca... Mais de uma vela nova... mais de uma vela virgem... Bélgica das velas brancas e virgens! Bélgica dos velhos paços municipais, Umidos da nostalgia De um nobre passado irrevocável. Bélgica dos pintores flamengos. Bélgica onde Verlaine escreveu Sagesse. Bélgica das beguines, Das humildes beguines de mãos postas, em prece, Sob os toucados de linho simbólicos. * Bélgica de Malines. Bélgica de Bruges-a-morta... Bélgica dos carrilhões católicos. Bélgica dos poetas iniciadores, Bélgica de Maeterlinck (La Mort de Tintagiles, Pelléas et Mélisande.) Bélgica de Verhaeren e dos campos alucinados de Flandres. Bélgica das velas ingênuas e virgens.
Manuel Bandeira
Sino de Belém, Sino da Paixão... Sino de Belém, Sino da Paixão... Sino do Bonfim!... Sino do Bonfim... Sino de Belém, pelos que inda vêm! Sino de Belém bate bem-bem-bem. Sino da Paixão, pelos que lá vão! Sino da Paixão bate bão-bão-bão. Sino do Bonfim, por quem chora assim?... Sino de Belém, que graça ele tem! Sino de Belém bate bem-bem-bem. Sino da Paixão — pela minha irmã! Sino da Paixão — pela minha mãe! Sino do Bonfim, que vai ser de mim?... Sino de Belém, como soa bem! Sino de Belém bate bem-bem-bem. Sino da Paixão... Por meu pai?... — Não! Não!... Sino da Paixão bate bão-bão-bão. Sino do Bonfim, baterás por mim?... Sino de Belém, Sino da Paixão... Sino da Paixão, pelo meu irmão... Sino da Paixão, Sino do Bonfim... Sino do Bonfim, ai de mim, por mim! Sino de Belém, que graça ele tem!
José Gonçalves de Magalhães
Longe do belo céu da Pátria minha, Que a mente me acendia, Em tempo mais feliz, em qu'eu cantava Das palmeiras à sombra os pátrios feitos; Sem mais ouvir o vago som dos bosques, Nem o bramido fúnebre das ondas, Que n'alma me excitavam Altos, sublimes turbilhões de idéias; Com que cântico novo O Dia saudarei da Liberdade? Ausente do saudoso, pátrio ninho, Em regiões tão mortas, Para mim sem encantos, e atrativos, Gela-se o estro ao peregrino vate. Tu também, que nos trópicos te ostentas Fulgurante de luz, e rei dos astros, Tu, oh sol, neste céu teu brilho perdes. (...) Dia da Liberdade! Tu só dissipas hoje esta tristeza Que a vida me angustia. Tu só me acordas hoje do letargo Em que esta alma se abisma, De resistir cansada a tantas dores. Ah! talvez que de ti poucos se lembrem Neste estranho país, onde tu passas Sem culto, sem fulgor, como em deserto Caminha o viajor silencioso. Mas rápidos os dias se devolvem; E tu, oh sol, que pálido me aclaras Nestas longínquas plagas, Brilhante ainda raiarás na Pátria, E ouvirás meus hinos Em honra deste Dia, não magoados Co'os fúnebres acentos da saudade. Publicado no livro Suspiros Poéticos e Saudades (1836). Poema integrante da série Saudades. In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
Que mágico pincel, mimo de Apolo, Com muda locução, com vivas cores, Faz da Pátria passar os Defensores Desde o pólo do Sul do Norte ao pólo? Quem tanto esmalta o Brasileiro solo? Estes belos painéis, tão faladores Mais encantos possuem que os Amores Quando da terna mãe se erguem do colo. Rafael do Brasil, eu te saúdo. Tu serás entre nós das Belas Artes Um novo vingador, um forte escudo. Honra à Pátria não dão feroces Martes, Mas Artistas quais tu! Elmano, eis tudo Porque atroam do mundo as quatro partes. Publicado no livro Poesias (1832). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
(...) "No Brasil, como sabes, qualquer zote Um formado doutor se conceitua; Quem pra trolha nasceu, ou pro rabote Não creias que consulte a sorte sua; Toda a baixa gentalha deste lote Em política ao menos se insinua. O vadio, o pedante, o mentecapto Pra os públicos empregos julga-se apto. "Não é com má tenção qu'isto te digo, Mas sim porqu'ad reum o caso o pede, Tu mesmo terás dito lá contigo Que o pedantismo no Brasil tem sede: Quem tem um Governante por amigo Alcança tudo que deseja, e pede, Não se gradua o mérito e a virtude, Pra escravo, e adulador basta que estude. "Há muito qu'este mal nos assolapa E tem feito o Brasil andar à-toa; Toma um alvar de patriota a capa, E defensor da Pátria se apregoa. Dos patriotas é tão grande o mapa Quanto o dos asnos, qu'ela galardoa; Quem talentos não tem, nem tem ofício Um emprego requer em sacrifício "Era o tempo da nossa Independência Em que certa Família dominava, E, como hoje se faz, por influência D'algum patrono, tudo se alcançava. Do nosso Herói não foi baldada a agência, E como patriota se inculcava Alegando ser Jovem Fluminense, Pôde um lugar obter de Amanuense. (...) "Mas coitado! uma idéia o afligia, Era o seu mau estado monetário; Nada tinha de seu; e ele bem via Que tudo no Brasil era precário. Seu lugar d'um Ministro dependia; Sendo tudo interino e arbitrário, Tudo cair podia num instante, Quanto mais ele, mísero pedante! (. ..) Publicado no livro Episódio da Infernal Comédia ou Da Minha Viagem ao Inferno (1836). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
José Gonçalves de Magalhães
Pela Pátria, e por mim a voz desprendo Ao som da lira que a saudade empunha; Verdade, e gratidão guiam meu canto, Não sórdida cobiça Debret, digno Francês, Pintor preclaro, Caro Amigo; Homem firme, sábio Mestre, Eu te agradeço os bens, que tu fizeste A mim, e à Pátria minha. De um bom filho é dever ao pai ser útil; Mas de homem o dever é ser a todos: Assaz útil nos fôste, assaz nos deste De homem, de amigo provas. Saudosa a tua Pátria ora te chama, E para receber-te estende os braços; Chama-te a Pátria, não hesites, cumpre Os deveres de filho. Deixa embora o Brasil, que tanto prezas; Não mais encares suas belas cenas; Sei que ele é sedutor, que tem encantos Que os alvedrios prendem. Sei quanto no meu peito a Pátria impera, Que mais o meu amor subir não pode; Como pois poderei aconselhar-te Que a tua Pátria deixes? Ah não! não se dirá, que um Brasileiro A tanto se atreveu; embora, embora Não honre o teu pincel a nossa história, Nem as nossas paisagens. Tu conheces meu peito, assaz tu sabes Que honra, e virtude assim n'alma me gritam. Indócil coração eu não possuo, Indiferente a tudo. Morno pesar me enluta, e me profliga Agora que o Brasil, e a mim tu deixas. Ah não condenes que entrecorte o canto Com ais, e com suspiros. Em nossos corações agradecidos Tu soubeste, oh Debret, gravar teu nome, E neles viverás, enquanto as Artes Amadores tiverem. (. ..) Sim, oh Debret, será teu nome eterno; E quando outro penhor tu nos não desses, Um Araújo só bastante fôra Para honra tua, e nossa. (. ..) Mas outros deixas monumentos vivos; Existem os Carvalhos, e os Arrudas, Que a muda Natureza em breves quadros Mimosos representam. Oxalá que eu também sem desonrar-te Que teu discíp'lo fui dizer pudesse; Mas ao menos direi, sou teu amigo, E basta-me tal glória. Se este fraco tributo de amizade For aos olhos do Mundo apresentado, Conheça o quanto a gratidão domina No peito Brasileiro. Imagem - 00410006 Publicado no livro Poesias (1832). In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Org. rev. e notas Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 194
Joaquim Maria Machado de Assis
Que deviendra dans l'éternité l'âme d'un homme qui a fait Polichinelle toute sa vie? Mme. DE STAEL Musa, depõe a lira! Cantos de amor, cantos de glória esquece! Novo assunto aparece Que o gênio move e a indignação inspira. Esta esfera é mais vasta, E vence a letra nova a letra antiga! Musa, toma a vergasta, E os arlequins fustiga. Como aos olhos de Roma, — Cadáver do que foi, pávido império De Caio e de Tibério, — O filho de Agripina ousado assoma; E a lira sobraçando, Ante o povo idiota e amedrontado, Pedia, ameaçando, O aplauso acostumado; E o povo que beijava Outrora ao deus Calígula o vestido, De novo submetido Ao régio saltimbanco o aplauso dava. E tu, tu não te abrias, Ó céu de Roma, à cena degradante! E tu, tu não caías, Ó raio chamejante! Tal na história que passa Neste de luzes século famoso, O engenho portentoso Sabe iludir a néscia população; Não busca o mal tecido Canto de outrora; a moderna insolência Não encanta o ouvido, Fascina a consciência! Vede; o aspecto vistoso, O olhar, seguro, altivo e penetrante, E certo ar arrogante Que impõe com aparências de assombroso; Não vacila, não tomba, Caminha sobre a corda firme e alerta; Tem consigo a maromba E a ovação é certa. Tamanha gentileza, Tal segurança, ostentação tão grande, A multidão expande Com ares de legítima grandeza. O gosto pervertido Acha o sublime neste abatimento, E dá-lhe agradecido O louro e o monumento. Do saber, da virtude, Logra fazer, em prêmio dos trabalhos, Um manto de retalhos Que à consciência universal ilude. Não cora, não se peja Do papel, nem da máscara indecente, E ainda inspira inveja Esta glória insolente! (. ..) Imagem - 00010001 Publicado no livro Crisálida: poesias (1864). In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.196-197. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira